Começando pelo começo, o que
é fan-fiction?
Fan-fictions são histórias baseadas numa série de televisão,
filmes, ou livros, entre outros, com um único diferencial: são
escritas por fãs. Embora a maior parte delas seja escrita em
formato de prosa ou conto, existem pessoas que escolhem escrevê-las
como se fossem roteiros. Pode-se encontrar histórias curtas (por
volta de mil palavras), bem como algumas que chegam a alcançar e
até ultrapassam a marca de 50 mil palavras.
As fan-fictions que conhecemos hoje começaram a surgir nas décadas
de 1960 e 1970, através das APA (Amateur Publishing Associations)
e dos fanzines. Diversos autores consagrados de Jornada nas
Estrelas começaram a escrever em fanzines, tais como Peter
David, Susan Garrett, A.C. Crispin e Jean Lorrah. Mas foi só com
o surgimento da internet que a prática de se escrever fics se
propagou no mundo todo.
Ok. Agora já sei o que é uma
fic. Quero escrever uma, o que devo fazer?
Escolha o universo onde se passa a
sua história (no caso de Jornada nas Estrelas, pode ser a Série
Clássica, A Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager,
Enterprise, ou até um crossover de várias séries ou
ainda um ambiente nunca antes mostrado), o enredo e mãos à obra.
Ler outras fan-fictions também ajuda, principalmente para se ter
idéia do que as pessoas escrevem e de como elas escrevem. Além,
é claro, de seguir adiante e terminar de ler esse Pequeno Manual.
Falar é fácil, mas como eu
posso me tornar um escritor melhor?
Dez entre dez sites especializados em fan-fictions respondem à
pergunta da seguinte forma:
Escreva.
E escreva um pouco mais.
Ah sim! Escreva.
Eu já lhe disse para escrever?
Brincadeiras à parte, escrever sempre é a melhor dica para quem
quer fazê-lo bem. Pratique, mesmo que de início não esteja indo
muito bem. Você sempre pode voltar para trás, reescrever o que não
ficou bom ou apagar o que não gostou.
Além disso, é fundamental que se leia quantas vezes forem necessárias
e que se vá editando a cada nova leitura. Seja mudando uma
palavra que não se encaixa bem, acrescentando um diálogo, uma
descrição ou corrigindo erros de digitação e gramática. Sim,
pior do que erros de digitação são erros gramaticais. Escrever
bem não contempla somente saber colocar bem uma idéia, mas colocá-la
da forma correta. Fan-fictions com muitos erros gramaticais são
um convite para as pessoas desistirem de ler a história até o
fim. Se uma história fraca é ruim, uma história cheia de erros
gramaticais e palavras com a grafia errada é pior ainda. Não
tenha medo (ou preguiça) de consultar o dicionário cada vez que
tiver uma dúvida. O português não é uma língua simples, e dúvidas
quanto a grafia de palavras, principalmente quando envolvem ss, ç
ou s são totalmente normais.
Mas não se esqueça, é claro, de reler pensando na estrutura da
história, em como um determinado personagem age (está dentro do
que ele é na série? Ele faria o que você está escrevendo? Como
ele se comportaria em dada situação, o que ele falaria?).
Mais dois pontos importantes: um deles é definir em que tempo
verbal se passa a história, cuidando para não fazer uma salada
temporal à la Brannon Braga! A segunda coisa é com relação ao
ponto de vista de quem escreve. Defina isso e não mude no meio da
história, principalmente se ela for contada em primeira pessoa.
Algumas regras adicionais:
- Se o seu personagem tem que agir fora de seu perfil estabelecido
na série para que sua história funcione, então sua história NÃO
funciona.
- Coloque a qualidade do seu trabalho acima do seu ego: em outras
palavras, aceite as críticas e procure melhorar seu trabalho
através delas. Escritores de fan-fiction não são profissionais,
portanto não ache que, apesar de escrever bem, suas fics serão
perfeitas. Críticas construtivas são na maior parte das vezes
melhores do que elogios. É claro que você não precisa aceitar e
concordar com tudo o que uma pessoa está dizendo, mas não tome
críticas como um insulto pessoal. Agora, se você não for capaz
de olhar para seu trabalho criticamente, você nunca melhorará
como escritor.
- Aceite o fato de que nem todo mundo que pega numa caneta e começa
a escrever -- não importando quão boas sejam suas qualidades --
tem talento. É a dura verdade, mas nem todo mundo tem talento
para escrever. Você pode aprender alguns métodos, pode estar
bastante entusiasmado, ser uma pessoa maravilhosa, mas no fim,
algumas pessoas não são escritores. Sim, escrever fan-fictions
é coisa de fã, mas não é porque a sua motivação é amor, e não
amor e dinheiro, que seu trabalho não tem que ser o melhor possível.
Pense bem antes de publicar um trabalho seu na internet, dê suas
histórias para outras pessoas lerem, ouça suas críticas, seus
elogios, faça revisões, ou seja, faça o melhor trabalho que
puder.
Qual a diferença entre histórias alternativas, universos
alternativos e universos paralelos?
Histórias alternativas são aquelas que fogem em algum ou vários
pontos do que foi estabelecido nas séries, ou seja, fogem do que
seja canônico (estabelecido em filme ou episódio). Por exemplo,
em sua história Dax e Bashir já se conheciam da época da
Academia, mesmo que o episódio "Emissary" tenha
estabelecido que foi ali que se viram pela primeira vez.
Universos alternativos podem ser considerados aqueles envolvendo
os fatos ocorridos no episódio da Série Clássica "Mirror
Mirror" e em Deep Space Nine, "Crossover",
"Through The Looking Glass", "Shattered
Mirror", "Ressurection" e "The
Emperor's New Cloak".
Universos paralelos são dimensões paralelas simultâneas. Pense
como se fosse Jornada nas Estrelas encontrando "Sliders":
diversos universos paralelos, que em algum ponto divergiram do
universo cânone visto nos episódios. Também vale dizer que universos
alternativos tendem a ter diferenças com relação ao universo canônico
trazidas por um indivíduo, enquanto universos paralelos tendem a
envolver mudanças mais globais, como por exemplo, as que
aconteceriam se a estação Deep Space Nine não tivesse sido
retomada por Sisko em "Sacrifice of Angels", ou
se Sisko tivesse escolhido ir embora em "Emissary".
Que papo é esse de "Machucar/Confortar" (Hurt/Confort)?
"Machucar/Confortar" é um gênero de fan-fiction no
qual um personagem é ferido gravemente e essa experiência traz
esse personagem mais para perto de outro -- usualmente acabando
com os dois se envolvendo romanticamente. Um dos cenários mais
comuns de "Machucar/Confortar" envolve estupro/recuperação.
É também um dos gêneros mais comuns encontrado no cânone,
assim como em fan-fictions.
Como em histórias de "Mary Sue", "M/C" é
muito encontrado em autores novos e é frequentemente considerado
como uma fórmula que se tornou muito clichê e demasiadamente
usada.
Esse uso é comum pela natureza simplista da estrutura de história
e é muitas vezes visto como um meio de levar dois personagens a
se envolver romanticamente. O que não significa que não se deva
escrever fan-fics desse tipo. Com certeza existem milhares de histórias
envolvendo "M/C" que são muito bem escritas e que a
grande maioria gosta de ler.
Ei, peraí. Quem é essa tal de Mary Sue?
"Mary Sue" é o termo genérico usado para classificar
um personagem que se encaixe em uma das opções abaixo:
- uma versão ficcional do próprio autor;
- um personagem criado para ser o protagonista da história.
Nem todas as Mary Sues são "pecados". Mesmo que um bom
escritor cometa este "pecado", se enquadrando numa das
descrições acima, ainda se pode ter uma história que entretenha
e seja muito bem escrita. Alguns exemplos disso são:
O livro "The Romulan Way", de Diane Carey;
O episódio "Lower Decks", da Nova Geração;
O personagem Reg Barclay (interpretado por Dwight Schultz).
Entretanto, vale um aviso: o personagem Mary Sue escrito por novos
escritores costuma seguir o perigoso padrão de inserção do seu
próprio que possui as seguintes características:
- ele é perfeito. Literalmente. Todo mundo gosta dele, ele pode
consertar o núcleo de dobra com um palito e um sorriso,
independente do fato de não ser um engenheiro, ele tem uma
excelente voz para cantar etc.
- ele tem olhos violeta, treina artes marciais que faz com que
Trinity de "Matrix" pareça coisa de criança e
usualmente está dormindo ou é filho de alguém que todo mundo
conhece e ama.
- ele é teimoso, cabeça dura, e sempre ganha no final, e sempre
mostra a "eles" como o seu jeito é o melhor jeito.
Com relação ao gênero, não necessariamente Mary Sue é uma
mulher. "Harry Stu" tende a ser forte, lindo, tem todas
as garotas apaixonadas por ele, enquanto o capitão admira sua
coragem, entre outras qualidades.
Maries Sues existem no cânone também. Wesley Crusher é a Mary
Sue de Gene Roddenberry, Janeway é a da Jeri Taylor e Seven é a
de Brannon Braga. Eles variam em graus, e não são sempre
culpados por serem Maries Sues, mas exibem qualidades suficientes
para encaixar como uma luva nesse rótulo.
Oh, meus Deus! Venho escrevendo Mary Sue minha vida toda! Devo
parar de escrever para sempre?
Qualquer coisa que você escreva ajuda-o a tornar-se um escritor
melhor, então não é necessário se apavorar. A grande questão
de histórias de Mary Sue é que as pessoas que gostam de ler fan-fics
estão interessadas em ler sobre os personagens que elas amam e
conhecem, e não um desconhecido que chega do nada para salvar
tudo e todos.
Mas por favor, não perca o entusismo, tente coisas diferentes,
isso é sempre bom. Sem contar que nem toda história envolvendo
Mary Sue é ruim. Com certeza existem algumas muito boas e
interessantes.
Além disso, até profissionais escrevem suas Mary Sues, como por
exemplo o capitão Mackenzie Calhoun, da série "Star Trek:
New Frontier", do aclamado escritor Peter David. Calhoun tem
todos os clichês de uma Mary Sue!
O que é um "leitor beta" (beta reader), e onde posso
encontrar um?
Esse termo tem sua origem nos softwares. "Beta testers"
são pessoas que testam versões de um software ainda não lançado
oficialmente para encontrar bugs, dar sugestões etc. Basicamente,
os leitores beta são pessoas que se dispõem a ler as fics antes
de irem parar na internet. Eles podem ser muito importantes, pois
podem ajudar com a correção ortográfica, gramática, erros de
digitação, além de críticas construtivas sobre a história, os
personagens, o que funciona, e o que não funciona (e como
corrigir isso).
O Fórum do Trek Brasilis
pode ser com certeza um local excelente para se encontrar leitores
beta. É o habitat natural deles, para falar a verdade.
E então, o que está esperando? Vá até o Fórum,
poste a sua mensagem e espere pelas respostas!
Para terminar, quais são os 14 mandamentos do escritor
de fan-fics?
I. Quantidade não é sinônimo de qualidade -- histórias
muito longas não necessariamente são as melhores. Contos de até
mil palavras podem estar tão bem escritos que podem ser
considerados um sucesso. Portanto não se prenda ao tamanho.
Escreva aquilo que você acha que tem que ser, e não encha linguiça
só para parecer que sua história é bem trabalhada.
II. Se um personagem nunca chamou outro pelo apelido, ou
pelo primeiro nome, não é agora que ele o fará. Fique atento
com esse tipo de coisa, para que sua história não perca a
credibilidade. É claro que existem casos e casos. Durante um bom
tempo, Kira nunca chamou Sisko de Benjamin, para isso acontecer
uma primeira vez levou um certo tempo, e um amadurecimento do
relacionamento dos dois. Isso pode acontecer durante a sua história,
desde que bem embasado.
III. Evite colocar músicas do nosso tempo em suas histórias.
A não ser que seja extremamente inteligente e original. Sim,
existem exceções para cada regra, mas nesse caso elas são muito
raras. A não ser que você tenha uma razão sólida, ou um jeito
inteligente de utilizar esse velho clichê, fique longe.
Realmente é tentador utilizar aquela música favorita numa
determinada história, mas, no fim, existem tantas fics nesse
estilo que acabam sendo classificadas imediatamente de clichê. Não
que clichês sejam ruins, existem diversos episódios em Jornada
mesmo que abusam de clichês. Mas, podendo escrever algo original
e diferente do que estamos acostumados a ver nos episódios, por
que não?
Existe uma diferença com relação à música em fics. Primeiro,
ela pode ser usada dentro da história, e segundo, a história
pode ser baseada nela. Com relação à primeira, lembre-se de que
você precisa explicar muito bem por que um personagem de Jornada
iria se interessar por música pop do século 20. Por exemplo, é
sabido que Tom Paris tinha interesse pelas décadas de 1930 a 1960,
mas daí dizer que ele gosta de Beatles pode ser forçar a barra
um pouco demais. Portanto, pense bem antes de embarcar nessa!
Agora, se você acha que uma determinada música combina muito com
um personagem, tente, por exemplo, colocar a música ao final da
história, e não necessariamente no meio dela. Agora, se a história
pode ser levada sem um conhecimento prévio da música, na qual
ela se baseia, então talvez você nem precise dessa música!
IV. Ortografia conta.
V. Gramática conta mais ainda.
VI. Se você pesquisar sobre o que estará falando, com
certeza sua história será melhor construída. Trate o universo
de Jornada como qualquer parte de nossa própria história.
Se você fosse escrever um conto que se passa em Fortaleza, com
certeza você teria que pesquisar sobre a cidade, locais onde a ação
se passa, etc. Faça o mesmo com o universo de Jornada.
VII. Se você for escrever sobre viagens no tempo, seja
cuidadoso. Cuide para que você possa explicá-las, do contrário
os leitores ficarão confusos. Uma boa dica é examinar suas histórias
favoritas de viagem no tempo e estudar como elas funcionam (ou não
funcionam, na sua maioria).
VIII. Não se apresse para terminar uma história somente
para publicá-la numa certa data, ou para ser o
"primeiro" a escrever um tipo particular de história. Dê
o tempo necessário para que ela saia da melhor maneira possível.
IX. Não é porque uma história teve boa aceitação que
você precisa se sentir na obrigação de dar continuidade. Faça
isso apenas se você se sentir apto a escrever. Do contrário, a
história dificilmente terá a qualidade da primeira, e também não
será algo prazeroso para você mesmo. Como já foi dito antes,
coloque seu ego de lado nesse caso também.
X. Leia a história alto. Fazendo isso você pode saber
melhor se um diálogo está muito polido, ou se soa muito
estranho. Além disso, é um bom meio de se descobrir erros de
digitação, entre outros, que escaparam inconscientemente quando
se está somente lendo.
XI. Não tenha medo de deixar uma história de lado por um
tempo. Às vezes isso pode ser um poderoso instrumento, para dar
uma perspectiva nova ao que se vinha escrevendo. Quando se está
em cima de algo por muito tempo, fica difícil ter uma visão crítica
do seu trabalho. O mesmo vale para antigos textos, de seis meses,
um ano. Não há nada de mal em voltar neles após esse tempo e
melhorá-los redigindo alguma parte.
XII. Diálogo é crucial, e ser capaz de capturar o
"tom" de um personagem pode ser muito difícil. Cada
personagem tem um estilo de falar, um comportamento,
sensibilidades. Gaste tempo assistindo a seus episódios favoritos
e preste bastante atenção no que o personagem diz, em como ele
diz e quando. Ter ouvido para diálogo não é fácil assim, nem tam
pouco um talento que possa ser adquirido facilmente. Portanto,
trabalho duro, observação e até mesmo roubar pedaços de diálogos
de episódios podem ser o caminho para esse aprendizado. Leia o
que você escreveu, e se pergunte, "fulano falaria
isso?" Preste bastante atenção para a escolha de palavras e
como elas são ditas.
XIII. Se uma história empacar e simplesmente não estiver
funcionando, não se preocupe. Deixe-a de lado por um tempo e
retome mais tarde. Quem sabe você consiga seguir em frente. Se
ainda assim não funcionar, não se desespere, nem todas as idéias
funcionam. Abandone esse e parta para outra. Mas guarde aquilo que
já foi escrito, sempre poderá ser aproveitado em algum momento!
Você nunca sabe quando pode achar um jeito de fazer a história
funcionar.
XIV. Tenha sempre em mãos um caderninho de anotações
para escrever pedaços de diálogos ou idéias que eventualmente
possam surgir enquanto você está na aula, no trabalho, no ônibus,
ou em casa na cama. Você nunca sabe quando a inspiração pode
aparecer!
Este Pequeno Manual foi escrito
em sua maior parte com base no FAQ
do site Star
Trek Voyager: Lower Decks. Inclusive, lá você pode encontrar
diversos links para outras páginas que tratam dos assunto aqui
abordados, além de páginas com dicas de como escrever melhor (em
língua inglesa, é claro). |