Trek
Brasilis - Muitas pessoas que vieram a trabalhar em Jornada
as Estrelas eram fãs de longa data da Série Clássica.
Você é uma delas?
Andrew Probert - Com certeza. Eu adorei Jornada
desde o início porque era uma série inteligente e que não
subestimava os espectadores.
TB - Como foi seu primeiro
envolvimento com a série, durante a produção de "Jornada
nas Estrelas - O Filme"?
Probert - Eu tinha feito amizade com o designer e
ilustrador de Guerra nas Estrelas Ralph McQuarrie, e ele
estava trabalhando no "filme para tevê" de Jornada
quando George Lucas o chamou para trabalhar em Guerra nas
Estrelas II. Àquela altura, ele tinha acabado de começar a
trabalhar em "Jornada nas Estrelas - O Filme" e
sugeriu que eu me oferecesse para substituí-lo como designer e
ilustrador. Isso foi no estúdio de efeitos especiais Robert
Abel. Mostrei a eles meu trabalho, eles gostaram e eu entrei.
TB - Você é conhecido como o
criador da versão atualizada da Enterprise para o primeiro
filme da série clássica. Você chegou a trocar idéias com
Matt Jefferies (o criador da Enterprise original) antes de
preparar seus primeiros desenhos?
Probert
- Não, nunca tive o privilégio de conhecer o legendário Matt
Jefferies. Sendo um fã da série, porém, eu estava bastante
familiarizado com sua filosofia de design quando cancelaram o
filme de Jornada para tevê para produzirem o
longa-metragem para cinema. Joe Jennings (Diretor de Arte) já
tinha montado uma versão deles para a Enterprise atualizada, e
eles já tinham até informalmente montado uma maquete. Nós, da
equipe de Jornada, o Filme, assumimos o desafio de
fornecer um visual que fosse além da concepção televisiva.
Quer dizer, a imagem iria ser TÃO maior que precisávamos de um
visual à altura, e foi aí que eu entrei. Meu diretor de arte e
efeitos, Richard Taylor, me passou a tarefa de projetar todos os
equipamentos, inclusive a Enterprise. Sua única exigência foi
a de nos atermos às proporções do projeto de Jennings. Ele
também influenciou bastante no projeto do novo motor de dobra
da nave. Mas, fora isso, a nave foi totalmente uma concepção
minha. Permanecemos fiéis a essa concepção, mas acabamos
mudando a maior parte dos detalhes --quase todos os motores,
tubos de torpedos fotônicos, o topo e a base do disco.
TB - E como o aumento do orçamento,
além do fato de vocês terem uma tela muito maior para
preencher, afetaram o trabalho?
Probert - Bem, uma tela maior significava que precisávamos
de uma maquete maior. Eu nunca cheguei a vê-la, mas pelo que
sei, a outra maquete [feita para a série "Fase II"
de Star Trek, que nunca saiu do papel] tinha entre 90cm e
1.20m de comprimento, provavelmente uns 90cm. A Enterprise que nós
construímos para Jornada nas Estrelas - O Filme tinha
aproximadamente 1.80m de comprimento.
TB - Dizem que a Enterprise que
você projetou podia ser separada em duas seções, como a
Enterprise-D, da Nova Geração. Dizem também que você
sugeriu como usar esse recurso da nave no final do filme. O que
há de verdade nisso?
Probert - Bem, sabendo que a Enterprise sempre havia
sido projetada em duas partes, o casco primário e o secundário,
eu quis levar essa idéia até o fim --pelo menos no meu
projeto. As pessoas devem se lembrar de um episódio da série
clássica chamado "The Apple" ("A Maçã"),
em que há um deus-máquina num planeta atacando a Enterprise, e
Kirk está no planeta, mas ordena a Scotty, que está no comando
da nave, a fazer o que for necessário para salvar a nave. Ele
diz, "Separe o casco principal, se for preciso, mas salve a
nave" --o casco principal sendo, é claro, o disco. Então,
quando fiz a Enterprise para "Jornada nas Estrelas - O
Filme", criei uma linha de separação específica no
dorso, bem abaixo do disco, indicada por duas linhas vernelhas.
Além disso, criei espaço para quatro pernas de pouso sob o
disco.
Enquanto o filmavam as cenas, o roteiro do filme ia mudando
quase que diariamente. Então, descobri que não havia ainda um
final definitivo para o filme, e isso me inspirou a escrever
algumas páginas de roteiro, sugerindo um diálogo em que Kirk
realmente dá a ordem de separação do disco. A Frota Estelar
chama a Enterprise de volta para ser inspecionada após o
incidente V'ger, e Kirk, ainda não satisfeito com a viagem na
nova Enterprise, planeja mandar a nave de volta ao estaleiro,
mas, com o pretexto de testar a separação da nave, manda o
casco com a engenharia de volta e sai voando com o disco. Essa
era a minha versão.
TB - E por que sua idéia não
chegou à tela?
Probert - Porque outra maquete teria que ser construída.
Pelo menos uma maquete do disco. Eles poderiam ter ocultado o
disco e mostrado apenas o casco da engenharia no estaleiro, mas
iriam precisar de outra versão do disco para colocá-la no
mecanismo de movimento controlado. Eles não quiseram gastar
dinheiro com isso. O problema foi só esse, porque eles também
tiveram a idéia de mostrar a separação no filme, quando V'ger
se transforma numa forma de vida, depois de se fundir com Decker
e Ilya, e solta todos aqueles cristais de memória que havia
armazenado --todas as coisas que havia juntado, inclusive
aqueles cruzadores de batalha Klingons que aparecem no começo
do filme. E dois cristais colidem com os cruzadores e eles
descobrem que estão a um quilômetro da Enterprise. Então,
disparam contra a nave para danificá-la, a fim de saírem do
espaço terrestre. Fazendo isso, destroem o casco da engenharia,
então Kirk precisa separar o disco para ir atrás dos Klingons.
O problema estava no disco, a maquete voadora que travaria
combate com os Klingons. Então, de qualquer forma, o disco,
claro, ia ter que ser construído separadamente.
TB - A Paramount está
trabalhando numa nova versão desse filme para DVD. Dentre as
novidades, teremos uma nova edição feita por Robert Wise e
novos efeitos especiais feitos pela Foundation Imaging. Você
acredita que o filme realmente vá ganhar alguma coisa com essas
mudanças? Você acha que Jornada nas Estrelas - O Filme
precisava de reparos?
Probert - Sim, definitivamente sim. O filme ficou
muito lento em certos momentos, houve muitas eventualidades por
causa da constante indecisão dos escritores e executivos. Bob
Wise costumava fazer filmes de qualidade. Tenho certeza que esse
filme de Star Trek não é um de seus projetos
preferidos. Então acho que esta é a oportunidade para ele
fazer melhor, do jeito que ele queria.
TB - Você estava ciente deste
projeto do DVD, ou foi consultado antes que o assunto vazasse
para a imprensa?
Probert - Não, de forma nenhuma. Mais tarde, recebi
um e-mail de um dos membros da equipe elogiando o trabalho que
eu havia feito, pois eles tiveram que pesquisar tudo o que havia
sido feito. E não consigo evitar de me perguntar por que, se
gostaram tanto do meu trabalho, não me chamaram de volta para
concluí-lo.
TB - Tendo trabalhado nesse
filme, você deve ter também alguma percepção dos problemas
de produção que envolvem efeitos especiais. O que você
poderia dizer sobre esses problemas?
Probert - Bem, você está me pedindo para voltar
vinte anos no tempo, mas o maior problema que me vem à mente
foi uma complicação com a Paramount. Harold Michelson, o
diretor de arte do filme [ele aparece como Designer de Produção
nos créditos] é um excelente diretor de arte e designer, mas não
entende nada de ficção científica. Eu estava trabalhando no
estúdio Robert Abel and Associates, e eles estavam cientes das
necessidades da ficção científica (duas pessoas de lá haviam
trabalhado em "2001 - Uma Odisséia no Espaço" e
eu, àquela altura, já tinha trabalhado em "Battlestar
Gallactica", e vários de nós éramos conhecedores de
ficção cientítica). Quando tentamos fazer propostas à
Paramount que teriam aprimorado a fantasia de Jornada,
fomos recebidos com muita resistência pelo pessoal de lá. Isso
porque eles não entendiam.
Por
exemplo, o deck de carga da Enterprise --onde Kirk embarca pela
primeira vez na nave. Ali era óbvio que deveriam ser usadas
pinturas. Antes da pintura em si, existem o que chamamos de
renderizações da pintura. São desenhos, às vezes pinturas,
que mostram como será a aparência da pintura. Eu estava
trabalhando com um outro ilustrador, que estava fazendo sua própria
versão daquele espaço, e ele fez uma janela enorme --estou
falando de uma janela de quatro decks de altura --dentro do espaço
para deslocamento de carga. Tentei entender qual era a lógica
daquilo, e a lógica era, "bem, precisamos ver o que se
passa fora daquela área, olhar para fora daquele compartimento,
ver o que está lá fora". Ele abriu uma janela e aumentou
o desenho. Ora, esse é o típico pensamento hollywoodiano.
Jamais você teria uma parede de vidro transparente de quatro
decks de altura num compartimento de carga, isso é absurdo! Então,
a agenda e as necessidades do pessoal de produção, em sua
maior parte, são bem diferentes das de alguém envolvido no
setor da indústria. Este foi o único problema real que
tivemos. As maquetes foram montadas muito bem. Realmente, não
me lembro de mais nada.
TB - Depois do trabalho em Jornada,
o Filme, como você se envolveu com a Nova Geração?
Probert - Gene Roddenberry anunciou que queria tentar
de novo. Fiquei sabendo desse anúncio, me empolguei e liguei
para o escritório dele. Ele se lembrou de mim do tempo de Jornada,
o Filme --veja bem, isso foi 10 anos depois, mas ele se
lembrou de mim --e me pediu para eu lhe levar meu portfolio,
para ver o que eu tinha feito durante aqueles 10 anos. Então,
fui até lá e mostrei a ele meu trabalho. Os outros produtores
também estavam lá, o Bob Justman e o outro produtor. Todos
analisaram meu trabalho e, cerca de uma semana depois, tivemos
uma reunião e eles me chamaram para trabalhar. No fim, acabei
sendo a décima primeira pessoa contratada para a série.
Eles me quiseram a bordo tão cedo porque precisavam que eu
desenhasse esboços da ponte de comando. A preocupação deles
era porque, como a ponte seria o cenário principal, eles
queriam ter certeza de que estariam satisfeitos com ela, e
queriam ter tempo de sobra para fazer mudanças, caso fosse
necessário.
Então, comecei a desenvolver a concepção da ponte, mas,
como você pode imaginar, eu também estava muito interessado em
como seria a nova Enterprise, pois essa série de Jornada,
de acordo com nossos planos, se passaria 85 anos depois de Jornada,
o Filme. Então comecei, só por diversão, a desenhar esboços
da Enterprise, ao mesmo tempo em que desenvolvia a ponte.
Pendurei um desses desenhos na parede, só para mim. David
Gerrold, que também estava no projeto, viu esse desenho na
parede e disse, "Essa é a nova Enterprise?" Eu disse,
"Não sei, eu apenas gostaria que ela fosse assim".
Ele pediu o desenho emprestado, tirou-o da parede e saiu da
sala. Cerca de meia hora depois voltou, pôs o desenho na minha
mesa e disse, "Essa é a nova Enterprise". Perguntei o
que ele queria dizer com aquilo e ele disse que tinha levado o
desenho a uma reunião, mostrado aos produtores e perguntado,
"O que acham disso?". E todos gostaram. Então, isto
se tornou uma espécie de recorde. Um recorde por eles terem
concordado tão rápido com uma idéia da equipe.
Houve
várias mudanças depois daquela reunião, mas aquele desenho
mostrava muito da direção que eu queria tomar. Depois disso,
Gene gostou de tudo o que eu mostrei para ele, e quando
apresentei o projeto final da Enterprise, achei que a ponta
deveria ser no centro do disco, pois esta seria a parte mais
protegida e seria o centro de comando, então deveria ser de fácil
acesso a partir de qualquer ponto do disco. E os motores, embora
fossem bem maiores do que os da a Enterprise original, pois a
nova nave teria 600m de comprimento, ainda pareciam pequenos
quando comparados proporcionalmente à Enterprise 1701-D. Então,
as únicas duas mudanças de Gene no meu projeto final foram a
ponte, que eu desloquei de volta para o topo do disco, pois Gene
achava que o lugar dela era lá, mas também porque sua forma e
tamanho permitiam às pessoas, por comparação, ter a noção
do tamanho da nave.
E ele me pediu para alongar um pouco os motores, pois achou que,
embora os motores fossem maiores, eles ainda pareciam pequenos
em relação à nave. Foi só isso. Todo o resto, no que se
refere ao projeto da nave, correu na mais perfeita calma.
TB - Você tocou num ponto
interessante quando disse que tiveram de atualizar a Enterprise
85 anos no futuro. Agora, a nova série de Jornada vai se
passar 100 anos antes da série original. Do ponto de vista de
um designer, quão difícil é projetar uma nave e uma
tecnologia que precedem a Série Clássica?
Probert - Bem, quando a Série Clássica
surgiu, muita gente deve se lembrar de quão revolucionário era
aquele desenho. Era tão diferente de tudo o que havíamos visto
antes, tão emocionante. Mas projetar algo para trás daquilo...
já houve tentativas de se imaginar como eram as naves antes da
Enterprise do Kirk. Acho que se chegou a cogitar que a
Enterprise era mais como uma roda com um nariz comprido,
apontando para fora do eixo central. Há pelo menos um quadro
disso, uma referência documentada de que o desenho da
Enterprise era outro. E, claro, eles mostraram como era a nave
com motor de dobra de Cochrane. Então, qualquer um pode
adivinhar que as coisas deveriam caminhar por aí, mas Rick
Berman é o responsável pela série e vai manipulá-la de
acordo com a vontade dele.
TB - Você está insinuando que
Rick Berman não dá muita liberdade aos projetistas, em termos
de criação?
Probert - Sim.
TB - Você teve problemas com
Rick Berman durante a primeira temporada da Nova Geração?
Probert - Sim.
TB - Poderia dar mais detalhes?
Probert - Gene Roddenberry era inicialmente o responsável
pela Nova Geração, como deveria ser, e isso deve ter
mudado por razões políticas. Não tenho a menor idéia do que
teria causado essa mudança. Mas enquanto Gene era o responsável,
ele e eu nos dávamos muito bem. Nós nos entendíamos, e eu
gostava dele pelo fato de ter criado Jornada nas Estrelas
e por ele saber exatamente aonde queria levar a série.
Mesmo assim, ele estava sempre aberto às novas idéias que levávamos
até ele, e discutia essas idéias de forma inteligente. Quando
Rick Berman assumiu a série, no meio da primeira temporada,
toda vez que mostrávamos a ele um conceito de design, sua
resposta era sempre, "não, não podemos fazer isso, pois
me faz lembrar de alguma coisa que eu já vi em algum
lugar", ou "parece um barbeador", ou então
"parece uma coisa que vi numa loja de móveis".
A única coisa digna de nota que Rick Berman havia feito
antes de Jornada nas Estrelas era um programa chamado
"The Big Blue Marble", para crianças. Por alguma razão,
a Paramount o chamou. Não sei. Ouvi histórias contraditórias
de que Gene achava que Berman fosse um grande produtor e quis
trazê-lo. De qualquer forma, Rick Berman não entendia e, pelo
que vejo nas produções atuais, continua não entendendo nada
de ficção científica. Vi ótimas projetos, de Doug Drexler e
alguns outros ilustradores que estão trabalhando com ele. E, a
propósito, todos projetos a favor de conceitos muito mais
controlados. Minha experiência com Rick Berman é a seguinte:
ele não entende o que faz, não entende de ficção científica.
TB - Você acredita que a condução
de Jornada nas Estrelas feita por Rick Berman não foi
capaz de seguir o padrão da série clássica e do começo Nova
Geração?
Probert - Não. Acho que Jornada morreu quando
Gene morreu. Como eu já disse, Gene sabia o que queria para a série,
e seu foco principal era a manutenção de sua coerência e
consistência. Todo mundo que se preocupava com Jornada
acabou saindo. Bill Theiss, o figurinista, saiu. Bob Justman
saiu. Então... Não sei o que dizer, era muito frustrante
trabalhar naquilo.
TB - Você acredita que Rick
Berman se preocupa com Jornada?
Probert - Acho que ele se preocupa com a série pelo
dinheiro. Acho que ele se preocupa porque acredita que, não
interessa o que eles produzam, se tiver o nome "Star Trek",
as pessoas vão ver. As pessoas vão reclamar, mas a série vai
continuar dando dinheiro. Mas essa é apenas a minha opinião.
TB - Voltando às suas criações
durante a primeira temporada da Nova Geração, temos várias
naves, como o cruzador Ferengi e a nave de guerra Romulana. Você
tem uma preferida?
Probert - Teve uma nave, que você poderia chamar de
"alienígena", no episódio "Haven".
Acho que aquela é a de que mais gosto. Minha nave favorita
ainda é a Enterprise, embora muitos gostem mais da nave
Romulana. E uma surpreendente maioria gosta mais da Enterprise
dos filmes do que de todas as outras naves. Minha nave favorita
é a Enterprise em si, mas além dela gosto da nave em "Haven",
por dois motivos. Primeiro, foi uma nave que fiz junto com Gene.
Eu estava preso a um conceito de nave e queria fazer algo
diferente. Todas as naves que tínhamos visto até então
tipicamente tinham sua fonte de energia na parte de trás, em
motores que empurravam a nave. Eu estava trabalhando num projeto
em que o motor seria na frente, de alguma forma manipulando e
puxando a nave. Fui até Gene e lhe disse que estava com essa
espécie de bloqueio criativo e eu realmente queria fazer algo
diferente. Disse a ele que estava pensando em colocar o motor na
frente. E Gene disse: "Ponha o motor no meio". E eu
perguntei, "Como assim?" "Bem, simplesmente ponha
sua fonte de energia no meio. Essa nave é construída em volta
do motor, que a leva para qualquer direção". E aí eu fiz
aquele projeto. A fonte de energia é aquela coisa grande
--claro que você não precisa, necessariamente, explicar
totalmente como funciona --e eu peguei emprestado de Herman
Zimmerman, o designer de produção, aquela parte traseira, que
era basicamente em formato triangular, e a dupliquei na frente
da nave. Não sei, fiquei muito feliz com aquele formato, o
conceito, e a nave me traz boas lembranças do tempo em que
trabalhei com Gene.
TB - Sobre a nave de guerra, você
se inspirou nas naves Romulanas da série original, ou começou
do zero?
Probert - A nave de guerra Romulana da série original
tinha o formato de um pássaro. E eu quis manter isso de alguma
forma. Então comecei com formas de pássaro e de asas.
Finalmente, cheguei a um desenho semelhante ao mostrado na tela.
Mas minha idéia era ter um motor acima e outro abaixo, porque
achei que uma nave alienígena com design vertical em frente à
Enterprise, que tem uma configuração horizontal, daria um belo
contraste. Agora, Gene tinha decidido que não haveria naves com
três motores, nem naves com um motor só. Quando eu estava
desenhando a nova Enterprise, ele disse, "Os motores das
naves da Federação são sempre co-dependentes". É o
mesmo que dizer que eles sempre funcionavam em pares. Então,
foi por isso que Sternbach e eu fizemos a Stargazer daquele
jeito, com dois conjuntos de pares.
Então
comecei a pensar que, na Segunda Guerra Mundial, todos os países
que tinham aeronaves faziam a mesma coisa: decolavam, voavam,
pousavam, manobravam. Geralmente, tinham um motor só, duas
asas, dois estabilizadores --então, todos tinham os mesmos
componentes, mas com aparência diferente. Havia uma propensão
nacional por determinado desenho, mas, tecnicamente, todos os
aviões faziam as mesmas coisas. Então, minha idéia em Jornada
foi --já que a Enterprise utilizada dois motores --que os dois
motores tinham que se alcançar, a fim de funcionarem em
co-dependência. Em outras palavras, não haveria obstruções
entre os motores para interromper os campos de energia e as forças
de conexão entre eles. E, bem, todas as naves alienígenas
poderiam parecer diferentes, mas todas operavam dentro do mesmo
princípio. Então, é por isso que a nave Ferengi Marauder é
curva, côncava, pois isso permite que um motor alcance o outro.
O mesmo acontece com a nave de guerra Romulana, em que os
motores podem se ver através da nave. A nave é construída
acima e abaixo do campo de energia daqueles motores. Mas minha
concepção original era a de que haveria muito mais nave, muito
mais estrutura comprimida entre as duas asas. As duas seções
das asas são grandes, obviamente grandes o suficiente para
conterem pessoas e carga. Mas na minha concepção original elas
seriam bem maiores.
TB - Você teve ambas as experiências
de criar e atualizar a Enterprise. Qual você acha mais difícil?
Probert - Atualizar. Minha formação acadêmica é em
desenho industrial. Aprendemos a gerar novas idéias, novos
conceitos, e não pegar uma coisa que já existe e apenas
atualizá-la. E Gene sempre manteve que a Enterprise era uma
personagem da série, então deveria ter sempre, basicamente, a
mesma aparência. Então, da mesma forma que um modelo T4 e uma
Ferrari nova em folha têm os mesmos componentes, mas aparências
totalmente diferentes, a mesma coisa eu fiz com a Enterprise.
Mantive os mesmos componentes --o disco, o caso da engenharia,
os pilares sustentando as duas naceles --e isso manteve a idéia
de Gene de preservar sempre a mesma nave, visualmente.
TB - Você acredita que esse
conceito de criação de naves está agora pervertido em Jornada?
Porque existem diferentes naves com três, quatro naceles...
Probert
- Sim. E é uma coisa ruim porque deturpa a consistência que
Gene tentava manter. Eu diria que a maioria dos conceitos que
Gene ditou foram propositadamente abandonados quando Gene
morreu. E isso vale para a Enterprise com três motores [vista
em "All Good Things..."]. A idéia de colocar
aquele canhão imenso sob o disco vai totalmente contra a concepção
de Gene sobre o que a Enterprise representava. Sim, a Enterprise
realmente carrega muitas armas, mas colocar naquele canhão,
como numa nave de batalha ou de guerra...
TB - Com a tecnologia CGI [sigla
em inglês para Imagem Gerada por Computador], você pode fazer
tudo que quiser, mesmo que a maquete possa ser construída e
colocada em equilíbrio ou não. Você acredita que isso de
alguma forma afasta os projetistas da sensação realista de
projetar naves, do fato de estarem construindo algo que deveria
ser uma nave de verdade?
Probert - Isso é bem possível. Na verdade, nunca
pensei nisso porque, por conta da minha formação em desenho
industrial, tudo o que desenho é como se fosse para um projeto
real. Quando eles vieram com a idéia (de novo, isto é
Hollywood, Gene não pousaria uma nave) de pousar a Voyager num
planeta, tão sem equilíbrio, com aquelas varetinhas
pequenininhas sustentando aquela curvatura incrivelmente grande,
aquilo foi ridículo.
TB - Você acha que a CGI tem
participação nesse efeito? Porque, se eles constroem uma
maquete, a colocam numa superfície e descobrem que ela não
fica de pé, eles vão se dar conta de que aquela não é uma
boa idéia.
Probert - Bem, é assim que deveria ser, mas os
produtores não seguem essa lógica. Mas não acho que a CGI
seja o problema. Acho que as pessoas não entendem de projetos
de equipamentos nem da lógica da ficção científica. CGI é
apenas uma maneira de visualização. Acho que imagens geradas
por computador não são capazes ainda de substituir maquetes.
Talvez um dia sejam, mas hoje essas imagens são "perfeitas
demais" e, portanto, carecem de qualidade.
TB - Quando projeta uma nave,
você geralmente dá mais atenção a seus aspectos ténicos ou
à sua aparência?
Probert - A primeira coisa que eu gosto de resolver é
o formato, que deve ser agradável. Depois, analiso a nave com
um olho técnico para determinar a praticidade daquele formato
inicial, e verificar se há pequenas falhas técnicas. Então eu
mudo o formato para acomodar esses requisitos técnicos. Mas
sempre tento manter um visual agradável.
TB - E existem casos em que os
aspectos técnicos simplesmente inviabilizam a concepção
original? Ou há sempre uma maneira de acomodar as coisas?
Probert - Bem, para mim sempre há uma maneira de
acomodar as coisas. Porque não podemos perder de vista que
estamos projetando uma nave espacial de ficção científica, a
representação de um veículo do futuro, e deve-se supor,
sempre, que avanços tecnológicos terão ocorrido, permitindo
que certas tecnologias funcionem. Se alguém tivesse tido a idéia
de fazer um avião de aço que voasse, lá atrás, quando os irmãos
Wright voaram pela primeira vez, todos pensariam nisso como uma
cena de ficção científica, especialmente um avião do tamanho
de um 747 ou de um Concorde. Eles nem conseguiriam imaginar algo
como aquilo decolando, pois seus pequenos motores nunca teriam a
força para levantar um 747. Então, há vezes em que a
tecnologia prática, ou a tecnologia baseada no entendimento
atual de fontes de energia precisa ser substituída. Desde que a
idéia esteja baseada na lógica, lógica consistente, ela
funciona.
TB - Depois da primeira
temporada da Nova Geração, você saiu da Paramount e
foi para a Disney. Que trabalhos você fez para a Disney? Você
ficou feliz com essa decisão?
Probert - Na época eu fiquei feliz, pois estava
cansado da política de Hollywood e já fazia bastante sucesso
com meus projetos de equipamentos e vários objetos para filmes.
Então, eu queria experimentar a minha mão desenhando coisas
para o mundo real. Não estou falando de torradeiras ou liqüidificadores,
mas o mundo real do entretenimento, com as dimensões da Disney.
Walt Disney sempre foi um herói para mim, e toda vez que eu
visitava a Disneylândia ficava fascinado com os processos por
trás do desenho daquelas atrações. Dois colegas de classe,
que cursaram a faculdade comigo, estavam na Disney. E quando eu
saí da Paramount, liguei para um deles e perguntei se havia
vagas para "imagineers" [uma junção das palavras
"imagination" e "engineer"] na Disney.
"Imagineers", claro, são os "engenheiros da
imaginação", os projetistas das atrações dos parques. E
meu colega me incentivou a ir até lá com meu portfólio.
Trabalhar lá foi uma boa experiência. Não foi ótima,
porque havia a frustração de eu não ter nenhuma
credibilidade. E me pareceu que, depois de ter trabalhado dez
anos em Hollywood, sendo reconhecido no mundo todo, eu não
precisaria começar do nada como "imagineer". Claro,
eles tinham várias pessoas brilhantes trabalhando lá, criando
aquelas atrações. E eles olhavam para mim como que dizendo,
"você não criou nenhuma atração" e, portanto, eu
precisei abrir meu caminho como se fosse uma criança recém-saída
da escola. Então, houve essa frustração da minha parte. Mas,
no geral, a atmosfera era muito criativa e todo mundo lá é um
ótimo artista. Não há pessoas medíocres trabalhando lá,
todos eles têm grande talento. Então, estar naquela atmosfera
foi estimulante.
TB - De qual projeto específico
você mais gostou enquanto esteve na Disney?
Probert - Eu fiquei lá só quatro anos. A Disney
estava contratando muitas pessoas para trabalharem em grandes
projetos. Conforme os projetos começavam a ficar prontos, eles
iam deixando as pessoas pelo caminho. Trabalhei muito na Euro
Disney World e nos projetos da Discovery Land. Trabalhei também
no parque aquático que a Disney propôs para a cidade de Long
Beach, que fica perto de Los Angeles. Houve também algumas
atualizações na Tomorrow Land, no parque da Disneylândia.
TB - A Euro Disney não fez
tanto sucesso quanto a Disney World, nos Estados Unidos. Por que
você acha que isso aconteceu?
Probert - Eu adoraria entender por que aquele parque não
fez tanto sucesso. Eu acreditava que fosse fazer. Foi o parque
mais planejado que a Disney já fez. Todas as possibilidades
foram consideradas na construção daquele parque. Todas as lições
aprendidas nos outros parques foram colocadas em prática na
Euro Disney. Por exemplo, a rua principal sempre ficava lotada
com desfiles. A Euro Disney tem um caminho paralelo atrás das
lojas, para que você possa sair pelo outro lado da loja e
evitar a multidão. Fiquei surpreso ao saber que o parque não
estava indo bem. Acho que houve algum misterioso mal-entendido,
por parte dos europeus, quanto à concepção e finalidade
daquele parque de diversões.
TB - Fale um pouco sobre o que
você está fazendo agora. Há algum projeto em andamento?
Probert
- No momento, estou em contato com os produtores da nova "Battlestar
Gallactica". Houve um anúncio de que estavam trazendo
essa série de volta. Então, estou em contato com os produtores
e diretores da série para saber da possibilidade de eu ir
trabalhar com eles, atualizando o visual.
TB - Mas ainda não há nenhum
acordo, há?
Probert - Não há nenhum acordo ainda. A última notícia
que tive foi a de que eles estavam em conversações com redes
de TV para vender a série e que voltariam a entrar em contato
comigo. É só o que sei.
TB - Existe alguma coisa que você
criou, para Jornada nas Estrelas ou para qualquer outro
projeto, que você aperfeiçoaria se tivesse a oportunidade?
Probert - Muito boa pergunta... Se eu pudesse melhorar
alguma coisa, o que eu faria? (Alguns segundos de silêncio) Não
consigo pensar em nada. Provavelmente aquela nave de guerra
Romulana, eu gostaria de melhorar as proporções, mas os fãs
gostam do jeito que está, então não vou discutir.
TB - Você participa de convenções
de Jornada?
Probert - Eu ia sempre a convenções. Eu tinha um
show de slides de duas horas. Mas agora não vou a convenções
como projetista de Jornada porque não quero que as
pessoas pensem que estou tentando chamar atenção. É que eu não
quero que as pessoas olhem para mim e pensem, "Nossa, já
faz dez anos que ele saiu da Nova Geração e ainda
participa de convenções". Infelizmente, não estou estou
envolvido em nenhum projeto que seja tão criativo. Se
me selecionarem para a nova "Gallactica", aí
eu adoraria ir às convenções para falar sobre esta série,
pois seria um projeto atual, e isso seria ótimo. Eu ainda
recebo convites para participar de convenções, mas imponho uma
condição: vou como um projetista que por acaso trabalhou em "Star
Trek", "Battlestar Gallactica", "De
Volta para o Futuro" e outros projetos.
TB - Ah, você trabalhou em "De
Volta para o Futuro"?
Probert - Sim.
TB - É certamente um ótimo
filme. O que você projetou para ele?
Probert - Fiz o desenho final do carro, o logotipo, a
capa dos quadrinhos. E fiz várias storyboards...
TB - Você acredita haver
esperança para um "De Volta para o Futuro 4"?
Probert - Não sei. Fiquei impressionado por ter
havido o 2 e o 3. E todos foram tão bons. Geralmente, uma seqüência
não é tão boa quanto o original, mas os três filmes "De
Volta para o Futuro" são muito bons.
TB - Você conhece o Brasil?
Probert - Sim, conheço. Fui a Brasília e fiquei
muito impressionado. E minha tia acaba de visitar o Brasil, mas
não lembro qual cidade. Era uma cidade pequena... Mas além
disso, sei muito pouco sobre seu país. É um país que eu
gostaria de visitar algum dia.
TB - Talvez você pudesse vir
para falar sobre "Battlestar Gallactica".
Probert - (Rindo) Sim, eu adoraria ter essa
oportunidade.
TB - Muito obrigado pela
entrevista.
Probert - Eu é que agradeço. Foi um prazer conversar
com você.
Acesse o site de Andrew Probert no seguinte endereço:
http://members.tripod.com/~DesignR/index.html