Capítulo
2 - Consolidando um conceito
A decisão
de voltar ao passado de Jornada nas Estrelas
Mesmo depois que os rumores de Flight
Academy e sequências além do século 24 passaram a ser menos
constantes, demorou para que o conceito escolhido por Rick Berman
e Brannon Braga, então apelidado "Nascimento da Federação"
("Birth of the Federation"), se consolidasse como a
verdade por trás da cortina de fumaça.
A primeira vez que a idéia surgiu foi no segundo semestre de
1999. Segundo as fontes espalhadas pela internet, a dupla
apresentou diversas vezes essa premissa antes que fosse aceita
pela Paramount. Em determinado momento, havia sido divulgada uma
suposta mudança dos produtores em sua proposta original para
incluir um vilão do século 29 que voltava no tempo para impedir
o surgimento da Federação, em pleno século 22.
O estúdio também chegou a encomendar vários testes de audiência
com premissas distintas, que incluíam a velha idéia da Academia
e a pré-sequência de Braga e Berman. Brannon chegou a confirmar
a existência desses testes, mas reiterou que apenas um dos
conceitos vinha da dupla.
"Obviamente, isso é verdade", ele disse ao Sci-Fi
Wire em abril de 2000. "Eu honestamente não posso dizer
muito porque não tenho nada a ver com isso. Isso é algo que a
Paramount está fazendo. O teste de conceitos, particularmente em
algo que é um franchise, eu entendo que é um procedimento bem
normal. Eles estão testando várias coisas."
Entretanto, os rumores de que o conceito de Braga e Berman
estivesse ligado ao passado do futuro, ou seja, uma época que
antecedia todas as outras séries de Jornada, ficavam cada
vez mais fortes. Em 4 de abril de 2000, o site TrekToday
reportou que finalmente o presidente da Paramount Television,
Kerry McCluggage, havia aprovado a idéia dos dois para uma série
pré-Clássica.
Em 25 de abril aparecia a primeira sugestão de que essa série se
passaria em uma Enterprise --uma mais antiga que a NCC 1701 de
James T. Kirk. Em 10 de junho, a Paramount registraria os domínios
de internet StarTrekEnterprise.com, .net e .org, dando uma boa
pista sobre o nome da nova série e sugerindo que os rumores agora
pareciam estar caminhando na trilha certa.
Em meados de setembro, após Brannon Braga fechar um contrato
milionário com a Paramount para desenvolver não só a nova série
de Jornada como também projetos próprios, a dupla de
criadores já trabalhava no roteiro do episódio piloto de duas
horas. O estúdio entretanto mantinha silêncio total quando o
assunto era a nova série. Essa política não iria mudar até que
fosse impossível conter o segredo.
Conforme a pré-produção foi iniciada, nos primeiros meses de
2001, ficou claro que Rick Berman contrataria muitas das pessoas
que serviram bem ao franchise ao longo dos últimos anos. Os
designers Herman Zimmerman e John Eaves estavam de volta, para
criar o interior e exterior da "nova" Enterprise. Merri
Howard também voltaria como Produtora Supervisora. Michael
Westmore continuaria criando suas maquiagens alienígenas
mirabolantes, como já fazia há mais de uma década, assim como
Robert Blackman, que continuaria desenvolvendo o vestuário do
franchise. Michael Okuda permaneceria criando e supervisionando a
arte de cenários.
Entretanto,
nem todo mundo estava de volta. Rick Sternbach, designer que
iniciou sua relação com Jornada no primeiro filme para
cinema e esteve permanentemente no estúdio desde a primeira
temporada de A Nova Geração, concluiu seu trabalho no
episódio final de Voyager, "Endgame", e não
foi chamado de volta.
"Eu já tinha ouvido que Eaves estava sendo colocado para
trabalhar nos designs da Série V antes de fecharmos o
departamento de arte de Voyager, e eu simplesmente esperei
para ouvir se eu seria requisitado para o novo programa enquanto
concluía o trabalho em 'Endgame'. Quando o pedido não
veio, eu terminei de empacotar minhas coisas e decidi passar a
outros projetos. Ninguém do escritório de produção ou de outro
departamento de arte fez algum contato comigo sobre a nova série,
a favor ou contra, o que é decepcionante apenas no sentido da
falta de profissionalismo da parte deles. Outros membros da equipe
também relataram experiências semelhantes", conta Sternbach.
Com a equipe trabalhando a todo vapor nos novos designs, uniformes
e cenários, restava encontrar os elementos principais da nova série:
os atores que dariam vida aos personagens. Foi nesse momento que o
segredo acabou sendo revelado.
O site TrekToday conseguiu
obter uma cópia da lista de elenco enviada às agências de
atores dos EUA sobre a nova série. O documento, liberado em 4 de
março de 2001, dizia exatamente o seguinte dos personagens:
Capitão
Jackson Archer: Quarenta e poucos anos. Atlético.
Personalidade audaciosa. Intensamente curioso. Nascido e crescido
como um explorador. Ao contrário dos capitães da Frota dos séculos
seguintes, ele exibe um senso de contemplação e empolgação,
assim como uma pequena trepidação sobre as coisas estranhas que
encontrará. Ele tem restrições contra os Vulcanos, que ele
considera estarem reduzindo o progresso da humanidade. Mas sua
oficial de ciências é Vulcana, e ele está lutando para
reconsiderar seus preconceitos. Embora ele tenha um forte senso de
dever, ele é um tipo renegado --ele não teme questionar ordens
ou mesmo desobedecê-las se ele achar que está certo.
Sub-comandante T'Pau: Fim dos 20 ou começo dos 30 anos. Fêmea
Vulcana. Austera, mas ainda sensual. Ela é a oficial de ciências
designada para acompanhar o progresso da humanidade a bordo da
Enterprise. Embora seja cuidadosa e defensiva entre humanos, que
ela considera primitivos e irracionais, ela desenvolveu um certo
respeito pelo capitão Archer. Ela se tornará um de seus mais
leais e confiáveis tripulantes.
Comandante Charlie 'Spike' Tucker: Engenheiro-chefe. Trinta
e poucos anos. Um sulista que gosta de usar sua personalidade do
"campo" para desarmar as pessoas. Ele tem um impulsivo e
sarcástico senso de humor. Spike foi escolhido a dedo pelo capitão
Archer, que é algo como um mentor para ele. Embora Spike seja um
brilhante engenheiro e um excepcional oficial, ele tem muito pouca
experiência com culturas alienígenas, e costuma ser um
"peixe fora d'água" quando lidando com novas civilizações.
Doutor Phlox: Alienígena exótico. Oficial médico. Parece
estar na casa dos 40 anos, mas não estamos certos de sua idade
real. Phlox fala com um sotaque levemente alienígena e tem um excêntrico
senso de humor que ninguém entende direito. Ele acha a humanidade
fascinante. O médico encheu a enfermaria com todo tipo de
instrumento médico bizarro, plantas alienígenas e esporos, uma câmara
de stasis com pequenas criaturas vivas. Ele pratica um tipo de
"medicina intergaláctica", como nunca vimos antes. Isso
faz a mais rotineira visita à enfermaria uma aventura inesperada.
Tenente Joe Mayweather: Piloto. Afro-americano. De 25 a 30
anos. Um produto singular da vida no século 22, Mayweather
cresceu em naves de carga. Como resultado, Joe é mais
"interestelar" até que o capitão. Ele viajou para
dezenas de planetas e conheceu muitas diferentes espécies alienígenas.
Mayweather tem um "instinto" para viagem espacial que
poucos humanos têm. O amigo mais próximo de Joe é Spike.
Semelhantes em idade e espírito, esses dois irão gastar suas
horas fora do trabalho procurando novas formas de apreciar a vida
no espaço.
Tenente-comandante Malcolm Reed: Oficial de armamentos.
Britânico. Entre 25 e 35 anos. Na nova era da iluminação da
humanidade, Reed é um pouco como um retardatário. Ele é um
"soldado" do século 22, direto, polido e seguidor das
regras. Reed é cheio de contradições. Apesar de sua quase
obsessão por munição, ele é simpático, tímido e embaraçado
com as mulheres. Quando testando uma nova arma, ele costuma
colocar um par de tapa-ouvidos da era espacial, pois não gosta de
barulho alto.
Alferes Hoshi Sato: Oficial de Comunicações. Japonesa. De
25 a 30 anos. Arrebatadora e inteligente, Hoshi tem um espírito
mal-humorado que costuma testar a paciência da tripulação. Ela
está a cargo das comunicações na Enterprise, mas também serve
como tradutora da nave. Uma especialista em exolinguística, ela
aprendeu a manipular suas cordas vocais para emitir uma ampla
categoria de sons alienígenas que nenhum humano jamais produziu.
Ela tem uma afinidade natural para aprender línguas. Hoshi não
gosta da idéia de ser presa em uma "lata de metal" em
velocidades impossíveis. Toda vez que a nave entra em dobra ela
se segura no console e fecha os olhos.
Silik: Fim dos 30 anos, começo dos 40. Alienígena.
Fisicamente ágil. Um dos líderes dos Suliban, uma espécie
mortal obcecada com melhoramentos genéticos. Nosso vilão. (Nota:
Silik é descrito como um personagem recorrente).
Almirante Forrest: Humano. Entre 50 e 60 anos. Um militar
de carreira que possui o maior posto na Frota. Ele aprecia o capitão
Archer e o escolheu pessoalmente para comandar a Enterprise.
(Nota: Forrest e todos os outros personagens daqui em diante são
não-recorrentes, e escalados apenas para o piloto)
Almirante Leonard: Humano. Entre 40 e 50 anos. Um oficial
de alta patente na Frota que serve diretamente sob o almirante
Forrest.
Comandante
Williams: Humano. 50 anos. Um temperamental oficial da Frota
que serve como adido do almirante Forrest.
Embaixador Soval: Vulcano. Entre 60 e 70 anos. Um sábio e
arrogante diplomata que tem pouca paciência com o capitão
Archer.
Tos: Vulcano. 50 anos. Assistente do embaixador Soval. Ele
compartilha o desdém de Soval para com a cultura humana.
Quando divulgada, a lista causou enorme efervescência entre os fãs.
Apareceram diversos relatos negando a veracidade do documento, e
outros tantos confirmando. O TrekToday
foi catapultado para a fama, após ser citado em noticiários de
emissoras locais da UPN, no site da CNN e na prestigiada revista
"TV Guide".
Aos poucos, esses veículos de imprensa deram mais e mais
credibilidade ao relato, mas a dúvida persistiu até o anúncio
oficial. O TrekToday,
entretanto, sempre afirmou absoluta certeza de que seu documento
era legítimo.
A lista, classificada por muitos fãs como uma cópia carbono dos
personagens da Série Clássica, não foi bem recebida. Até
o último momento alguns fãs se recusaram a acreditar que a nova
série seria uma pré-sequência no século 22. Enquanto isso, os
produtores estavam mais preocupados em escolher seus atores --e
escolher bem. Considerando a importância de ter um elenco forte,
começando pelo capitão, eles buscaram alguém com renome para
liderar a nova Enterprise. E eles encontraram Scott Bakula, ator
veterano de ficção científica, que ficou famoso por seu papel
na série "Quantum Leap".
Após
intensas e difíceis negociações (segundo algumas fontes, o ator
teria pedido uma pequena fortuna e poder de veto em roteiros),
Bakula acabou fechando contrato para estrelar a nova série. Mas,
por incrível que pareça, encontrar o capitão não foi tão difícil
quanto escalar sua primeiro-oficial.
T'Pau deveria assumir na nova série uma das funções de Seven of
Nine em Voyager --ser a "gata" de Jornada.
E, como Rick Berman já testemunhou quando da escalação de Terry
Farrell para interpretar Jadzia Dax em Deep Space Nine, é
difícil encontrar uma atriz estonteantemente bonita que seja
capaz de atuar bem.
A
busca foi incessante --T'Pau foi o único personagem que exigiu um
segundo pedido às agências de atores dos EUA, feito em 18 de
abril. A atriz Marjorie Monaghan, uma veterana de ficção científica
televisiva, com créditos como a líder rebelde das colônias
marcianas em "Babylon 5" e com uma participação em Voyager
como a viking Freya, no episódio "Heroes and Demons",
chegou a disputar o papel, que acabou ficando com Jolene Blalock,
uma atriz "quente", mas com poucos créditos de atuação.
Enquanto os produtores faziam ajustes finais no roteiro, trocando
nomes de personagens (Joe virou Travis, Jackson virou Jonathan,
T'Pau virou T'Pol) começavam a surgir na internet os primeiros
comentários sobre o enredo do piloto, que mostraria o primeiro
contato com os Klingons. Uma resenha extremamente negativa foi
publicada no site Ain't It
Cool News, acompanhada alguns dias depois por uma resenha
totalmente otimista no TrekToday.
Mesmo assim, sem uma confirmação oficial, todos os rumores
poderiam ser apenas um castelo de cartas a se desmanchar a
qualquer minuto. Em Voyager, os episódios finais estavam
sendo exibidos, e eles também já davam algumas pistas sobre a
nova série, embora de forma mais sutil do que a introdução que A
Nova Geração forneceu a Deep Space Nine, e esta a Voyager.
Em "Friendship One", conhecemos uma sonda enviada
da Terra em 2067, apenas quatro anos após Zefram Cochrane
inventar o motor de dobra. No episódio, a Voyager era enviada
para resgatar essa sonda, perdida no quadrante Delta, o que deu a
oportunidade perfeita para diálogos comentando os primórdios da
exploração espacial, antes da formação da Federação.
Em
outra referência à atividade espacial pré-Federação, em "Homestead"
vemos Neelix promover uma festa pelo 315º aniversário do
primeiro contato da Terra com os Vulcanos, feito logo após o vôo
de Cochrane. As pistas estavam todas lá, apontando para um período
anterior ao nascimento da Federação. Mas, claro, ninguém
aceitaria isso como verdade antes de uma confirmação oficial da
Paramount.
E ela veio --em cima da hora. Apenas a quatro dias do início das
filmagens do episódio piloto, iniciadas em 14 de maio de 2001, o
estúdio enviou uma nota à imprensa revelando o novo projeto: a série
Enterprise, em uma nova nave comandada pelo capitão
Jonathan Archer, a ser interpretado por Scott Bakula.
Nos dias que se seguiram mais detalhes surgiram. O elenco completo
(que incluía John Billingsley, Linda Park, Anthony Montgomery,
Dominic Keating e Connor Trinneer), com seus respectivos
personagens, mais nomes envolvidos na produção e o horário de
exibição da nova série. Entretanto, somente quando a UPN
apresentou oficialmente sua nova programação aos anunciantes, no
dia 17 de maio, em Nova York, todos ficaram sabendo
definitivamente o que era Enterprise --a primeira série de
Jornada a não levar as palavras "Star Trek" no
nome. "Star Trek - Enterprise" seria redundante, segundo
o estúdio e os produtores.
"Vocês
são testemunhas de uma série que garante atenção,
reconhecimento, ansiedade e, mais importante, sucesso instantâneos",
descreveu Tom Nunan, presidente da UPN, aos anunciantes e
representantes de emissoras afiliadas.
"Ambientada no século 22, quase 150 anos antes de James T.
Kirk e apenas a 100 anos de agora, Enterprise nos introduz
aos dias pioneiros da exploração espacial, onde viagens
interestelares estão em sua infância, e um universo --e o
desconhecido-- carrega tanto perigo como vislumbre", disse
Nunan, ecoando a nota à imprensa divulgada pela UPN no mesmo
evento.
"Apropriadamente, a tripulação da Enterprise exibe um senso
de vislumbre assim como uma pequena trepidação sobre as coisas e
os seres estranhos que encontrarão. Estando entre os primeiros a
explorar o espaço profundo, eles terão de provar que estão
prontos para a vida entre as estrelas", afirmou.
"Liderando a tripulação está o capitão Jonathan Archer, o
protótipo dos capitães da Frota Estelar que virão. Ele é
audacioso, intensamente curioso e ansioso por se aventurar onde
nenhum homem jamais esteve. Ele tem todas as características que
qualquer astronauta da Nasa hoje precisaria para liderar uma
tripulação para os céus sobre os quais eles apenas leram e
estudaram antes."
O presidente da rede exibiu um vídeo promocional que contava um
pouco da história de Jornada e introduzia Enterprise
com um slogan bem à la Episódio I de Star Wars: "A
fronteira final tem um novo começo".
Nenhuma
imagem do novo programa foi exibida, mas o vídeo incluía um
tratamento do título Enterprise, tal e qual ele apareceria na
telinha nas apresentações do programa. No pequeno segmento, porções
de entrevistas com o produtor-executivo Rick Berman e outros
membros de equipe eram intercaladas com clipes das séries e
filmes de Jornada.
"Jornada está meio que imersa na mente das pessoas.
Está por aí já há 35 anos", disse Rick Berman. "Não
há ninguém lá fora que não tenha ouvido falar de um torpedo
fotônico, ou um Klingon, ou 'Beam me up Scotty' ou velocidade de
dobra. É parte da nossa cultura, e eu acho que a familiaridade
com ela é algo que é muito confortável às pessoas."
"O que é importante sobre Enterprise é, é uma nave
de exploração, e o vôo espacial --o vôo espacial interplanetário--
ainda é uma coisa bem nova nessa era", disse Marvin Rush,
diretor de fotografia da nova série. "O motor de dobra já
estava por lá há algum tempo, mas não muito. A tecnologia de
transporte é também bem nova, e enquanto já é provada
eficiente, nem todo mundo no mundo confia nela."
A respeito do interior da nave do século 22, Rush disse: "Os
controles são mais táteis, mecânicos. Os botões --você
precisa apertá-los, quer dizer, eles não são telas de
toque". "A humanidade está aprendendo sobre outras
culturas, outras sociedades espaciais. É um tempo de descoberta,
de quem realmente somos, onde nos encaixamos, no cosmos."
Herman Zimmerman também participou do vídeo. Sobre a premissa,
ele comentou que "basicamente estamos recebendo muita informação
sobre o que há fora da nossa região da galáxia dos Vulcanos".
Berman concluiu dizendo que "Jornada sempre
representou uma visão muito positiva do futuro, e muita ficção
científica não fez isso. E eu acho que isso significa muito para
muita gente".
Durante o resto de sua apresentação, Nunan apontou que cada
spin-off de Jornada foi lançado com uma audiência
espetacular. "Cada versão do franchise de Jornada nas
Estrelas sai da plataforma de lançamento em dobra espacial,
com os retrofoguetes à toda, deixando para trás a competição,
vivendo longamente e prosperando." Restava saber se Enterprise
iria sobreviver às expectativas.
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