por Luiz Castanheira



 









 

Capítulo 1 - A Volta do Velho Oeste
Em 1991, Jornada fazia 25 anos e comemorava com estilo


Jornada nas Estrelas teve três grandes picos de popularidade na história da franquia. O primeiro grande momento havia ocorrido em 1986, com o sucesso mundial do filme "Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa" (um dos fatores que possibilitou a estréia da turma de Picard e cia. na telinha, um ano depois). O terceiro só viria em 1994, com o fim de A Nova Geração na TV seguido pelo encontro de Picard e Kirk em "Jornada nas Estrelas: Generations" (impulso definitivo para o lançamento da série Voyager, juntamente com a estréia da rede própria de TV da Paramount, a UPN, em janeiro do ano seguinte). Mas, entre esses dois momentos, houve o ano de 1991, quando se comemorou 25º aniversário de Jornada -- e a data festiva veio acompanhada de grandes novidades. 

Aos 25 anos de idade, a criação de Gene Roddenberry dava mostras de maturidade, e mesmo os conflitos entre os fãs das gerações de Kirk e Picard pareciam coisas do passado. A Nova Geração teve a sua maior média de público em sua quinta temporada, e o encontro de Spock com Picard e Data em "Unification" foi um grande sucesso --a conclusão do episódio até mesmo simbolizava um literal elo entre as tripulações das duas Enterprises.

O sexto filme de Jornada para o cinema foi uma conclusão digna e emocionante da saga da tripulação original, tirando o gosto ruim do filme anterior da boca dos fãs. Sua cena de encerramento (através do monólogo de Kirk) "passa a tocha" entre as gerações de uma forma sutil e tocante.

Em um ambiente de alta popularidade e de satisfação entre os fãs, os executivos da Paramount (obviamente) tiveram a idéia de produzir uma nova série de Jornada nas Estrelas para TV (a ser distribuída em syndication, como vinha sendo com A Nova Geração) para lucrar com a situação. Tal série deveria ter exibição concorrente com a série de Picard e cia. por uma temporada e meia e, após a ida da Nova Geração para o cinema, continuar sua vida na tela pequena. 

Antes de examinarmos as conseqüências de tal decisão dos executivos da Paramount, cabe registrar que, de todas as séries "modernas" de Jornada, apenas Enterprise não foi precedida por um "boom" de popularidade da marca (muito pelo contrário, ela foi lançada frente a um momento de baixíssima popularidade). Só o futuro poderá responder se a série de Archer e cia. poderá reverter a situação e levar a um outro marco de grande popularidade da franquia ou não.

No final daquele ano, Brandon Tartikoff (então um dos "cabeças" do estúdio) procurou Rick Berman (então pleno produtor-executivo de A Nova Geração) e o incumbiu do desenvolvimento da nova série. O falecido (e extremamente querido no meio televisivo) Tartikoff sugeriu que o conceito de "Rifleman" (um homem e seu filho tendo que viver juntos em uma cidade da fronteira do "oeste bravio") fosse considerado. O executivo fez claramente uma analogia com o modo como Roddenberry tentou vender a sua criação para redes de TV nos anos 1960 -- "uma caravana para as estrelas" ("A Wagon Train To The Stars").

Berman recrutou imediatamente na época Michael Piller (então também um produtor-executivo em A Nova Geração e possivelmente o mais importante nome de toda a era moderna --pós-1987-- de Jornada nas Estrelas na TV) para ajudar na criação da nova série. Berman disse em várias entrevistas em anos posteriores que teve a bênção de Roddenberry para o desenvolvimento do projeto (embora a ex-secretária de Gene, Susan Sackett, declare em seu livro que o criador de Jornada teria ouvido a proposta de Berman e rechaçado). De um jeito ou de outro, não resta dúvida de que foi muito, muito perto do final da vida de Roddenberry --e ele já estava extremamente doente na época.

Para o "Forte" do conceito do velho oeste de Tartikoff, foi considerada por algum tempo uma base em um planeta, conceito descartado em razão de seus custos proibitivos. Uma estação espacial então se tornou uma escolha óbvia. A inspiração do "velho oeste americano" se fez presente em diversos aspectos do desenvolvimento da nova série, seja nos cenários da estação ou mesmo na caracterização de certos personagens. De fato o conceito inicial do "oficial de segurança" da nova série descrevia "alguém como Clint Eastwood".

Na época, Piller se dizia ao mesmo tempo bastante empolgado com a tarefa e muito nervoso com a responsabilidade, pois pela primeira vez uma série de Jornada seria criada por outro que não Roddenberry. Definitivamente o produtor não queria repetir algo que já havia sido feito nas duas séries anteriores, e o diferente formato permitiria tocar em aspectos inexplorados do universo de Jornada. Ainda assim, ele esteve sempre consciente da visão que Roddenberry tinha de sua criação (eles trabalharam juntos por cerca de três anos em A Nova Geração) a cada etapa do processo.

A principal idéia derivada do fato do palco da série ser uma estação espacial foi a de que acontecimentos de um episódio iriam naturalmente influenciar episódios posteriores. Devido à natureza estacionária do conceito, os personagens teriam que "lidar com as conseqüências de seus atos". Na época, Piller disse que comparar o formato entre uma série baseada em uma nave espacial e uma estação "é como comparar uma aventura de uma noite com um casamento". Tal noção norteou claramente o desenvolvimento da nova série. Faltava a Piller descobrir como introduzir conflito entre os personagens e ainda permanecer fiel ao espírito de Roddenberry.

O falecido criador acreditava que não deveria haver conflito entre os personagens de uma série de Jornada. Sem exceções, todos os regulares das duas primeiras séries eram oficiais da Frota Estelar e humanos em algum sentido (ou eram de fato humanos --integral ou parcialmente-- ou foram criados por humanos). Berman e Piller "reintepretaram" essa regra como se ela apenas estipulasse a impossibilidade de haver conflito entre oficiais da Frota Estelar. 

Daí surgiu a idéia de introduzir personagens não-pertencentes à Frota Estelar dentre os regulares, produzindo uma maior amplitude de possibilidades dramáticas e ainda permanecendo fiel (segundo a interpretação escolhida pela dupla) ao que pregava o criador de Jornada. Além dos personagens não quererem estar ali em primeiro lugar, a estação por si só já seria pouco convidativa. Um ambiente alienígena e um outrora lugar de opressão e escravatura (protagonizadas por Cardassianos e Bajorianos respectivamente), completamente diferente da Enterprise (fosse ela de Kirk ou de Picard).



Coube a Herman Zimmerman (que já havia trabalhado na primeira temporada de A Nova Geração e em filmes da marca para o cinema) combinar elementos do velho oeste com elementos góticos Cardassianos (do episódio "The Wounded", da quarta temporada de A Nova Geração) para produzir o distinto e instantaneamente reconhecível visual da estação e da série. Esta bizarra combinação de inspirações levou a um ar atemporal para tal "instalação".



Além dos Cardassianos, Piller decidiu que outras três raças introduzidas em A Nova Geração fossem trazidas a bordo da nova série. Os Bajorianos (de "Ensign Ro", da quinta temporada), os Ferengis (de "The Last Outpost", da primeira temporada), que tiveram algumas alterações, e os Trills (de "The Host", da quarta temporada), que foram tão modificados com relação ao seu conceito inicial que dele literalmente "só sobrou o nome" da raça. O objetivo dos ajustes era fazer com que essas raças aderissem de forma orgânica à identidade da nova série.

Piller não se contentara apenas com a possibilidade já conseguida de estabelecer conflito. Ele queria expandir de verdade o conceito do que se entendia por Jornada nas Estrelas na época. Para isto ele colocou juntos tipos nunca antes vistos em Jornada. Uma ex-terrorista Bajoriana, profundamente religiosa e com um ódio mortal dos Cardassianos. Um solitário transmorfo, obcecado por justiça e em encontrar o seu povo e que fora outrora um formal "feitor de escravos" para os Cardassianos. E um barman Ferengi que vivia de trambiques. O produtor também não poupou inovações (ao menos dentro do universo de Jornada) nos temas a serem abordados.



Guerra, política, fé e religião foram sempre assuntos examinados de forma "distante" em Jornada até aquele ponto. Agora eles se tornariam o núcleo de temas de uma série de tal marca. Seu oficial comandante seria o ícone religioso de uma raça querendo entrar para a Federação --o que seria facilmente posto de lado pela Primeira Diretriz nas séries anteriores foi feito parte integrante do personagem desta vez. Esse oficial comandante não seria um capitão, não teria uma nave para comandar (somente um monte de sucata Cardassiana caindo aos pedaços) e estaria muito mais preocupado em lidar com a ausência de sua falecida esposa e a criação do seu filho do que em estabelecer algum recorde de idade de chegada ao almirantado. E, além de tudo isso, ele seria negro. Piller não tinha medo de ousar e inovar, com idéias que vinham sendo incubadas desde que começou a trabalhar em A Nova Geração. Mas esse foi um plano de mudanças que ele não colocou em prática sozinho. 

O veteraníssimo roteirista de TV Peter Allan Fields, que serviu como editor de histórias na quinta temporada de A Nova Geração, foi trazido a bordo para a produção da nova série. Também recrutaram um novato, de nome Robert Hewitt Wolfe, que mal acabara de vender a sua primeira história para a turma de Picard e cia. Os dois se juntaram a Berman e Piller na parte criativa da temporada inaugural da nova série. Mas não foram os nomes de Fields ou de Wolfe os primeiros que vieram à cabeça de Piller quando ele percebeu que precisaria de ajuda em sua nova empreitada.

Ira Steven Behr se lembrou ao final da série, sete anos mais tarde, como foi o seu primeiro dia na produção de Deep Space Nine (que fez sua estréia em 4 de janeiro de 1993). Lembrou-se de não haver som nos monitores do estúdio nos primeiros dias de filmagem (não permitindo que os produtores vissem as cenas filmadas "do dia"), lembra também de ter que mudar o ator escalado para viver um certo vilão Cardassiano que não estava funcionando e dado o papel ao seu dono de direito. Behr participou da terceira temporada de A Nova Geração, mas acabou deixando a série por que não gostava (de uma forma geral) dos seus personagens, da falta de conflito e do grande número de soluções técnicas para os problemas que surgiam. O que poderia fazer Behr com os bizarros personagens que Piller criara?

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