Generations:
passando o bastão
A
Nova Geração, capitaneada por Jean-Luc Picard, já tinha feito
um estrondoso sucesso na TV, indo onde Jornada nas Estrelas
jamais esteve e colocando um grande sorriso nos lábios do público,
dos administradores e da equipe de produção da Paramount Pictures.
Ela criou uma legião de fãs que viam a Série Clássica,
mas não eram muito chegados à estética dos anos 60, ou ainda que
passaram a ver Jornada nas Estrelas nos anos 80 justamente
com a Enterprise na
versão do século 24. Isto fez com que desde a metade da produção
do seriado, se pensasse na realização de uma longa metragem. Rick
Berman já estava no comando desde os últimos anos de vida de Gene
Roddenberry, então, reuniu Ronald Moore e Brannon Braga, dois dos
melhores roteiristas da história da Nova Geração para
bolar o roteiro.
Inicialmente, “All
Good Things...”, o último episódio que foi ao ar,
seria a história do filme, mas, como se sabe, ele encerrou a vida
televisiva do seriado e outra proposta foi adotada. Esta proposta
era fazer um filme só com o elenco da Nova Geração, mas,
devido ao sucesso de “Jornada nas Estrelas VI: a Terra
Desconhecida” resolveu-se juntar as duas tripulações da Enterprise,
deixando claro que não seria uma continuação dos filmes
anteriores, onde o elenco clássico atuaria como convidado. Mas
Leonard Nimoy, DeForest Kelley e George Takei não concordaram e
Nichelle Nichols saiu fora. Eles teriam participação pequena, o
que não valeria a pena. Nimoy foi convidado para dirigir, mas
recusou porque não poderia mexer substancialmente no roteiro.
A
escolha da direção recaiu sobre David Carson, um
bem-sucedido diretor dos episódios da Nova Geração.
Porém, Willian Shatner não se opôs e concordou em vestir mais uma
vez o uniforme vermelho do capitão Kirk, no que foi acompanhado por
Walter Koenig e James
Doohan. Shatner disse que não se importaria se a idéia de matar o
capitão Kirk fosse levada à diante, embora estivesse muito grato
ao papel que lhe deu o maior sucesso e rendimento na sua carreira de
ator. De fato, ele estava envolvido com outros projetos, como a criação
da saga “Tek War”. Assim, se reuniu periodicamente com Berman,
Moore e Braga para tratar dos detalhes da trama num clima bastante
favorável com a produção e o elenco, que o tratou com muito
respeito e carinho.
De
todos os atores, Patrick Stewart teve mais aproximação com ele,
por causa das cenas entre Picard e Kirk, em boa parte do tempo
gravadas no lombo de um cavalo e uma égua. Como tem bastante experiência
com estes animais, Shatner deu boas dicas a Stewart para que se
sentisse mais à vontade com eles. E, é claro, fez questão de que
a sua égua de estimação, Great Belles of Fire, participasse,
facilitando a gravação e a vida do diretor.
Stewart afirmou que
se sentiu bastante gratificado por trabalhar de maneira bem
entrosada com Shatner e Malcolm McDowell, que interpretou o vilão
Dr. Soran, o assassino de Kirk. Stewart ressaltou a boa química
entre eles, responsável pelo bom resultado dramático no planeta
Veridian III. McDowell amou interpretar seu personagem de tal forma
que até hoje anda por aí com o cabelo claro e curto e cara de meio
demente.
O
resultado do filme foi considerado muito bom pelos produtores, mas
houve uma modificação de última hora, pois o público-teste não
gostou de ver Kirk morrer com um disparo do feiser de Soran. As
cenas foram refeitas e o resultado foi o que se viu nas telas, com
Kirk despencando da plataforma onde lutava contra o seu algoz.
Picard tenta socorrê-lo, mas o golpe foi fatal. As últimas
palavras de Kirk expressam o sentimento de satisfação e espanto
com o que haveria de acontecer... Na verdade, esta foi a segunda
morte (?) de Kirk, já que a primeira foi na Enterprise-B
há quase oito décadas atrás, tentando salvar uma nave
cheia de El-aurianos, inclusive Guinan e o dr. Soran, da destruição
de uma descarga de energia da singularidade Nexus: um lugar onde o
tempo e o espaço são relativos e os sonhos viram realidade.
Como o capitão da nave, John Harriman, é um perfeito banana, e a
Frota Estelar tinha deixado a nave recém-construída ainda
incompleta, Kirk se oferece para resolver o problema com a ajuda de
seus escudeiros Chekov e Scott, também chamados para serem
homenageados no lançamento da nova versão da nave mais famosa da
Federação. Estas cenas têm a participação de Demora Sulu, filha
do ex-piloto da nave original, e de um tenente negro, interpretado
por Tim Russ, o Tuvok de Voyager.
Mas a trama só começa a fazer maior sentido com a tripulação
da Enterprise-D,
reunida setenta e cinco anos depois no “holodeck” na cerimônia
de promoção de Worf ao posto de tenente-comandante a bordo do
navio HMS Enterprise.
No
meio da maior animação, Picard recebe a mensagem de que seus irmão
e sobrinho morreram num incêndio na vinícola da família em
Labarre, França... O capitão fica transtornado pela perda dos seus
e, como se isso não bastasse, um ataque a um observatório da
Federação pelos romulanos faz a nave rumar para investigar o
local. Lá está o dr. Soran tentando realizar a obsessão de muitos
de sua espécie para reverter ao tempo onde a sua família ainda
existia, tentando alcançar a trajetória da próxima onda Nexus. O
dr. Soran resiste a abandonar o local e detém o grupo avançado em
que estão Data e La Forge, sendo capaz de dominá-los, porque Data
sentiu medo em razão de estar usando experimentalmente o seu
“chip” emocional. La
Forge é preso e torturado pelo cientista para que revele o código
dos escudos da Enterprise,
a fim de ser destruída pelas irmãs Duras, Lursa e B’Tor,
inimigas da família de Worf e da facção Klingon apoiada por
Picard tempos atrás. Elas eram responsáveis pela maquinação de
uma estratégia de uso do “trilitium” para fazer uma arma que
lhes ajudasse a enfrentar o Império Klingon e a Federação, com a
ajuda dos Romulanos.
Através do visor de La Forge, elas conseguiram descobrir o código
dos escudos e disparar contra a Enterprise,
derrubando-a. Picard até que entende a dor do dr. Soran, porque ele
mesmo teve perdas significativas ao longo do tempo (“a chama em
que nós somos consumidos”). Ele está na superfície do planeta
tentando detê-lo, seu intento falha e ele é tragado para dentro do
Nexus, mas é lá que reencontra Guinan e conhece pessoalmente Kirk,
ocupado com afazeres domésticos como seu amor de juventude,
Antonia, seu cachorro Butler e seus cavalos.
Picard convence
Kirk a “fazer a diferença”, saindo do Nexus para salvar a galáxia
mais uma vez. O herói da Série Clássica resolve ajudar o
herói da Nova Geração, mas acaba morrendo no final. A cena
de Picard enterrando o corpo de Kirk na superfície do planeta é
paradigmática: a partir de agora, é a turma da Nova Geração
a responsável exclusiva por levar a saga da Enterprise
adiante. Como o cinema tem uma abrangência maior do que a TV
em todo o mundo, era a hora de deixar claro a todo o público
(“trekker” ou não) que a passagem do bastão fora feita
oficialmente, apesar de que, em Jornada, sempre há
possibilidades...
De
um modo geral parece que esta passagem não seria muito necessária.
Melhor seria ter deixado a Série Clássica lá com a
sua despedida do filme anterior e filmar uma aventura só da Nova
Geração. Outra decisão equivocada para alguns, foi o encontro
dos dois capitães trotando cavalos em vez de estarem na ponte de
comando. Dizem que esta foi uma puxada de saco de Shatner pela produção,
e que nosso galã interpretou mais a si mesmo do que Kirk neste
filme. Outros ficaram insatisfeitos com a possibilidade de uma velha
ave de rapina Klingon detonar com um disparo fatal a nau capitânia
da Federação, e, ainda por cima, perder o controle dos
estabilizadores caindo chapada no chão. Talvez seja porque isso
contribui para que nós, os colecionadores de miniaturas, compremos
sempre novos modelos da nossa querida
Enterprise, aumentando o faturamento do estúdio. Houve quem
reclamasse também do ritmo rápido das cenas, confundindo a audiência
não aficcionada. Afinal de contas, só o amor e a dedicação dos fãs
são insuficiente para sustentar o bom desempenho nas bilheterias
durante muito tempo.
Como não poderia
deixar de ser, o espaço dos atores da Nova Geração ficou
muito reduzido, mesmo com um pouco mais de participação de Data e
La Forge. A dra. Crusher caiu na água, fez pouco mais do que ficar
aborrecida e alguns exames. Deanna Troi ofereceu o ombro para Picard
chorar e ajudou a arrasar com a nave na sua queda. Riker não fez
mais do que tentar resistir às Klingons e lamentar a destruição
da cadeira de comando.
Guinan até que teve um pouco mais de presença por conta da trama
desenvolvida (mas a atriz Whoopi Goldberg sequer foi posta nos créditos).
Worf andou pela prancha e resmungou o tempo todo de tudo o que
aconteceu e só.
De
todo modo, as coisas saíram a contento de muitos, com cem milhões
de bilheteria. Isto fez Rick Berman comandar o projeto de realização
de um novo longa-metragem protagonizado por Picard e sua turma.
Cláudio
Silveira escreve regularmente sobre os filmes com
exclusividade para o Trek Brasilis
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