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'Broken Bow': arcos ou flechas?

Alguns detratores de Rick Berman e Brannon Braga dizem que a dupla, atualmente no comando dos rumos de Jornada nas Estrelas, faz questão de ignorar tudo que Gene Roddenberry havia estabelecido sobre o vasto universo nascido do seriado original, produzido entre 1966 e 1969. A cada dia que passa, fica mais clara a impressão de que esses críticos, como diria Zagallo, terão de engolir.

Quando Gene tentou empurrar sua série de ficção para os executivos da NBC, em meados dos anos 60, sua definição curta e grossa do programa era de uma "'Caravana' para as Estrelas" ("Caravana", ou "Wagon Train", era um antigo programa de faroeste que narrava as aventuras da conquista do oeste americano). E ele não estava mentindo: a Série Clássica guarda inúmeras semelhanças com o gênero western, que foi a coqueluxe do cinema americano naqueles tempos de ouro de Hollywood.

O que ninguém poderia prever é que o faroeste pode estar fazendo um retorno triunfal a Jornada, com Enterprise. Duvida? Ouça essa história: um jovem herói resgata um inimigo seriamente ferido e decide levá-lo de volta a seus iguais, em uma tentativa de estabelecer a paz. Se você pensou que esse é o enredo "Broken Bow", episódio-piloto de Enterprise, errou. Tente "Broken Arrow".

É isso mesmo, a história-base de "Broken Bow" é a mesma de um filme de faroeste de 1950, chamado "Broken Arrow", ou, em português, "Flecha Quebrada". A produção, dirigida por Delmer Daves e estrelada por James Stewart, conta uma história ambientada em pleno velho oeste.

No filme, somos levados de volta a 1870. Nosso herói, Tom Jeffords (James Stewart) é chamado pelo coronel Bernall (Raymond Bramley) para juntar-se a ele em uma missão para expulsar o chefe Cochise (Jeff Chandler) da área da montanha Graham --um plano recusado imediatamente por Jefords --um soldado que já havia combatido os índios antes em batalha, mas que estava à procura de uma "outra" solução para interromper a guerra selvagem e sangrenta entre os brancos e os Apaches. Ele acaba curando um jovem índigena seriamente ferido, e decide levá-lo de volta a sua tribo, em busca de uma solução pacífica para o conflito.

Ele decide aprender a língua dos Apaches e tentar entender seu modo de vida para entrar em um acordo com o grande Cochise, líder da tribo Apache Chiricahua. No encontro, os dois homens se tornam amigos por que ambos são 'sinceros'. Jeffords fez Cochise 'pensar sobre o amanhã', e por que irmãos não poderiam viver em paz?

Então Cochise aceita a proposta e permite que os mensageiros americanos, antes bloqueados e capturados, passassem livremente pelo teritório Apache, mas mantém seu desejo de permanecer combatendo o exército americano. Felizmente, o general Grant, em Washington, queria mais. Ele enviou seu enviado especial, o genral Howard (Basil Ruysdael) para concluir em seu nome um tratado de paz com os Apaches. Cochise, em um ato de boa vontade, "quebra a flecha" para tentar o caminho da paz por três "luas" (o nome indígena de Jeffords era "Três Luas").

A luta é suspensa, um armistício é iniciado e um tempo de grande sofrimento para Jeffords começa. Ele se apaixonou por uma índia chamada Sonseeahray (Debra Paget), com quem ele ia se casar. Mas indígenas renegados liderados por Geronimo (Jay Silverheels) e brancos contrários à paz atacam a noiva, matando-a. Sua morte não foi em vão, entretanto. Ela serviu para selar um tratado de paz após dez anos de guerra cruel.

É óbvio que, olhado de perto, o enredo não é exatamente o de "Broken Bow". Mas mesmo assim, levando em conta a premissa inicial dos dois --o estabelecimento de boas relações entre dois povos a partir da devolução de um inimigo ferido--, é difícil acreditar que seja apenas coincidência. Afinal de contas, além do enredo, o nome é bastante parecido --até no sentido. "Broken Bow", ou "Arco Quebrado", é quase como "Flecha Quebrada". Troca-se apenas a bala pelo revólver...

Como todos já devem saber, "Broken Bow" começa com a queda de uma nave Klingon, perseguida por membros de uma raça denominada Suliban, na Terra. O Klingon, embora sobreviva ao ataque inimigo, acaba sendo vítima de um fazendeiro local, após deixar sua nave, espatifada sobre os campos de milho nas proximidades de Broken Bow, uma cidadezinha no Estado de Oklahoma, EUA.

O capitão Jonathan Archer resgata o Klingon ferido e é ordenado pela Frota Estelar a levar o alienígena de volta a seu mundo natal, apesar dos protestos dos Vulcanos, contrários à viagem. Por fim, a devolução do Klingon, após intensos combates com os Suliban, parece dar um primeiro passo de aproximação entre terráqueos e Klingons.

No meio do caminho, descobrimos que os Suliban estão sendo instruídos por um ser do futuro distante, envolvido em uma espécie de "guerra fria" temporal, onde o século 22 é apenas um dos fronts, no que promete ser um dos grandes arcos no futuro desenvolvimento da série (e um dos grandes perigos para o futuro do franchise também).

As informações que apareceram na internet (de onde, inclusive, fãs engendraram a hipótese de que "Broken Bow" tenha sido inspirado por "Broken Arrow") dão a entender que o nome do episódio é uma referência simples ao nome da cidade onde o Klingon se acidenta. Mas como pode constatar o leitor, parece haver mais sobre o título do que o que se encontra à primeira olhada.

Se o piloto de Enterprise foi ou não baseado em um faroeste de 1950, somente o tempo (conforme ele for exibido) ou os produtores poderão dizer. De qualquer modo, muitas outras críticas estão sendo feitas, com relação ao piloto, sobre uma eventual quebra da canonicidade (a "história oficial") de Jornada nas Estrelas.

O exemplo mais gritante é o do primeiro contato com os Klingons, que segundo Picard, no episódio "First Contact" (quarta temporada da Nova Geração), teria sido catastróficos, sugerindo a criação da Primeira Diretriz. Não parece ser o caso aqui. Por outro lado, as críticas de que o primeiro contato não poderia ser em 2151 não são corretas.

Embora McCoy sugira que os Klingons já são inimigos da Federação há 50 anos em 2268 ("Day of the Dove", terceiro ano da Série Clássica), isso não quer dizer que eles tenham sido inimigos desde o primeiro contato, que, se fosse este o caso, teria ocorrido apenas em 2218. É bem verdade que, juntando a frase de Picard à frase de McCoy, apostaríamos em um primeiro contato em 2218, já belicoso e agressivo, entre a Federação e os Klingons. Mas suposições não são fatos. E o que veremos em Enterprise, gostando ou não, serão os fatos sobre os quais só podemos supor atualmente.

É como disse um fã outro dia em um fórum de discussão de um site americano: "como não vamos saber que todos os personagens que vimos desde a Série Clássica não tiravam só 'D' no curso de história do colegial?"

Vamos torcer apenas para que Rick Berman, Brannon Braga e sua equipe também não tenham tirado só "D"s em história... principalmente, em história do futuro.

Salvador Nogueira, jornalista, escreve regularmente sobre
a nova série de Jornada nas Estrelas para o
Trek Brasilis