Quase
na Fronteira Final
A
quinta edição de Jornada nas Estrelas no cinema quase pôs
fim à bem-sucedida carreira de aventuras da tripulação da
Enterprise. Dessa vez, Willian Shatner fez dobradinha, sentando-se
na cadeira do capitão e do diretor do filme, em clara manifestação
de ciúmes pelo fato de Leonard Nimoy ter dirigido com sucesso os
dois filmes anteriores.
A
idéia de Shatner era aproveitar algum elementos já apresentados na
série original e na série animada e juntar com a missão de deter
a ação de um ser alienígena que diz ser o Todo-Poderoso ajudado
por um Vulcano sonhador que engana os outros com um tipo de
sentimentalismo barato.
Shatner se inspirou nos pregadores religiosos que anunciavam sucesso
e dinheiro rápido vendendo a felicidade a muitos incautos
bem-intencionados através da televisão. Tudo isso poderia
funcionar bem se estivesse relacionado à profunda amizade entre
Kirk, Spock e McCoy. Este filme não poderia ser a continuação
criada desde o filme II; o desdobramento teria de ser interrompido,
dando lugar a uma nova trama que fala da busca do homem pelo Paraíso
e por seu criador.
Esta busca pode ser equivocada, pois a felicidade e a presença
divina estão de fato no coração humano, pois, cada um de nós,
indivíduo e sociedade, cria uma imagem própria de Deus de acordo
com nossas aspirações e padrões culturais (a origem desta idéia
no mundo moderno está na afirmação do pensador alemão Ludwig
Feuerbach de que, ao contrário do que se diz, "o homem cria
Deus à sua imagem e semelhança").
Shatner
fincou o pé para que Harve Bennett permanecesse na produção
executiva. Houve uma certa relutância porque Bennett se
desentendera seriamente com Leonard Nimoy, mas acabou topando a
parada. Ele chegou até mesmo a fazer uma ponta no filme,
interpretando o almirante que dá a ordem da missão da Enterprise:
livrar o Planeta da Paz Galática (Nimbus III) do domínio de um líder
rebelde chamado Sybok, que tomou o controle da população e de
representantes do Império Klingon, do Império Romulano e da Federação.
Até que o roteiro ficasse pronto, muito se mexeu e acrescentou.
Shatner confessou que sua autoria é somente até a primeira metade
do filme. Gene Roddemberry subiu nos tamancos quando soube da
sinopse, porque era contra ver sua obra tratar de um tema tão sensível
para a audiência. Poderia criar muita confusão, pois há vários
credos religiosos e muitos tipos de deuses; daí, as pessoas
ficariam ofendidas por terem ou não terem sido citadas em sua
doutrina espiritual.
E
ainda, apresentar a tripulação da Enterprise como um bando de
idiotas seria o fim de tudo o que ele criou. Deep Space Nine
recebeu crítica semelhante por muita gente quando foi criada por
Rick Berman, às custas da herança de Jornada nas Estrelas.
A religião pode ser um assunto mais explosivo do que um torpedo fotônico...
Frank Mancuso, chefão da Paramount, também achava perigoso e
concordava com os argumentos de Roddenberry. Este, por sua vez,
mandou alguns longos memorandos para Shatner e Bennett, demonstrando
sua preocupação com o sucesso do filme e com a credibilidade de
Jornada. Depois de várias idas e vindas, o roteiro foi mexido mais
uma vez para alterar um ponto que Roddenberry, Nimoy e De Kelley
achavam fundamental: Kirk, Spock e McCoy não poderiam brigar a
ponto de haver traição entre eles. A profunda amizade entre o trio
principal não poderia ser tocada. Esta idéia foi radicalmente
defendida até o fim, à revelia do que queria Shatner. Ele acabou
acusando Roddenberry de se opor à sua idéia por ter ficado com ciúmes,
já que algo do que ele havia proposto anteriormente para um roteiro
do primeiro filme e foi recusado, agora teve aprovação no roteiro
do quinto filme.
O início das filmagens foi também o início de muitos problemas
para um orçamento de 30 milhões de dólares e uma história de
grande sucesso por detrás. A responsabilidade era grande, tendo que
fazer um produto de qualidade dentro do cronograma estipulado. Não
houve atrasos significativos, mas o resultado ficou aquém do
desejado.
Muita
gente falou mal dos efeitos especiais de baixa qualidade feitos às
pressas por uma equipe de segunda linha, já que a ILM estava
ocupada com a produção de "Indiana Jones". O orçamento
já tinha estourado e não dava mais para acertar as coisas.
Outro cavalo de batalha foi a exigência da Paramount para que o
filme só tivesse uma hora e quarenta e cinco minutos, a fim de ser
programado pelos cinemas duas vezes na mesma noite. Bennett teve que
cortar várias cenas que Shatner tinha procurado caprichar, depois
de ter enfrentado greve de motoristas, calor do deserto, insetos,
brigas com a equipe técnica, imprevistos mil e sua inexperiência
atrás das câmeras.
No fim de tudo, o resultado foi considerado regular pelo público e
pela crítica. Para os trekkers, foi o pior possível, embora tenha
faturado US$ 50 milhões nas bilheterias. Shatner e Bennett se
defenderam dizendo que a situação era muito singular, porque os fãs
já tinham uma nova série inédita de Jornada na televisão (A Nova
Geração) e os cinemas exibiam verdadeiros campeões de bilheteria
como "Batman" e "Indiana Jones".
É certo que há sérios problemas com "Jornada nas Estrelas
V: A Última Fronteira", mas este foi um filme de certa
forma especial porque fala da amizade e do companheirismo passando
por bons e maus momentos, da aventura de viver buscando a felicidade
sem poder se livrar do sofrimento.
Assim, nos faz pensar em algumas pessoas importantes para nós,
alguns tão ou mais do que muitos familiares. O tempo passa, mas as
boas e verdadeiras amizades ficam. As cenas no acampamento do parque
no início e no fechamento do filme, o enfrentamento de
"Deus" por ter atingido seus amigos e resistido a
responder a uma simples e desafiante pergunta ("para que Deus
precisa de uma nave?") são exemplos do sentimento de Kirk,
junto com a certeza de que só poderia morrer se estivesse sem a
companhia de seus amigos.
Spock
passou por maus pedaços ao saber que o rebelde vilão era na
verdade seu meio-irmão, Sybok, um vulcano dissidente, defensor do
abandono da lógica e do apego às paixões para chegar à
felicidade. Pior ainda foi mostrar Spock como um rejeitado por seu
pai quando criança por ser demasiado humano. Estas coisas não
funcionaram nada bem para um personagem amadurecido e bem resolvido
como meio humano, meio vulcano.
McCoy é mostrado como um grande frustrado por não poder curar seu
pai, mesmo sendo um bom médico. É ainda mostrado como um grande
babaca por ter sido engabelado por Sybok e acreditar em
"Deus" até ver seu amigo experimentar a "Sua"
ira.
Uhura, Chekov, Sulu e Scott também caíram no "conto do vigário"
promotor do paraíso ilusório, assim como o embaixador da Federação,
os Klingons e a diplomata Romulana. Pelo menos, vemos Uhura cantando
e dançando, balançando as pernas para enganar os guardas da Cidade
Paraíso.
A Romulana e a oficial Klingon são também responsáveis por manter
em alta a beleza da sensualidade feminina. Mas ver Scott batendo a
testa na coluna de uma nave que ele conhece mais do que a palma da
sua mão é ridículo, do mesmo modo que Chekov fazendo cara de otário
quando Kirk ordena um "plano B", depois de ter tentado
enganar Sybok se passando por capitão da nave.
Sybok, francamente, é um arremedo de palhaço de circo misturado
com vendedor de indulgências e a cópia mal acabada de vigarista
(Harry Mudd se sairia muito melhor). Ainda bem que Sean Connery
(Sybok é uma brincadeira dos roteiristas com o seu nome) não
aceitou o papel, por causa de sua grande participação em
"Indiana Jones". Ele iria entrar numa canoa furada em direção
ao abismo profundo.
Só
mesmo Jonathan Frakes e seu bom humor para homenagear Jornada V
na cena final de "Jornada nas Estrelas - Primeiro
Contato", pois o filme foi colocado no "index" e
é considerado apócrifo pelo cânone da doutrina
"trekker", embora faça parte da história
"oficial", determinada pela Paramount.
Cláudio
Silveira escreve quinzenalmente sobre os filmes com
exclusividade para a Trek Brasilis
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