Paulo Maffia em dose dupla: editor e fã

Por Salvador Nogueira  

Paulo Maffia é o fã que conheceu o outro lado da moeda. Começando a se enveredar pelo jornalismo editando um fanzine de Jornada nas Estrelas, ele chegou a ser editor-chefe da revista Sci-Fi News, a maior do Brasil quando o assunto é ficção científica. Saiba o que ele acha das personalidades de Jornada e do futuro do franchise no Brasil, nessa entrevista exclusiva concedida ao Trek Brasilis.


 









 

 

 

 

 

 

 

 

 
Trek Brasilis - Antes de se envolver profissionalmente com a indústria do entretenimento, você já editava um fanzine conhecido dos fãs de Jornada nas Estrelas, chamado Trekker Report. Como começou isso?

Paulo Maffia - Eu fui amigo pessoal do primeiro grupo de Jornada nas Estrelas no Brasil, o Star Trek Fan Club. Tempos depois conheci a Frota, fui na primeira convenção. Oferecemos o projeto para eles, mas eles não aprovaram. Aí a gente resolveu fazer sozinho. Era eu, meu irmão e mais umas duas pessoas. Começamos a distribuir em bancas de maneira de modo meio mambembe e deu certo por um certo tempo.


TB - Em termos de satisfação pessoal, seu trabalho na Sci-Fi News foi uma seqüência do Trekker Report?

Maffia - Eu acho que não. Vamos dizer que a Sci-Fi News é um negócio muito mais abrangente. É a mesma coisa de você estar fazendo um curta-metragem e depois entrar para fazer um longa-metragem "blockbuster". São trabalhos completamente diferentes, e eu não ligo uma coisa à outra, principalmente porque o Trekker Report era especificamente Jornada e era um fanzine.


TB - Na época do Trekker Report não havia Internet. Como vocês conseguiam informações sobre Jornada para o fanzine?

Maffia - Ah, era muito engraçado. Eu me lembro que um amigo meu foi pros Estados Unidos e tinha esse programa da E!, que passa os trailers, e por uma sorte absurda da vida ele foi quando estava passando o primeiro teaser do "Generations". Ele conseguiu gravar numa fita, mal e porcamente, e trouxe para cá. Bom, eu sei que quando eu acordei num sábado tinha, sem brincadeira, umas trinta pessoas na minha casa, gente que eu nunca vi na vida pra ver um trailer de dois segundos. Eu lembro que eu descobri que ia ter um quarto filme de Jornada nas Estrelas pela Starlog americana. Mas assim, vinha uma Starlog americana para São Paulo inteira e era disputada no tapa, era muito mais difícil do que hoje em dia. Agora, antes do pessoal lançar, você já vê cena. Eu acho que também perdeu um pouco, não sei se perdeu um pouco da graça ou eu que estou ficando velho.


TB - Você acha que esse espalhamento absurdo de informações está prejudicando Jornada nas Estrelas?

Maffia - O Rick Berman deu uma entrevista ano passado que eu achei perfeita, dizendo que ele se dói muito porque num dia um garoto na Iugoslávia escreve um absurdo sobre Jornada nas Estrelas, põe na internet, e três dias depois está em todos os jornais dos Estados Unidos como verdade absoluta.


TB - Agora, por mais que notícias não-oficiais de produção possam prejudicar, é uma coisa que está sendo inevitável. 

Maffia - Eu acho que o problema é a excessiva exposição do produto, não seria nem a internet. É a extrema exposição a que o produto é sujeito antes de ser lançado. Eu lembro que antigamente, na década de 80, o merchandising dos produtos era só liberado após a estréia do filme. Hoje em dia é o contrário, bem antes você tem brinquedos e tudo mais. Acho que o público se cansa um pouco.


TB - As convenções que estão sendo organizadas atualmente sobre Jornada são dominadas pela Frota. Você acha que o modelo deles é adequado, eles estão no caminho certo?

Maffia - Em matéria de convenção de Jornada nas Estrelas, se você for pegar a Frota, nós temos o melhor padrão do mundo. Eu acho que a Frota conseguiu um "know-how", uma logística que nunca vi na vida. Vamos supor, você é uma pessoa que nunca foi numa convenção da Frota. Tem um cara para te atender, se necessário for colocar você na sua cadeira, o que você paga, você recebe, eles têm episódios legendados, que são muito bem legendados em português, a organização é perfeita, acaba uma atração, entra outra, coisa que não tem nem nos Estados Unidos. Eu acho que nesse ponto, se você for falar no trabalho da Frota, é inegável a qualidade. Acho que a Paramount devia pegar eles e fazer padrão no mundo.


TB - Mas e as atrações?

Maffia - Acho o seguinte: a fórmula da convenção -- convenção por episódios -- está acabando. Por quê? Porque os episódio vão começar a passar. Se o canal USA chegar para mim e falar "eu nunca mais vou querer passar nada de Jornada, eu só vou passar o que eu comprei. Suma daqui", o que sobra para as convenções? Dois anos da Nova Geração, cinco da Deep Space Nine e cinco da Voyager, sendo que muita coisa já foi exibida. Então, vamos ter que reinventar a fórmula da Coca-Cola. Como é que nós vamos fazer daqui para frente, se der certo o negócio do USA, eu não sei. Acho que deveríamos diminuir o número de convenções por ano e fazer grandes convenções com os atores, acho que essa é a saída. Pras pequenas, eu acho que palestras, brincadeiras, acho que a gente tem que reinventar. Hoje em dia, no Brasil, a convenção, com raríssimas exceções, é um encontro para ver episódios que você não vê na TV, e isso vai ter que mudar.


TB - Mas não é difícil trazer atores?

Maffia - Você tem que dividir, existem dois tipos de atores. Tem o cara que vai pela convenção, pelo evento, que eu acho que é gente como o Patrick Stewart e o Jonathan Frakes, e os caras que vivem disso, que é a turma da Clássica, como o George Takei. Mas estou certo de que se você chegar pra muito ator e dizer "Olha, eu tenho uma convenção no Brasil com 4 mil pessoas no Anhembi, dou passagem, estadia e uma ajudazinha de custo, o cara vem numa boa. Acho que o Patrick Stewart, por exemplo, é muito disso, mas assim, uma vez na vida, outra na morte.


TB - E por que ninguém procura esses caras?

Maffia - Procura, é que é difícil. Primeiro, pra você chegar num cara desses. Segundo, esse pessoal tem agendas, eles sabem o que eles vão fazer daqui a quatro, cinco anos, então é muito complicado você acertar a agenda desses caras. Também é preciso ver o tipo de contrato que ele tem com o estúdio, se o estúdio permite que ele venha.


TB - Mudando de assunto e pulando para Jornada nas Estrelas nos Estados Unidos: Rick Berman deu entrevistas afirmando que Deep Space Nine e Voyager acabaram saindo muito "dark" para Jornada, e que eles pretendem trazer o clima da Clássica e da Nova Geração na próxima série. Como é que você vê essas declarações dele, você acha que realmente Deep Space Nine e Voyager têm que ser relegados ao esquecimento?

Maffia - Nunca, nunca, principalmente Deep Space Nine. Eu sou fã de Deep Space Nine, que para mim foi uma das visões mais corajosas de Jornada nas Estrelas, porque eles mostraram que por trás daquela fachada linda tinha as sacanagens da Federação, tinha o que eles tinham que fazer. Eu acho que tirando o final, que eu achei fraquíssimo, Deep Space Nine foi onde nenhuma série de Jornada nas Estrelas foi. E ela vai ser descoberta daqui alguns anos, vai virar cult daqui a alguns anos.


TB - Muitos dizem que Jornada está em crise nos EUA. Você acha que a Paramount não está sabendo administrar o franchise?

Maffia - A Paramount é o estúdio que eu mais gosto. A única página negra da história da Paramount é Jornada nas Estrelas, porque eles não sabem o que é e não sabem como é que funciona. Eles não sabem o que têm na mão, eles nunca entenderam e nunca vão entender Jornada nas Estrelas. E olha que é o melhor estúdio, o que tem os melhores filmes. Raramente você vê uma bola fora da Paramount. Mas com Jornada, eles não sabem lidar. E precisavam de alguém que soubesse. Eu acho que a geração que fez A Nova Geração, Rick Berman, Michael Piller, Jeri Taylor, esse pessoal eu admiro pra caramba. Eles salvaram Jornada nas Estrelas. O problema foi o pessoal que veio depois deles, bem fraquinho, tem raiva da Clássica, tem raiva da Nova Geração...


TB - Dê nome aos bois.

Maffia - É o Braga. Eu acho que esse cara deve ter costas quentes no estúdio, porque ninguém gosta dele.


TB - E o Rick Berman?

Maffia - Hoje sabe-se com absoluta certeza que Gene Roddenberry trouxe o Rick Berman pra trabalhar com ele, preparou ele pra ser o substituto dele porque ele sabia que um dia ia brigar com o estúdio, ou ia ficar doente e morrer. Para quem não sabe, o Rick Berman é um cara premiado com Oscar, com vídeos educativos, ele tinha um trabalho de documentarista enorme.


TB - E o que você acha do Gene Roddenberry?

Maffia - Acho que tem muita lenda em cima dele. Eu acho que vou ser morto pelo que vou falar, mas toda vez que ele meteu a mão em Jornada, Jornada quase quebrou. A Série Clássica quem abandonou no segundo ano foi ele, o primeiro filme saiu horrível por causa dele e ele tinha o péssimo hábito também de sacanear roteirista. O cara entregava o roteiro, ele levava o roteiro pra casa, mexia e botava o nome dele. O cara era traíra, tinha defeitos com qualquer outra pessoa.


TB - Agora, o projeto que mais se fala atualmente é do décimo filme de Jornada. Os Romulanos são os mais cotados como vilões. Você acha que deveriam promover a volta de Spock?

Maffia - Eu acho que a volta do Spock seria um grande tema. E tem mais: o Leonard Nimoy infelizmente é humano, vai morrer daqui a alguns anos, e a história do Spock vai ficar com aquele gancho. Não acho que a gente deva matar o Spock, mas vamos lá resgatá-lo. A idéia de fazer uma reunificação entre Romulanos e Vulcanos é fantástica, eu não sei o que o pessoal tem contra "Unification". Eu acho um grande episódio, eu choro toda vez que eu vejo.


TB - Para concluir, o que você prevê para o futuro de Jornada no Brasil?

Maffia - Eu acho que agora vai. Acho que o canal USA vai consolidar, e por causa de uma consolidação do canal USA, os clubes e os fãs vão ter que ver Jornada nas Estrelas de uma maneira um pouco mais séria. O fã tem que se organizar, as empresas, e eu ponho a Sci-Fi News no meio, têm que se profissionalizar mais. Eu sempre dizia que Jornada é um trem, e que os episódios são o carvão. não adianta você colocar nesse trem quarenta vagões, se você não tinha o carvão. Agora, nosso trem, que era pequenininho, está podendo ficar um pouco maior.



Entrevista realizada em 7 de novembro de 2000.