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Os novos 'produtores' de Enterprise

Fred Dekker é produtor-consultor. Antoinette Stella é produtora. Stephen Beck é editor-executivo de histórias. Andre Jacquemetton e Maria Jacquemetton são editores de histórias. Podemos, entretanto, resumir a posição de todos esses profissionais de Enterprise em uma única palavra: roteiristas.

Todos eles foram contratados para escrever episódios para a série, numa tentativa de trazer o tal do "sangue novo" que Jornada estava tanto precisando. Mas os ostentosos cargos que cada um deles acabou ganhando mostra que não foram só os fãs que Rick Berman e Brannon Braga precisaram convencer, ao dizer que Enterprise era o caminho certo para o franchise. Ao que parece, esses roteiristas precisaram ser seduzidos com posições de chefia e altos salários para embarcarem na mais nova investida da Paramount no universo trekker.

Na prática, todos eles estão subordinados a Rick Berman e, especialmente, Brannon Braga, que coordena as duas equipes de roteiristas --ou seja, é como se fossem mesmo simples roteiristas. Entretanto, os títulos dão maior importância e experiência, e recheiam seu currículo, estabelecendo novos padrões para futuros empregos na indústria do entretenimento. Uma vez produtor, sempre produtor, é o que acaba acontecendo.

O engraçado é que, até onde eu sei, isso nunca ocorreu antes em Jornada --alguém chegar à equipe já na condição de produtor (exceto, é claro, quando o profissional havia sido contratado especificamente para exercer essa função, como o hoje todo-poderoso Rick Berman). Normalmente, os roteiristas precisavam batalhar anos e anos para galgar as escadas do poder e chegar às posições que Michael Piller, Ira Steven Behr e Brannon Braga já ocuparam, no topo da chefia do programa.

Andre Bormanis, por exemplo, que trabalha em Jornada nas Estrelas desde A Nova Geração como consultor científico, recebeu sua promoção: virou roteirista. Phyllis Strong e Mike Sussman, dois roteiristas que se integraram à equipe no fim da sexta temporada de Voyager, agora são editores-executivos de histórias. Essas subidas de cargo representam uma evolução e uma recompensa para os que sobreviveram à transição do século 24 para o século 22, mas empalidecem quando colocadas ao lado dos cargos de "produtor disso" ou "quase produtor" que o pessoal que veio de fora do franchise acabou abocanhando.

Pode ser até que a turma da velha guarda não esteja satisfeita de ter de aturar novos chefes, que nunca trabalharam no franchise antes, mas o que está ficando claro durante a primeira temporada da série é que a decisão de Berman e Braga --trazer novos roteiristas para a série, a qualquer preço-- foi das mais acertadas. A turma antiga, ao que parece, não está mais conseguindo criar muitas novidades.

Isso inclui os dois criadores. Rick Berman e Brannon Braga foram responsáveis pelas histórias dos cinco primeiros episódios da série, dos quais quatro eles mesmos roteirizaram. Tirando o piloto, que normalmente tem qualidade incomparável aos demais episódios por ser aquele que expressa o conceito da série e vai vendê-la aos executivos das televisões e do estúdio, os outros episódios criados pela dupla deixaram a desejar.

"Fight or Flight", o segundo da série, é o melhorzinho, mas ainda carece de inovações e deu algumas forçadas de barra. "Strange New World", "Unexpected" e "Terra Nova", apesar de cada um ter alguns pontos fortes que o impeçam de ser uma desgraça total, estão tão recheados de clichês e conveniências para que "tudo acabe bem a bordo da Enterprise". Todos eles (à exceção, talvez, de "Terra Nova") se baseiam nos tais "high-concepts" que Brannon tanto adora --episódios com uma premissa simples e direta, que se faz apenas da observação das reações dos personagens a uma dada situação.

Ou seja, nada que fugisse muito à fórmula com que Jornada havia sido tratada em Voyager. Para a "mudança radical" que Rick Berman estava prometendo antes da estréia da série, ainda faltava muito.

Felizmente, conforme os episódios exclusivamente concebidos por Berman e Braga foram acabando, as portas de Enterprise foram novamente se abrindo às novidades. O episódio que se seguiu a "Terra Nova", "The Andorian Incident" é uma co-criação da dupla com Fred Dekker, e roteirização exclusiva do último. Não é à toa que está sendo considerado pelos fãs até agora como o melhor episódio da série (pau a pau com o piloto "Broken Bow"). Além de introduzir os Andorianos, uma das raças mais queridas e menos vistas de Jornada, o segmento abriu um novo arco para Enterprise, que provavelmente irá culminar com a fundação da Federação.

Na sequência, temos a estréia de Andre e Maria Jacquemetton como criadores de episódios --"Breaking the Ice" é o nome da criança. E nele vemos algo que não dava as caras no franchise desde o final de Deep Space Nine: bom e sólido desenvolvimento dos personagens.

O lado científico do episódio, envolvendo a exploração de um cometa, é muito bem cuidado e ajuda a fornecer ação ao episódio. Mas o grande tema é o relacionamento entre humanos e Vulcanos, representado em nível pessoal por meio de Charles Tucker e T'Pol. O episódio mostra T'Pol pela primeira vez como um personagem genuinamente interessante e cheio de nuances --um efeito digno de obra-prima, em se tratando de um Vulcano! Além disso, oferece uma participação ao menos digna para cada um dos sete personagens. Nada mal, para quem nunca havia escrevido um episódio de Jornada antes.

Os dois últimos episódios restauraram a minha fé em Enterprise, que começava a se esvair após as primeiras semanas de segmentos apenas regulares. Parece que esses roteiristas vieram mesmo para salvar o franchise. E Berman e Braga certamente perceberam sua importância, tanto que estão permitindo que eles levem adiante os grandes arcos da série. Além de Dekker ter aberto o arco da Federação, a Guerra Fria Temporal passou às mãos de Stephen Beck e Tim Finch, dois ex-roteiristas da série "Seven Days" que agora trabalham para Enterprise.

Portanto, vamos todos dar às boas-vindas aos nossos novos "produtores".

Salvador Nogueira, jornalista, escreve regularmente sobre
a nova série de Jornada nas Estrelas para o
Trek Brasilis