Da
Terra Desconhecida à Ira de Khan
"Jornada
nas Estrelas II: A Ira de Khan" é mais do que a simples
continuação da aventura da tripulação da Enterprise no cinema.
Há muitas diferenças, tão visíveis quanto o uniforme vermelho
e preto usado a partir de então.
Se o primeiro filme teve de enfrentar o desafio quase inédito da
adaptação de um seriado de TV pra o cinema (com exceção de uma
versão antiga de "Batman"), o segundo filme marcou de
vez a certeza da viabilidade deste tipo de projeto, dando
continuidade ou aprofundando temas e personagens apresentados
anteriormente.
O bom e velho Ricardo Moltanban, no papel de Khan Noonian Singh,
procura se vingar de Kirk por tê-lo deixado no planeta Ceti Alfa
5 e se apropriar do Projeto Gênese, desenvolvido pela Federação
para experimentar a criação de vida em lugares inóspitos.
O
primeiro título foi "A vingança de Khan", mas isto
soava mal aos ouvidos mais sensíveis, daí a mudança para o título
conhecido. A história no episódio "Sementes do Espaço"
de C. Wilber, garantiu a janela que foi tocada adiante por Harve
Bennett e Nicholas Meyer.
Alguns apostam que eles não assistiam sempre a série original,
mas apenas um ou outro episódio isolado. Bennett teve que fazer o
dever de casa e assistir aos setenta e nove episódios da Série
Clássica para julgar se e como deveria aproveitar a dinâmica
original.
Até porque, desse modo, ele se sentiria mais seguro para
desenvolver o projeto, mesmo tendo sido o responsável por dois
sucessos na TV: "O Homem de Seis Milhões de Dólares" e
"A Mulher Biônica". Para o estúdio, Bennett tinha uma
outra virtude muito importante.
Ele sabia fazer o melhor possível sem gastar muito. O diretor
Nick Meyer só assistiu à Série Clássica depois de ter sido
cogitado para fazer parte da equipe.
Gene Roddenberry continuou firme e forte brigando pela sua criação.
Sua pretensão era uma história sobre volta no tempo para tentar
impedir o assassinato do presidente Kennedy. Foi recusada, mas ele
insistiu nisso ao longo dos futuros filmes, mandando seus
memorandos para Bennett.
Estes memorandos faziam restrições e sugestões. A polêmica
maior ficava por conta da militarização de Jornada. Roddenberry
insistia que a Frota não era militar e que não queria ver cenas
de violência sendo multiplicadas na sua obra porque ela era
pacifista.
Bennett
contestava, dizendo que a estrutura da Frota Estelar era a da
Marinha dos EUA e a de quaisquer Marinhas do mundo. A Enterprise
era, basicamente, um navio no espaço. Sobre guerras, isso estava
implícito e a violência explícita no seriado, mesmo que fossem
o útimo recurso a ser usado nos episódios da TV.
Dentre as propostas feitas, pensou-se desde um romance entre David
e Saavik até a aparição de seres monstruosos e fantasmagóricos.
Quando Meyer finalmente apresentou o roteiro, depois de várias
tentativas e colaborações, houve uma avalanche de cartas dos fâs
para o estúdio, pois souberam que Spock morreriam logo no início
do filme.
Esta notícia, guardada a sete chaves, vazou provavelmente pela
iniciativa de Roddenberry. A equipe de produção teve que mudar
de idéia e a "morte" foi contornada pela onda criadora
do Projeto Gênese no próximo filme. Nimoy já não queria fazer
Spock, mas deixou uma porta aberta, caso mudasse de idéia.
Barry Diller, o chefão da Paramount, pressionou para Spock não
morrer, fazendo coro com Roddenberry, apesar das resistências de
Meyer. Pelo menos, houve algo em comum a todos os envolvidos:
fazer mais uma vez alguma coisa parecida com as aventuras de
"Horatio Hornblower" no espaço.
O personagem de C. S. Forester é destemido, heróico e com um
grande senso de justiça e moral; do mesmo modo Kirk foi concebido
por Roddenberry. Como disse Nick Meyer, era juntar isso com uma
história sobre amizade, envelhecimento, morte e luta contra um
vilão forte, inteligente e com muita densidade dramática.
Tudo
estava pronto para "Jornada nas Estrelas II: A Terra
Desconhecida", em homenagem à influência de Hamlet (de
Sheakspeare) no roteiro. O nome só foi mudado por pressão dos
executivos da Paramount, e só não virou "A Vingança de
Khan" porque este seria o termo usado no terceiro filme da
saga "Guerra nas Estrelas", mudado no fim para "O
Retorno de Jedi", pelo próprio George Lucas. O título
inicial, como se sabe, ficou sendo o do filme VI.
Do que ficou estabelecido, vimos, no início, a apresentação de
Saavik como uma nova promessa vulcana na Frota Estelar, aprendendo
a comandar através do simulador do teste do Kobayashi Maru,
embora as estrelas de primeira grandeza continuem sendo Kirk,
Spock e McCoy, recuperando o tipo de relacionamento bem-sucedido
que marcou o seriado.
Kirk está impossível! Reencontra a ex-namorada, retoma o comando
da nave, conhece o seu filho brigando com ele, derrota o seu
arquiinimigo Khan e perde um dos seus melhores amigos. Só faltou
mesmo detonar uma nave klingon, mas, no final de tudo, ainda
confessa que se sente jovem. E olha que no início do filme, ele já
havia dito a McCoy que a exploração da galáxia é coisa para
jovens!
Spock "morreu" duas vezes, resolveu treinar uma nova
tripulação de jovens, dialogou com Kirk se dizendo sem ego para
ser magoado por perder o comando, citando um dos mais famosos
ditados vulcanos, e em nome disso, age para salvar a sua nave e
seus amigos. É ele quem mais expressa o sentido da vida e da
morte com a citação de Charles Dickens: "Foi o momento
melhor e o momento pior".
McCoy continuou camarada como sempre, aconselhando o amigo Kirk e
guardando o "katra" de seu amigo Spock. Mantendo a sua
fama de mau-humorado, reclamou da mania do homem de querer tomar o
papel de Deus por causa do Projeto Gênese. E ainda sobrou tempo
para exercer um pouco melhor o seu papel de médico ao curar os
feridos atacados por Khan.
Dos coadjuvantes, Chekov é o de maior destaque, pois tornou-se o
imediato da Reliant do capitão Farrell, e teve uma boa participação
na trama ao ser usado por Khan para tentar matar Kirk. O que não
dá para engolir é Khan reconhecer Chekov em Ceti-Alfa 6, já que
no episódio-base ele ainda nem fazia parte da Enterprise.
Giancarlo,
um amigo nosso, arriscou dizer que Chekov estava estagiando em um
dos laboratórios da nave. Será? A enfermeira Chapel não
conseguiu aprovação dos produtores para continuar na saga e
acabou virando a voz oficial dos computadores da Frota Estelar nos
filmes e nas outras séries; afinal de contas, se tratava de Majel
Barrett-Roddenberry, a mulher do "Criador".
Sulu e Scotty não fizeram mais do que o trivial e o "sim,
senhor" de sempre. Pelo menos Uhura voltou a exibir as suas
belas pernas. O público, a crítica e os fãs gostaram muito. Daí
para frente, o sucesso foi assegurado, dando boas perspectivas de
que esta seria uma jornada sem fim...
Cláudio
Silveira escreve quinzenalmente sobre os filmes com
exclusividade para a Trek Brasilis
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