É
fácil ser santo no paraíso... (Parte IV)
A completa história
dos Maquis
Voltamos
a ouvir sobre Eddington (e os Maquis) no clássico episódio da
quinta temporada de Deep Space Nine "For The
Uniform". Ben Sisko, ainda em sua caçada pelo traidor
(que já dura oito meses), chega a um campo de refugiados Maquis
em busca de um informante(de nome Cing'ta), quando é surpreendido
por Eddington armado, que explica que o senhor Cing'ta teve
"um pequeno problema" por ter traído os Maquis e não
poderá se
juntar a eles.
Após uma tensa conversa em que Eddington literalmente
"esfrega" a situação dos refugiados Maquis na cara de
Sisko, o Maquis se teleporta para sua nave em órbita, logo
seguido por Sisko, se teleportando para a Defiant. A Defiant segue
a nave do Líder Maquis para as Badlands, Sisko pede ajuda ao
capitão Sanders da nave estelar USS Malinche (com quem ele se
comunica através do recentemente instalado holo-comunicador) para
emboscar Eddington.
Porém, subitamente Eddington dá meia volta em sua nave e encara
a Defiant aparentemente de forma suicida, mas para surpresa geral
ele ativa um vírus que estava adormecido no computador (que ele
havia plantado quando ainda servindo como oficial de segurança em
DS9) da Defiant, deixando a poderosa nave a deriva no espaço
completamente indefesa. Sem perder a oportunidade de
"infernizar" ainda mais Sisko, ele ainda dá uns
"tirinhos" na Defiant e deixa a área. Sisko,
completamente humilhado, tem sua nave rebocada de volta à estação
pela Malinche.
O'Brien está informando a Sisko que a Defiant precisa de duas
semanas para ser reparada quando chega notícia à estação de
que os Maquis atacaram dois cargueiros Bolianos carregando
compostos químicos. Dax inicia uma análise tentando descobrir o
que os Maquis poderiam fazer com tais compostos. O capitão
Sanders visita Sisko e lhe comunica que a Frota Estelar está
retirando o caso Eddington das mãos de Sisko (devido à insatisfação
com seu progresso até agora) e passando para as dele. A razão
dada pela Frota Estelar é que quando Eddington está envolvido
Sisko é vulnerável: Eddington simplesmente o conhece bem demais.
Sisko somente pode desejar a Sanders "uma boa caçada".
Quando seu colega parte, Sisko fica em seu escritório
literalmente no fundo do poço.
Sisko descarrega seus punhos em um saco de areia e suas palavras
nos ouvidos de Jadzia:
- Em 25 anos de serviço, eu nunca fui retirado de uma tarefa --até
agora.
- ELE trabalhou como meu comandado por UM ANO E MEIO. Eu o via
quase todo dia --lia os seus relatórios-- e eventualmente o
convidava para jantar --e mesmo cheguei a levá-lo a um jogo de
Beisebol na holosuíte uma vez. E eu nunca percebi.
- É minha função ser um bom juiz de caráter. E o que eu fiz?
Eu não somente não percebi nada --eu ainda o recomendei a uma
promoção.
- E qual é a minha desculpa? Ele é um transmorfo? Não. Ele é
um ser com sete vidas de experiência? Não. Ele é um Profeta? Não.
Ele é só um homem. Como eu. E ele me tapeou.
Após este desabafo, Kira os chama ao Ops (Central de Operações
de DS9), informando-os de que os Maquis detonaram uma arma biogênica
(feita com os compostos químicos roubados) em um colônia
Cardassiana em Veloz I e que isto tornará o planeta totalmente
inadequado à fisiologia Cardassiana, mas não humanóide em
geral, em muito pouco tempo.
A Malinche está muito longe do local do ataque então Sisko
decide levar a Defiant "remendada com fita adesiva" para
o local do incidente, antes que Eddington tenha tempo de
"limpar" a DMZ (Zona Desmilitarizada) de todos os
colonos Cardassianos e montar novas colônias Maquis nos seus
ex-mundos. Porém novamente com a ajuda de falsas assinaturas de
dobra, Eddington consegue enganar Sisko mais uma vez, emboscar e
desabilitar a Malinche e ao final ainda envia a Sisko uma cópia
do livro "Les Miserables", de Victor Hugo, apontando as
semelhanças entre Sisko e o inspetor Javert, um inspetor francês
que perdeu 20 anos de sua vida caçando um homem chamado Valjean
(obviamente o próprio Eddington, segundo o seu raciocínio) por
este ter roubado uma fatia de pão.
Enquanto a Defiant assiste a Malinche em seus reparos, o Capitão
Sanders envia a Sisko uma mensagem codificada que eles
interceptaram durante o confronto com os Maquis. Odo (em DS9)
descobre que a mensagem é uma "canção de ninar Breen"
que ele intui (devido à sua prévia experiência com Eddington)
ser algum sinal para reagrupamento em alguma instalação Breen próxima
à DMZ.
Eles conseguem obter a rota de um cargueiro Maquis, deixando tal
instalação Breen, mas acabam chegando novamente tarde demais ao
seu destino, pois os Maquis já detonaram mais uma arma biogênica
na atmosfera da colônia do planeta Quatal. Eddington ataca uma
nave de sobreviventes Cardassianos que começa a cair em direção
ao planeta. Sisko não tem outra escolha senão ajudar os
Cardassianos e deixar Eddington escapar mais uma vez.
Sisko, estudando o livro "Les Miserables", entende que
em sua cabeça Eddington é um herói, e um herói sempre se
sacrifica ao final da história por um bem maior, quando preso em
uma situação cuidadosamente fabricada pelo vilão.
Então Sisko decide bancar o vilão. Ele emite um ultimato aos
Maquis, dizendo que vai lançar torpedos com ogivas contendo
resina de trilítio em uma colônia Maquis em Solosos III, o que
deixará o planeta não-habitável por mais de 50 anos para vida
humana, e recomenda que os colonos iniciem imediatamente os
preparativos para a evacuação.
Eddington se apresenta no local e diz que Sisko está blefando.
Sisko ordena o lançamento, Worf hesita mas abre fogo, a detonação
começa a devastar a atmosfera do planeta.
Sisko (continuando a bancar o vilão infinitamente cruel) ameaça
fazer o mesmo com cada colônia Maquis da DMZ. Eddington novamente
duvida (argumentando que Sisko não tiraria os lares de milhões
de pessoas) e Sisko manda a Defiant seguir no curso para o próximo
alvo.
Eddington oferece o retorno das armas biogênicas, mas Sisko força
até o fim, obrigando Eddington a se entregar.
De volta à estação, vemos já Eddington preso. Jadzia
cumprimenta Sisko pela manobra, mesmo sem ele ter tido aprovação
da Frota para efetuar o bombardeio. Jadzia também diz que às
vezes gosta quando os vilões vencem.
Na DMZ, relocações de emergência dos colonos são feitas para
dar conta das colônias atacadas.
Uma coisa o episódio "For The Uniform"
definitivamente não é; ele não é uma análise ideológico-política
das relações entre a Federação e os Maquis utilizando Sisko e
Eddington como microcosmos de tal estudo.
Acredito
que isto possa frustrar alguns espectadores, especialmente em função
do maravilhoso discurso de Eddington em "For The
Cause" e do quão verdadeiro ele soou em relação à
atitude geral da Federação quanto aos Maquis.
O que eu posso dizer em favor do aspecto temático do episódio é
que ao seu final fica "alguma coisa no ar" (chamem de
subliminar se quiserem) que parece apontar um dedo acusador para a
Federação, especialmente em face do quão extremo Sisko tem de
ir para capturar Eddington. Aparentemente a noção de Eddington
de que ele é o herói e Sisko é o vilão não foi introduzida no
episódio apenas com propósitos de entretenimento.
O que "For The Uniform" na realidade é: um
thriller de ação alimentado pela caçada obsessiva de um oficial
comandante a um subordinado seu que o traiu, sendo este
subordinado uma figura infinitamente simpática, nobre,
inteligente e astuta.
Neste termos, e propelido por diálogos absolutamente
sensacionais, o episódio beira a perfeição.
A direção de Victor Lobl (que depois dirigiria o LEGENDÁRIO
episódio "In The Pale Moonlight" da sexta
temporada) é excelente, principalmente em capturar as expressões
de Sisko nos momentos mais tensos, encenar brilhantemente a cena
do lançamento da Defiant "remendada com fita adesiva",
usar de forma dramaticamente interessante o holo-comunicador
(dispositivo que poderia ter caído facilmente no ridículo em mãos
menos gabaritadas) e principalmente manter a fluidez e o senso de
"convite ao espectador" em todo o episódio.
Grande parte do sucesso do episódio se deve à interação entre
Eddington e Sisko e neste quesito a dupla Marshall e Brooks se
apresentou de forma estupenda.
A obsessão de Sisko parece casar como uma luva tanto no
personagem quanto com o ator. Eddington parece envolvido em uma
tal aura de heroísmo que fica difícil de não simpatizar. Terry
Farrell também está no seu melhor como Dax e as interações
dela com Sisko são do tipo que SEMPRE funcionam.
Eddington mostra os refugiados a Sisko e exclama: "Eles são
humanos". Será que isto exprime algum tipo de conotação
racista a Eddington ou foi apenas uma linha não intencional?
Adorei o holo-comunicador. Não sei como não inventaram isto
antes.
A atuação de toda a tripulação da Defiant com metade dos
sistemas inoperantes durante toda a missão, especialmente durante
o lançamento, foi simplesmente CONTAGIANTE. MAS QUE TRIPULAÇÃO
SENSACIONAL!
Foi formidável (principalmente pela forma sutil como foi feita) a
referência de Dax ao episódio da segunda temporada "Blood
Oath", também escrito por Peter Allan Fields (roteirista
nas duas primeiras temporadas da série). Em "Blood
Oath", ela deixou o seu posto em DS9 e se juntou a três
Klingons (aqueles mesmos da série original de Jornada: Kor, Kang,
Koloth) para empreender uma missão de vingança.
A "análise" de Dax ao "Corcunda de
Notredame", também de Victor Hugo, foi não menos
sensacional.
Muito boa música. Eu sei que é difícil notar, mas repare bem na
cena em que Sanders comunica a Sisko que está assumindo a caçada
a Eddington e a cena em que finalmente Eddington se entrega, de
fato uma música bastante efetiva.
Nesta cena em que o capitão Sanders diz ter sido enviado para
render Sisko na caçada a Eddington porque o Comando da Frota
Estelar acredita que quando Eddington está envolvido Sisko é
vulnerável é um eco do que o próprio Eddington disse
anteriormente: "Eu estou no controle aqui." Grande drama
e a expressão de Sisko é simplesmente impagável.
É sempre um prazer assistir a Eric Pierpoint, aqui interpretando
o capitão Sanders. Eric é mais conhecido como o detetive George
Francisco de "Alien Nation".
Eu
realmente estava esperando que em algum momento Eddington jogaria
as atitudes de Kassidy Yates em "For The Cause"
na cara de Sisko. Boa oportunidade perdida aqui.
- Existe uma bobeada no roteiro (facilmente corrigível) pelo fato
de O'Brien informar que os transportes da Defiant estavam
inoperantes e mais tarde estes mesmos transportes serem utilizados
para transportar equipamento e pessoal para a Malinche e
sobreviventes Cardassianos.
Eu não gosto do fato de que a Dax fica pesquisando sobre os
compostos químicos e não percebe que eles poderiam ser usados na
fabricação de uma arma biogênica contra Cardassianos e quando
tal arma é usada, ela "descobre" que tal arma poderia
ser de fato fabricada em uma fração de segundo. Também
facilmente corrigível, mas um bocado ridículo.
Se eu entendi corretamente, o holo-comunicador necessita de
hardware especializado nos dois extremos da comunicação. Se isto
de fato é verdade, como Eddington conseguiu equipar uma nave
Maquis com um holo-comunicador?
Eu não acho que Sisko estivesse "ENLOUQUECIDO" e que
tenha usado "ALÉM DE FORÇA MORTAL EM ATOS DESUMANOS".
Eddington e os Maquis tornaram-se uma ameaça intolerável à
estabilidade da DMZ, com ataques a naves estelares e a utilização
de armas "destruidoras de biosferas". Aos leitores devo
lembrar que a Federação, pelos termos do Tratado (que até
aquele ponto não deu sinal algum de ter sido revogado), tem
reponsabilidade de defesa sobre estas colônias Cardassianas.
Sisko usou estritamente a força necessária para resolver a situação,
ele atacou um planeta colônia (ao contrário de um planeta com
grande população nativa), ele usou um agente biogênico (ao
contrário de um bombardeio de alguma arma "destruidora de
planetas", como ogivas de anti-matéria ou dispositivos
tricobalto), um com efeito extremamente retardado, para dar
oportunidade de evacuação à população local, e avisou do
ataque com antecedência.
E ele ao final do episódio não terminou (digamos) em um canto de
um quarto chorando, o que confirmaria que a caçada a Eddington o
teria atingido de forma brutal, esfacelendo seu senso de dever,
tornando-o um mero "Capitão Ahab". Ao final do episódio
ele estava sorrindo e fazendo piada, ele assumiu o controle, que
Eddington possuía no começo do episódio.
Corte marcial de Sisko? De forma alguma. Já pensaram no alívio
do comando da Frota com a prisão de Eddington (basta imaginar os
noticiários da Federação sobre Eddington nestes oito meses em
que ele liderou os Maquis)? Eu acho que Sisko ficou mais próximo
de ganhar uma medalha do que ser levado a julgamento.
Ao final, ficamos com um thriller de ação com brilhante execução,
diálogos maravilhosos, um senso residual de crítica a Federação
e algumas interessantes discussões (pós-episódio) sobre obsessão
e dever.
Continua...
Luiz
Castanheira é editor do Trek
Brasilis
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