Trek
Brasilis - Há menos de três meses você voltou a dublar
Spock, em uma participação especial para A Nova Geração.
Mas já faz algum tempo que você não o dublava, não?
Márcio Seixas - Acho que estava sem dublá-lo há uns três
ou quatro anos. Quem fazia o Kirk era o Garcia Júnior, que se
afastou de dublagem para se dedicar à assistência para a
Disney. Então foi escolhido o Marco Antônio, que é o dublador
do George Clooney, para poder fazer o Kirk, e ele fez muito bem.
Essa parceria de dublagem de Jornada aconteceu uns três
ou quatro anos atrás -- uns quatro anos sem fazer nada do
Leonard Nimoy.
TB - E como foi esse reencontro?
Seixas - Olha, fiquei muito surpreso de ver o Leonard
Nimoy sem aquela interpretação consagrada que ele fez no Spock
de Jornada Clássica. Não sei se era o ator ou o
personagem, mas era uma pessoa cheia de inflexões, com reações
muito humanas. Achei aquilo maravilhoso, e fiz exatamente o que
ele faz, não acrescentei nada. Tenho um respeito tão grande
pelo personagem e pelo culto que os trekkers têm pelo
personagem que jamais faria... Dificilmente você vai ver vícios
de tradução da minha boca, "muito bem", "não
exatamente", "me dê um anel quando chegar na
cidade", "e tem mais de onde saíram esses", esse
tipo de coisa. Esse vício de linguagem eu não cometo,
reescrevo o texto. No caso do Spock, até o tradutor era trekker,
então eu não mudava uma vírgula do texto.
TB - Isso foi uma coisa que quem
comentou também foi o Ricardo Juarez, que faz dublagem de Jornada
nas Estrelas - Voyager. Ele disse que a equipe que dirige a
dublagem tem uma preocupação muito grande em manter os
dubladores presos ao texto.
Seixas - Exatamente.
TB - Com relação às cenas que
você fez, alguma te marcou, impressionou de alguma forma
especial?
Seixas - Não, nada me marcou na dublagem que fiz, o que
me marcou foi a interpretação dele completamente diferente.
Fiquei muito atento a tudo que ele fazia. Não teve uma cena ou
um diálogo específicos que me chamasse mais atenção. O
trabalho inteiro me chamou atenção, fiquei maravilhado de ver
ele sendo irônico com referência à teimosia do Picard,
perdendo a paciência com Picard. "A sua teimosia, Picard,
me lembra uma pessoa que eu conheço bem", era o pai dele,
e tem um diálogo até comovente entre ele e o Picard sobre o
pai dele. Olha, foi um trabalho muito bonito, gostei muito de
ter feito e não vou perder de maneira nenhuma, porque quero ver
no contexto como é a aparição de Spock, não sei se é um
combate porque não conheço a história toda, nesse jogo de
inteligência e de poder com o Picard.
TB - Como funciona, já que você
aproveitou para dizer que ainda não teve oportunidade de ver o
episódio, esse esquema para dublagem? Você recebe o texto, vê
uma vez a cena que vai fazer e na sequência grava?
Seixas - São três minutos para ver uma cena, ensaiar,
corrigir os erros e gravar. No caso de Jornada, não
existe erro, porque a tradução é feita com muito cuidado. Se
tem um trabalho que eu tiro o chapéu, pela beleza, pelo
profissionalismo com que ele é feito, é a tradução do texto.
Todo o trabalho de Jornada é feito com muito cuidado, um
trabalho muito recomendado.
TB - Até porque existe um carinho
muito especial da equipe de tradução pelo seriado...
Seixas - Ah, claro.
TB - Vamos falar um pouco de
"2001", ano que todo mundo chegou agora, mas que você
chegou lá nos anos 70. Como que foi a dublagem de 2001, que até
hoje é a mesma -- o filme nunca foi redublado.
Seixas - É uma surpresa, porque normalmente você pode
ver um filme dublado ou um Raul Julia com a minha voz, mas você
pode ver o mesmo filme numa TV a cabo dublado por outro dublador.
Isso é muito comum, o cliente resolve dublar uma versão para
TV a cabo e não tem interesse em manter a voz, ou não teve
tempo de me procurar, ou a produtora não teve interesse de me
procurar e chama outro dublador para trabalhar. No caso de
"2001", estou achando muito curioso que até agora
ainda mantenham a minha voz, como nos filmes bíblicos que fiz
do Charlton Herston. Até agora não vi a substituição da voz.
Mas dublar o HAL para mim foi uma agradável surpresa de um
diretor que tinha talvez dez anos menos experiência de dublagem
do que eu.
Quando comecei a dublar o HAL, nas primeiras cenas, ele parou e
disse assim, "para você o trabalho está bom?". Basta
essa pergunta para você olhar para ele com os olhos assim bem
atentos -- uma pergunta dessa não acontece no estúdio, você
chega lá, o diretor "briefa" [de "briefing",
significa "instruir"] e você começa a trabalhar. E
assim foi, quando cheguei para trabalhar, não precisava nem
explicar, eu era apaixonado pelo filme. Ele disse, "olha você
vai dublar o HAL", falei, "meu Deus, isso é um prêmio,
não é um trabalho".
Chego no estúdio, dublo, aí lá, depois de, acho que duas ou
três gravações, ele foi e disse assim, "para você está
bom?" Eu falei "Torelli, essa pergunta, rapaz, ela é
surpreendente, que que é?" "Márcio, só responda,
você ouviu a gravação?", "ouvi", "vamos
ouvir de novo", ouvimos, "para você está bom?"
Falei "olha, vamos fazer o seguinte, eu desisto, que que é,
o que que está havendo? O que que eu fiz?". "Márcio
você está dublando um computador, computador não respira,
olha lá sua respiração". Eu falei "que coisa, como
é que eu não me dei conta disso?"
Então pra mim foi um dos trabalhos mais difíceis que fiz,
porque eu enchia o pulmão para ler o texto e tinha que manter
sempre aquela mesma projeção e ter o cuidado de não
inflexionar muito. Tem dois momentos dessa dublagem que são
para mim, meu Deus, como é bom ver aquilo! É quando HAL joga
xadrez com um dos astronautas e quando acontece a morte dele
tendo o cérebro desligado ali nas células.
TB - Qual foi a troca de sensações
entre ter visto o filme e de repente estar fazendo aquela cena?
Imagino que o toque emocional deve adicionar muito.
Seixas - Saí fascinado pelo trabalho do computador no
cinema, apaixonado pelo HAL, e aí recebo, assim de estalo, um
telefonema, falando "olha, vamos dublar '2001' e você vai
fazer o HAL". Fiquei muito feliz. É como te disse, não
foi um trabalho que fiz, foi um prêmio que ganhei, que me deram
para dublar. Considero aquilo uma homenagem à minha profissão,
à minha atividade, ao profissional que sou. Nada melhor do que
dublar uma coisa que você gosta, conhece, entende, quer dizer,
entende do ponto de vista da história. Pra mim foi um momento
marcante, inesquecível da minha vida profissional.
TB - Muitos atores relatam que
quando passam muito tempo com o personagem, acabam ganhando um
alter-ego desse personagem. Gostaria de saber de você que
acompanha o trabalho de um ator, ou de um personagem, se o
dublador também acaba adquirindo maneirismos, um pouco da
personalidade, um alter-ego mesmo dos personagens que ele dubla
e especificamente se você ganhou alguma coisa do Spock.
Seixas - Não, não, é muito bom me projetar em alguns
valores desses personagens que dublo. Por exemplo, adoro o
Leonard Nimoy, já gostava quando ele era um coadjuvante em
"Missão Impossível". Não sei se você se lembra de
um seriado chamado "Missão Impossível", com um ator
chamado Peter Graves, que passava na TV Tupi nos anos 60. O
Leonard Nimoy pertenceu à série, depois foram trocando. Eu já
gostava daquela cara dele esquisita, esse cara tem uma cara
esquisita, não é um ator americano comum, não tem cara nem de
americano, que cara engraçada que ele tem. Sempre tive por ele
uma simpatia muito grande. Dublar o Spock também foi outro prêmio.
Li o livro dele, conheci muito do ator Leonard Nimoy, tenho um
filme que eu era apaixonado, sem saber que ele tinha sido
diretor, que é "Três Solteirões e um Bebê". Só
fui descobrir que ele era diretor do filme lendo esse livro. Não
me identifico com o ator, gosto de alguns valores que eles
passam, gosto de coisas que eles pensam, mas o alter-ego não
muda, porque dublo tanta gente, se eu for adquirir um pouquinho
de cada um desses atores, eu viro uma colcha de retalhos.
TB - Espero que você não saia de
capa preta de noite, aproveitando a escuridão (risos). Do
segundo ano para o terceiro da Clássica, nessa nova
dublagem, houve alguns episódios em que você acabou não
dublando o Spock. O que aconteceu nesse intervalo, por que
entrou um outro dublador, e como é que foi sua volta ao Spock
nos episódios subsequentes?
Crédito: USA
(www.usa.tv.br)
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Seixas - Acho
que não tem quatro anos não, tem menos de quatro anos, estou
me lembrando aqui de alguns fatos, algumas referências, acho
que tem três anos. Tenho alguns valores de que não abro mão.
Sou mineiro, filho de mineiro, nascido e criado em Belo
Horizonte, vim para cá já pai de filho pro Rio de Janeiro. Um
dos valores que tenho, aprendi com meu pai, que foi uma pessoa
muito simples, que dizia assim, "você conhece o valor de
um homem pela carteira de trabalho dele". Meu pai, que era
um pequeno empresário, mas pequeno mesmo, adorava receber, por
exemplo, um pedido de emprego de uma pessoa que, quando mostrava
a carteira de trabalho para ele, tinha só uma assinatura. Ele
achava aquilo um indício de que houve entre ele e o empregador
uma relação de amizade, de respeito, de compreensão. Cresci
ouvindo isso.
Quando comecei a fazer o Spock, já achei chato ter que dar
minha carteira de trabalho, porque por mim ela só teria a
assinatura das rádios que eu trabalhei em BH, a rádio Jornal
do Brasil, a Herbert Richers e só. Pra mim já estava cheia
demais a carteira. Quando fui fazer Jornada, muito
entusiasmado, não quis questionar muito o fato do [Victor]
Berbara [dono da dubladora VTI-Rio] exigir que os dubladores
fossem registrados em carteira. Tá bom, fui registrar, enfim,
pra efeito de fiscalização, e dublamos tudo [que havia sido
pedido, os primeiros 52 episódios]. Acabou o seriado, não tive
mais interesse em continuar trabalhando, deram baixa na minha
carteira, foram sempre muito corretos -- a VTI é sempre muito
correta.
Passou o tempo, então veio a alegria. A tradutora da série,
Cristina Nastasi, me liga e diz assim, "olha estou te
ligando, o Dr. Victor Berbara está sabendo, pra te comunicar
que está voltando, com o terceiro ano da série, com tantos
episódios e queremos saber se você quer fazer o Spock".
Eu falei, "querer? Pelo amor de Deus, não há chance de eu
não fazer". "Mas tem um problema Márcio, Dr. Victor
mandou avisar que é carteira assinada". "Não, não
quero não. Só vou como eventual, vou, gravo o Spock e vou
embora". "Márcio, vamos fazer o seguinte, vou sair do
circuito, você se entende direto com o Victor Berbara".
Victor Berbara me liga. "Márcio, no way". Nunca vou
me esquecer desse "no way" dele. "No way,
carteira assinada, você vai dublar o Spock e todos os trabalhos
da casa, durante o período que você estiver dublando o
restante do seriado". Eu falei, "não vou fazer".
Ele falou "então você não vai fazer a série".
"Não tem problema, não faço a série".
E aí ficou um diálogo áspero, ele é uma pessoa muito difícil,
e desligamos o telefone. A gente quase chegou a gritar no
telefone um com o outro. Falei, "caramba, na minha vida
profissional quem manda sou eu, e não Victor Berbara". E
esqueci o assunto. Uma tarde estava em casa, vendo TV, caí em Jornada
nas Estrelas, numa cena em que o Spock está dentro de uma
cadeia com o Kirk, e eu ouço um colega dublar assim "capitão,
acho que não temos chance de sair daqui capitão!" Peguei
o telefone e liguei para a Cristina Nastasi, e na segunda-feira
para a VTI. Na primeira ligação, quem atendeu disse, "Dr.
Berbara não chegou ainda". Saí para fazer um trabalho,
quando voltei, fui chegando em casa, o telefone tocou, dei um
pulo no telefone, e a secretária disse assim "Márcio, Dr.
Victor vai falar com você". "Ah, pois não, pois não".
"Oi Márcio, como vai tudo bem?" "Oi Dr. Victor,
tudo bem". Eu tinha me esquecido completamente do nosso diálogo
áspero. Você me permita me alongar, porque eu preciso que você
saiba os detalhes disso, tá?
TB - Claro, vai lá.
Seixas - Se tiver tempo...
TB - Sem problemas, pode falar.
Seixas - Preciso te explicar, porque já falei para a
Cristina que a minha vontade era numa convenção de trekkers
pegar o microfone, aparecer e explicar o que estou explicando
para você agora. Aí o Berbara me disse assim, "o que que
eu posso fazer pelo amigo?"
Falei "Dr. Victor, no sábado eu estava vendo Jornada
nas Estrelas, e vi o Spock, eu...", foi só o que
consegui dizer, porque, a partir daí, ouvi quase 50 minutos de
ESPORRO. Eu não dizia uma palavra. Ele estava apoplético no
telefone. O culpado era eu, ele me deu todas as chances -- estou
repetindo o que ele falou para mim --, e que agora não
adiantava eu vir chorar no ouvido dele. Depois de 50 minutos de
ouvir esporro, o telefone do lado tocou, e ele disse assim,
"olha, vamos desligar o telefone, que preciso trabalhar e não
tenho tempo a perder, só pra terminar nossa conversa, pra você
ter certeza do que estou falando, se o Lauro Fabiano
morrer" -- Lauro Fabiano é o que dublou esses cinco episódios
--, "nem assim você vai ser convidado para dublar o Spock.
Tenha um bom dia, abraço".
Desliguei o telefone, estava muito deprimido, liguei para a
Cristina, ela falou, "Márcio, você conhece Dr. Victor,
dificilmente ele vai reconsiderar essa posição". Exatos
oito dias depois desse esporro, o telefone toca na minha casa e
fala "Como vai o amigo, tudo bem?"
"Oi Dr. Victor, tudo bem?", "Vamos lá dublar o
Spock?" (risos). Não acreditei, falei, "será que é
trote? Não é possível". "Está bem, Dr. Victor, com
muito prazer". "Traga a carteira de trabalho, ok?"
"Tá, claro!". Depois fui feito uma criança pra lá,
entreguei, e aí "como vai o amigo?". Ele não se
lembrava daquele esporro. Você acredita nisso?
TB - Nossa, não lembrava mesmo?
Seixas - Não. Como ele é muito esporrento, não se
lembrava de mais um. Aí fiz uma tentativa. Trabalho no USA, fui
lá, falei com o pessoal responsável pela programação dos
filmes, que eles como clientes tinham o direito de devolver a série
pra poder trocar a voz, e que eu estava me oferecendo como
dublador do Spock, para refazer o trabalho para o USA, sem
custo. Queria trabalhar sem receber e gravar só a minha parte.
Aí o Cabral não teve muito interesse, o Berbara também não e
ficou nisso. E aí ficaram esses quatro ou cinco episódios
dublados pelo Lauro Fabiano.
TB - Certo, agora você só
trabalha para a VTI como eventual?
Seixas - Só como eventual.
TB - E não tem tido mais problema
desse tipo?
Seixas - Não, não, não. Foi a única coisa que
consegui dizer para o Dr. Victor nessa minha volta, porque aí
ele aceitou que eu fizesse o Spock, e não mandou levar carteira
não. Pediu, "traga um comprovante" de não sei o quê,
é como já tendo recebido e descontado em uma previdência em
outra empresa, e me deixou trabalhar como eventual. Aí eu tive
vontade de falar, mas como eu preferia primeiro acabar de dublar
o Spock, "a gente brigou tanto, pro senhor agora permitir
que eu trabalhe sem carteira assinada".
TB - Parece que ele é uma pessoa
meio difícil de lidar...
Seixas - Meio não, ele é muito difícil, muito difícil.
Agora, é muito inteligente, viu? Ele tem um cérebro
privilegiado, ele saca das coisas, sabe das coisas.
TB - De toda sua carreira, de todos
os seus personagens, filmes, séries que você dublou, qual é o
preferido?
Seixas - Ah, não tem o preferido, porque tem uns filmes
que eu fiz do Charlton Herston, tem a minha amada Disneylândia,
tem os trabalhos do Leonard Nimoy. Eu tenho um prazer grande,
por exemplo, de dublar o Clint Eastwood. Tenho uma justificativa
para cada um desses trabalhos, então não tenho um preferido não,
e sim, um grupo de trabalhos que tenho assim, um carinho
especial. E um deles é o Spock.
TB - Você costuma assistir depois
aos trabalhos que faz?
Seixas - Sempre que posso, sempre. Minha mulher detesta,
porque fico assim "meu Deus, porque que não troquei essa
palavra, ficaria tão melhor naquele momento do avião",
ela fica p... da vida, ela detesta assistir filme do meu lado,
porque deve de ser muito chato, não é?
TB - Parece um comentário também
típico de dublador, que normalmente é muito perfeccionista,
ele sempre acha que dava pra ficar melhor...
Seixas - Exatamente. Aí eu falo assim "olha que
besteira, olha aquela boca, meu Deus, eu podia ter pulado".
Enquanto isso o diálogo está rolando, e eu "por que que
eu não usei tal palavra?", meu Deus, ela fica p... da
vida.
TB - Como é que você vê
atualmente a dublagem brasileira?
Crédito: USA
(www.usa.tv.br)
|
Seixas -
Tomara que eu não seja crucificado pela classe, mas a dublagem
atualmente está indefensável. Tenho visto trabalhos
deprimentes de tão ruins! A que ponto chegou a falta de exigência
de determinados canais, a falta de consciência de quem escala
pessoas sem condição de trabalhar. Aí vou entrar numa esfera
que talvez a gente fique a noite inteira aqui discutindo. Não
entenda isto como uma prepotência da minha parte não, viu? Um
olhar um pouco mais atento no final de semana sobre o que você
tem dos vídeos, ponha junto TV aberta e TV a cabo, e você vai
ver coisas agora que, Nossa Senhora! Vi um [programa do canal]
Discovery dublado na Herbert Richers, isso aí você pode
publicar, não tenho o menor medo que as pessoas saibam, uma
garota sendo resgatada de um carro esmagado por um caminhão de
lixo. A maneira como a garota foi dublada, me pergunto como é
que o Discovery pagou por esse trabalho. Como cliente ela
poderia dizer, "que é isso? Vocês estão brincando de
fazer dublagem? Por favor coloquem uma profissional para fazer
essa cena".
É uma cena abaixo da crítica, é uma adolescente presa nas
ferragens de um carro, aparece depois de recuperada, dando
depoimento, agradecendo aos bombeiros, agradecendo aos paramédicos,
aos primeiros-socorros, e a maneira como ela fala é de uma
pessoa que nunca viu dublagem. Como que a Discovery aceita um
trabalho desses?
TB - Você acha que a falta de exigência
está nos canais, nas empresas de dublagem ou nos dubladores?
Seixas - Nas empresas de dublagem e em alguns canais de
TV. Especialmente as TVs a cabo, as TVs que passam documentário.
Nisso estou incluindo People And Arts, Discovery, os canais 52,
47, enfim de um modo geral TVs a cabo.
TB - Isso tem a ver com a natureza
jornalística do programa, ou seja, o fato de eles não quererem
gastar muito tempo para fazer uma dublagem mais apurada, ou é
desleixo mesmo?
Seixas - Também. Tem uma intenção de fazer um trabalho
barato e daí eles não questionam a qualidade, o importante
para eles é fazer um trabalho que custe pouco. Lamentavelmente,
o que vai para o ar dublado é um negócio vergonhoso, uma
grande parte do trabalho de dublagem que tenho visto hoje,
principalmente em documentários para a TV a cabo, são de matar
a gente de vergonha, de tão ruins que eles são.
TB - Você acha que isso prejudica
a imagem da dublagem como um todo, que de repente pode ganhar
potenciais críticos inimigos que não precisaria ter?
Seixas - Exatamente. Aumenta muito a acidez dos
detratores da dublagem. Você sabe que tem uma parte da imprensa
que condena a dublagem e isso para eles é um prato. Sou
obrigado agora a dizer para um jornalista que a dublagem hoje
está indefensável. Se fosse uma coisa localizada, um
determinado canal, talvez a gente até conseguisse chegar nesse
canal e dizer, "por favor, vocês estão com um trabalho
muito ruim, por favor coloquem uma pessoa responsável, que
conheça dublagem". Você nunca vai ver isso numa TV Globo,
na TV do Sílvio Santos você nunca vai ter um trabalho desse,
você não vai ver um trabalho desse na TV Record, entendeu?
TB - Uma coisa que tem acontecido
de forma recorrente até em Jornada nas Estrelas é a
troca de vozes, ou seja, personagens que mudam duas, três vezes
de vozes, em apenas duas temporadas. Com relação a isso, você
acha que prejudica um personagem ter várias vozes?
Seixas - Prejudica muito. O que ouço de reclamação a
respeito do Homer, dos Simpsons. Essa dublagem foi consagrada, a
primeira equipe foi totalmente aprovada pelo público, que adora
aquele desenho animado. Meus filhos são telespectadores que não
questionam muito qualidade de dublagem e eram alucinados pelos
Simpsons. Quando houve a mudança do elenco todo eles
simplesmente deixaram de assistir. Veja bem, não estou
criticando A ou B que substituiu o elenco original. Mas enfim,
estava lá aquele elenco pronto, eles gostaram, aprovaram aquela
voz, aquele personagem entrou na sensibilidade deles na
primeira, e de repente mudam as vozes, eles perderam
completamente o interesse pela série, como eu acho que houve um
desinteresse geral, sempre há. Sempre vai se pagar um preço
pela substituição de uma voz consagrada pelo público, o
exemplo que você tem mais doloroso dessa atitude foi com o
Kojak.
TB - Você gostaria de participar
de uma convenção de Jornada?
Seixas
- Sim, claro, adoraria. Eu quis até participar de uma uma
vez, quando trouxeram o Sulu, mas acabou não sendo possível.
Mas eu adoraria poder comparecer.
TB -
Alguma mensagem para os trekkers?
Seixas - Eu admiro e respeito muito essa forma com que os
trekkers cultuam a série e gostaria de dizer que me sinto em dívida
com eles pelos episódios que acabaram não ficando com a minha
voz e que eu estou disposto a trabalhar de graça, se houver
interesse, para mudar isso.
Entrevista feita
em maio de 2001.
Transcrição por Rosimeire Anne.
Publicada originalmente em 14 de setembro de 2001, como parte
das comemorações dos 35 anos de Jornada nas Estrelas |