Trek
Brasilis - A série original de Jornada nas Estrelas está
agora sendo lançada em DVD no Brasil. Quando você
pensa na série, você a vê como um produto
dos anos 1960 ou como um conjunto atemporal de histórias
relevantes que ainda têm um ar contemporâneo?
D.C.
Fontana - Olhando para trás ao longo dos anos,
eu sempre senti que Jornada nas Estrelas (a
série original) lidava com temas e questões universais
que eram e continuam a ser relevantes. A série levantou
questões de preconceito racial, guerra como "a resposta"
e também sobre como a guerra é conduzida e com
que propósito, questões de gênero, questões
que falavam sobre como alguém encara algo considerado
"alienígena", e outras perguntas muito profundas.
Talvez a mais importante fosse, o que é ser humano? E
é o "humano" a melhor coisa para ser num mundo
que necessariamente precisar abraçar alienígenas?
(Essa é uma questão que pode ser interpretada
no contexto de religiões, crenças comportamentais
e morais tidas como "alienígenas".) Para mim,
Jornada nas Estrelas sempre olhou para a humanidade
de seus personagens e PROCUROU a humanidade nas culturas e sociedades
que os personagens encontravam. O máximo denominador
comum que os diferentes pontos de vista e culturas podiam encontrar
é o do coração humano.
TB
- Os escritores da série original estavam preocupados
com outros competidores do gênero, como "Perdidos
no Espaço", ou vocês estavam concentrados
demais em suas próprias histórias para olhar em
volta para o que estava acontecendo? Qual era a percepção
geral que vocês tinham das outras séries sci-fi?
Fontana
- Nós honestamente não nos preocupamos
com "Perdidos no Espaço" ou "Viagem ao
Fundo do Mar" porque eles simplesmente não faziam
o mesmo tipo de histórias em que estávamos interessados.
Nós sentíamos que tínhamos uma audiência
diferente, que estávamos atraindo um nível e um
tipo diferente de audiência.
TB
- Se bem me lembro, você foi trazida por Gene Roddenberry
depois de reescrever o episódio "Charlie X".
Invertendo posições, você alguma vez se
irritou com alterações em seus próprios
roteiros ou histórias? Como Gene Roddenberry lidava com
essas questões, especialmente com autores famosos, como
Harlan Ellison?
Fontana
- Meu primeiro roteiro em Jornada nas Estrelas
(mas não em minha carreira -- eu tive nove créditos
anteriores a Jornada) foi "Charlie
X". Gene Roddenberry perguntou se eu estava
interessada em escrever alguma história, e eu escolhi
"Charlie X", uma história
que aparecia em um parágrafo na bíblia da série.
Gene aprovou e eu desenvolvi a história e então
escrevi o roteiro. Não foi uma rescrita, pois não
havia nenhum outro roteiro, exceto o meu. Eu nunca fiquei irritada
por alterações, principalmente porque eu estava
na equipe e ninguém mais alterava meu texto exceto por
necessidades de produção, por exemplo, um cenário
que não poderia ser construído por causa do orçamento
ou se precisássemos cortar o número de figurantes
etc. Nos primeiros 13 episódios, Gene freqüentemente
rescrevia roteiros para conformá-los à série
que ele imaginou. Mais tarde, Gene Coon e os editores de histórias
(inclusive eu) reescrevemos coisas quando necessário
-- de novo, para editar por questões de tempo, para melhorar
ou conformar os personagens às necessidades das séries,
para produção. Isso é rotina em toda série
de televisão, e o processo foi usado para fazer a melhor
série de televisão possível.
TB
- Em que ponto da série você teve a sensação
de que estava fazendo parte de algo realmente especial?
Fontana
- Nós sentíamos que Jornada nas
Estrelas era especial desde o comecinho. É difícil
explicar quanto entusiasmo todo mundo tinha pela série
-- os auxiliares, os atores, os escritores e diretores de fora,
a equipe. Todo mundo estava engajado nas histórias e
na produção desta série. Este foi o único
programa em que trabalhei em que até mesmo os "grips"
(que movem os pedaços dos cenários) e os pintores
estavam interessados no que acontecia em cada minuto da produção.
Eu me lembro de uma reunião com um executivo da rede
em que ele exclamou, exasperado, "Vocês parecem acreditar
que a nave está mesmo lá em cima". Ao que
o produtor associado Bob Justman (falando por todos nós)
respondeu, "Está sim!".
TB
- Pergunta boba, mas inevitável: quais foram os seus
melhores e piores momentos durante a produção
da série original?
Fontana
- Os melhores momentos sempre foram quando os roteiros
funcionaram bem e o que foi filmado era exatamente o que se
esperava que fosse. O pior -- o dia em que a série foi
cancelada.
TB
- Muitas pessoas atribuem os aspectos de humor de Jornada nas
Estrelas a Gene Coon. Como era sua relação com
ele? É verdade que diferenças entre os dois Genes
fizeram Coon sair da série?
Fontana
- Sempre houve momentos de humor em Jornada
nas Estrelas, mes tenho de admitir que Gene Coon contribuiu
para a maioria deles. Ele era um cavalheiro maravilhoso e um
ótimo escritor. Embora (até onde eu saiba) ele
nunca tivesse feito ficção científica antes,
ele pegou rapidamente e pôs sua própria "marca"
em cada roteiro que escreveu. Gene Coon era um excelente colaborador
e estava sempre aberto a sugestões e contribuições
de outros. Eu penso nele como um "Buda sorridente",
porque ele era um homem rouco com uma face redonda -- e um grande
sorriso para acompanhar. Gene Coon deixou a série por
causa de alguns problemas físicos que estava tendo na
época. Ele escreveu alguns episódios da terceira
temporada, mas, até onde sei, ele não se sentiu
capaz de manter os requisitos físicos diários
de produzir uma série de televisão.
TB
- Nas suas mãos, "This Side of Paradise" perdeu
seu foco em Sulu e se concentrou em Spock. Neste caso, golpe
de gênio, sem dúvida. No entanto, você não
acha que às vezes os escritores evitaram demais desenvolvera
os personagens de apoio, como Sulu, Uhura, Scott e Chekov? Como
você se sente ao escrever para esses personagens?
Fontana
- Jornada nas Estrelas tinha três estrelas principais
(Kirk, Spock, McCoy), e esses personagens carregavam o grosso
das nossas histórias. No entanto, com o tempo que tínhamos
para contar as histórias (54 minutos de tempo no ar,
na época), podíamos também desenvolver
sub-enredos que envolviam o segundo conjunto de atores (Sulu,
Uhura, Scott, Chekov, enfermeira Chapel). Tentamos fazer isso
o máximo possível, não apenas para manter
esses personagens vivos mas também para aumentar a riqueza
das histórias. Ocasionalmente, por causa da história
sendo contada, nós não podíamos envolver
esses personagens tanto quanto gostaríamos, mas todos
os escritores tentaram envolver esse personagens coadjuvantes
tanto quanto possível. Pessoalmente, eu sempre gostei
de escrever para esses personagens, especialmente as mulheres.
TB
- A série original de Jornada nas Estrelas ainda é
vista como uma grande série, mas a franquia como um todo
não está nesta forma. Sendo uma das pessoas que
trabalhou no primeiro spinoff, A Nova Geração,
o que você acha que se perdeu durante os últimos
18 anos, para que vejamos hoje o fim de Jornada, com o cancelamento
de Enterprise?
Fontana
- Humanidade. Eu não vi todos os episódios
de todos os spinoffs (incluindo A Nova Geração),
mas os que vi faltavam o calor e a profundidade humana que tentamos
alcançar na série original.
TB
- É isso mesmo? Jornada nas Estrelas está mesmo
morta?
Fontana
- Bem, eu não sei. Há provavelmente possibilidades
que ainda restam. No entanto, eu acho que a franquia precisa
de um descanso e de uma repensada. Por outras pessoas.
TB
- Você agora está escrevendo um episódio
para a série de fãs, New Voyages. Por que decidiu
ir a bordo? Alguma pista do que podemos esperar desse episódio?
Fontana
- Eu decidi fazer um episódio para New Voyages
porque eu gostei do conceito de pegar do fim da terceira temporada
da série original e fazer histórias que não
tivemos a chance de fazer na época. Também, porque
era uma chance de escrever para Walter Koenig novamente, já
que ele será o astro convidado deste episódio.
Pistas? Eu realmente não acredito nelas -- eu gostaria
que as pessoas fizessem o download do episódio quando
estiver disponível e curtam a história. OK --
prepare-se para algumas grandes viradas e mantenha seu Kleenex
à mão.
TB
- Após tantos anos, os fãs finalmente ficaram
sabendo do ambiente que rondava o elenco da série original.
Os atores coadjuvantes mostraram algum ressentimento para com
William Shatner, dizendo que ele tentava minimizar a importância
deles. E quanto aos escritores? Há histórias secretas
sobre os escritores? Algum conflito para revelar?
Fontana
- Não. Apesar das histórias de que Bill
"minimizava a importância de outros personagens",
eu devo dizer a todos que nem eu nem nenhum outro escritor foi
procurado pelo Sr. Shatner para mudar roteiros em favor dele,
ou por mudar o roteiro de algum modo. Se as coisas aconteceram
no palco para favorecê-lo em ângulos ou em cobertura,
isso foi entre ele e os diretores. Mas ele nunca, jamais, pediu
mudanças no roteiro ou nas histórias que o favoreceram
em detrimento de outro ator.
TB
- Você acompanhou Jornada nas Estrelas depois que deixou
a equipe de produção, em A Nova Geração?
Fontana
- Muito pouco. Eu prestei atenção ao
desenvolvimento inicial de DS9 já que ia escrever um
roteiro para a série em seus estágios iniciais
(episódio 5 a ir ao ar, "Dax").
Mais tarde, eu olhava de vez em quando para A Nova Geração,
Deep Space Nine e um par de episódios
de Voyager e então perdi o hábito
de ver. Eu nunca vi nenhum episódio de Enterprise.
Para ser honesta, eu fiquei entediada.
TB
- Muitos fãs hoje criticam o reinado de Rick Berman em
Jornada nas Estrelas. Ele foi realmente escolhido por Roddenberry
para cuidar da franquia, ou foi uma escolha do estúdio
imposta a Gene pela Paramount?
Fontana
- Até onde sei, a designação de
Rick Berman para Jornada nas Estrelas: A Nova Geração
foi uma designação do estúdio. Ele era
um executivo do estúdio, não um homem da produção.
Gene Roddenberry não escolheu o Sr. Berman para sucedê-lo
em nenhum modo, forma ou sentido -- de novo, até onde
eu sei.
TB
- Qual é o episódio favorito que você escreveu,
e o que não escreveu?
Fontana
- Na Série Clássica, meu episódio
favorito que escrevi foi "Journey to Babel".
O favorito que não escrevi -- na verdade dois: "The
Trouble With Tribbles" e o roteiro original de
Harlan Ellison de "The
City on the Edge of Forever".
TB
- Como era a sua relação com os personagens da
série original? Você as misturou com seu contato
com os membros do elenco?
Fontana
- Eu realmente gostei de conhecer e trabalhar com todos
os membros do elenco da série original, e a maioria deles
são amigos meus até hoje. Eu também gostei
de trabalhar com atores excelentes em A Nova Geração
como Patrick Stewart, Jonathan Frakes e Michael Dorn. Na série
original, era possível interagir mais com os atores,
mas eu tentei ir ao set muitas vezes enquanto estava trabalhando
na Nova Geração para ver os atores
trabalharem e discutir os personangens com eles nos primeiros
estágios da série.
TB
- Mais alguma coisa que gostaria de dizer?
Fontana
- Tenho esta sensação de que a série
original simplesmente não irá morrer. Até
onde eu sei, ela está na televisão em algum lugar
do mundo desde que saiu do ar em rede em 1969. É incrível
para mim que agora eu esteja conhecendo fãs de terceira
geração que a descobriram no cabo ou em fitas
(agora DVD) porque seus pais (e, Deus me ajude!, avós!)
adoravam a série. E ainda estou impressionada pelo modo
como as pessoas respondem às histórias e aos temas
universais que elas representam. Nós nunca planejamos
criar um clássico. Apenas queríamos contar as
melhores histórias que pudéssemos do melhor jeito
que pudéssemos, de forma que elas fossem até as
pessoas e as tocassem. Acho que conseguimos.
Entrevista
realizada em 19 de maio de 2005.
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