É
fácil ser santo no paraíso... (Parte I)
A completa história
dos Maquis
A
história da humanidade está repleta de exemplos de povos que
tiveram que ser relocados por decisões políticas, por estarem no
"caminho do progresso e do desenvolvimento" ou no
"caminho da paz", de "superpotências" naquele
dado período de tempo.
Tal tema já até havia sido foco de episódios de Jornada no
passado (passado sendo considerado episódios feitos antes de
1994, antes da sétima temporada da A Nova Geração e da
segunda temporada de Deep Space Nine.
Então por que os episódios envolvendo os Maquis oferecem uma
diferente perspectiva em relação ao que havia sido feito
anteriormente? Este artigo tem por objetivo responder a esta
pergunta.
Ao contrário do que muitos pensam, os Maquis foram concebidos
para preencher a proposta básica da série Voyager: "Uma
nave da Frota Estelar perdida do outro lado da galáxia e duas
tripulações (uma da Frota Estelar e uma 'XXXXX') devem resolver suas diferenças
para sobreviver frente ao desconhecido e obter um caminho para
casa", onde o nome 'Maquis' entra no lugar do 'XXXXX'.
Desta
forma, a história pregressa dos Maquis foi estabelecida em episódios
de A Nova Geração e DS9, especialmente
"Journey's End" e
"Preemptive Strike", da sétima temporada
de A Nova Geração, e o
duplo "The Maquis", da segunda temporada de
DS9. No último,
pode-se observar os créditos de história para os criadores de Voyager: Rick Berman, Michael Piller e Jeri Taylor.
Por mais irônico que possa parecer, os Maquis não tiveram seu
melhor tratamento em Voyager (o mais correto seria colocar que em
Voyager eles tiveram o seu pior tratamento).
O conflito inicial entre as tripulações "Frota versus
Maquis" foi resolvido de forma muito rápida sem o
"payoff" dramático que uma situação como esta
necessita para ser considerada como realista.
Os personagens ex-Maquis tiveram suas motivações para se juntar
ao grupo e mesmo as conseqüências de tal adesão essencialmente
suprimidas de suas personalidades, e quando tais características
vinham à tona apareciam em situações aparentemente forçadas e
sem conseqüência.
Talvez os temas advindos de uma questão política tão importante
necessitem de uma dedicação, esforço e compromisso reforçados
- algo que aparentemente faltou aos roteiristas de Voyager (não só
no aspecto Maquis) durante toda a produção da série.
Mas uma coisa deve ser dita em favor dos roteiristas de Voyager:
os Maquis foram apenas uma forma de unificar sobre um único tema
(ou rotular em uma família de histórias), uma complexa e dinâmica
situação política que envolveu a maioria das grande potências
de todo o quadrante Alfa, uma situação política que Voyager
(por construção dramática da série) obviamente não poderia
tratar.
Os Maquis nasceram como um grupo organizado
de cidadãos da Federação quando do início de hostilidades
entre colonos da Federação e colonos Cardassianos na interior da
Zona Desmilitarizada.
Pelos termos do tratado assinado entre a Federação e Cardássia,
a fronteira entre as duas potências foi redesenhada e colônias
de um governo passaram a ser administradas pelo outro e vice-versa. Uma
situação extremamente volátil, se levarmos em consideração
que há menos de cinco anos estes dois governos estavam em estado
de guerra.
O tratado é citado pela primeira vez no episódio da sétima
temporada de A Nova Geração "Journey's End". Neste episódio, a
Almirante Nechayev (o "oficial superior recorrente de
Picard" nas últimas temporadas da série, especialmente em
assuntos envolvendo Cardássia e, por conseguinte, a DMZ) comunica
a Picard sobre o novo desenho das fronteiras e lhe dá a difícil
tarefa de mover uma colônia da Federação, agora localizada em
espaço Cardassiano.
Tal colônia (de Dorvan V) é formada por descendentes de uma
antiga tribo da América terrestre que deixou a terra para
encontrar um novo lar séculos atrás. Ao final do episódio os
colonos decidem permanecer (por suas profundas crenças no seu
relacionamento com sua terra) no planeta, agora sob administração
Cardassiana.
"Journey's End" é um episódio horroroso (assim como
metade da sétima temporada de A Nova Geração) que tem como único ponto
positivo introduzir o tratado e oferecer alguma experiência em
primeira mão sobre as conseqüências de sua assinatura.
A trama principal do episódio parece duvidar da capacidade do
telespectador de fazer o óbvio paralelo histórico entre esta
situação (de relocação) e outras que aconteceram no passado.
Por isso, ela faz questão de fazer dos colonos uma tribo de
nativos americanos (pelo amor de Deus!!!), com direito a uma
bizarra concepção de que Picard guarda um débito com os
nativo-americanos por atrocidades cometidas por um ancestral dele.
Na trama secundária, Wes em crise existencial (por aparentemente
razão alguma, pois o incidente na Academia do episódio
"First Duty", da quinta temporada de A
Nova Geração, parece ter sido
totalmente esquecido) reencontra o "Viajante" (dos episódios
"Where No One Has Gone Before", da primeira temporada de
A Nova Geração, e "Remember Me", da quarta temporada da
A Nova Geração) que
lhe dá uma "difícil" escolha de ficar e lidar com seus
problemas ou dar um bico em tudo e viajar com ele para explorar a
essência do universo. Eu preciso realmente dizer o que ele
escolheu?
(Um
outro detalhe é que o personagem Chakotay, de Voyager, tem um
passado similar ao dos colonos deste planeta, sendo que ele
abandonou a Frota Estelar para lutar ao lado dos Maquis em
circunstâncias análogas.)
Os Maquis foram retratados novamente em A Nova
Geração no excelente episódio
da sétima temporada "Preemptive Strike". Neste episódio,
Ro Laren (de volta à Enterprise com posto de tenente, após
terminar com honras um curso especial de táticas avançadas) é
recrutada pelo comando da Frota para uma missão de infiltração
em uma célula Maquis.
Conseguindo um lugar dentro do grupo, Ro começa a suprir falsas
informações para os Maquis, preparando-os para uma armadilha.
Entretanto começa a crescer a simpatia dela pela causa dos Maquis
e ela fica (cada vez mais) dividida entre seu dever como oficial
da Frota (ela dá especialmente importância à opinião de Picard
sobre ela, provavelmente Picard teve que "mexer alguns
pauzinhos" para conseguir a admissão dela neste
(supostamente extremamente concorrido) curso, estabelecendo
possivelmente uma relação mentor-pupila) e a lealdade a estas
pessoas que ela mal conheceu, mas com as quais partilha uma vida
de similaridades.
Ao final do episódio, ela decide que não pode levar os Maquis
para a armadilha, sabota o plano da Frota na última hora e se
junta aos Maquis. Ao receber a notícia pelas mãos de Riker,
Picard fica sozinho em seu escritório completamente devastado.
Ro Laren, apesar de ter aparecido tão pouco durante a série,
sempre foi uma das minhas personagens favoritas (de fato, Ro foi
introduzida no episódio "Ensign Ro", da quinta
temporada de A Nova Geração com a perspectiva de assumir o posto de
primeiro-oficial de Deep Space Nine, porém a atriz Michele Forbes
acabou brigando com a produção e a idéia não foi a frente).
O episódio funciona por causa de Ro Laren (cada atitude e linha
de diálogo soa verdadeira) e sua decisão final fecha de forma
ainda mais verdadeira o episódio. A cena final no escritório de
Picard é extremamente forte.
Você realmente sente a traição da personagem. É claro, sentiríamos
mais se o personagem estivesse mais presente durante a série, mas
sentimos infinitamente mais do que se um outro novo personagem
fosse introduzido somente para os propósitos do episódio (a là
Valeris em "Jornada nas Estrelas VI - A Terra Desconhecida").
Apenas elementos de trama (que infelizmente enfraquecem a
severidade da situação retratada) tiram o completo estrelato
desta jóia: a facilidade da infiltração de Ro e dois encontros
posteriores de Ro com Picard. Um a bordo da Enterprise e um outro
em que Picard vai ao seu encontro na colônia Maquis!!!
(Aparentemente, a Frota Estelar não desistiu de tentar infiltrar
alguém entre os Maquis, como atesta o piloto de Voyager,
"Caretaker", com Tuvok já infiltrado na célula de
Chakotay.)
Os
Maquis foram introduzidos um pouco antes de "Preemptive
Strike", no excelente episódio duplo da segunda temporada de
DS9 "The Maquis".
A temática Maquis tem de fato o seu lar em DS9, por ser um
assunto em que abundam: sólidos pontos de vista de todos os
envolvidos; situações extremamente tensas com real conflito, a
falta de respostas fáceis e escolhas que sempre vão chamuscar ao
menos uma das partes envolvidas no final; vilões (antagonistas)
realmente tridimensionais, com os quais nós podemos de fato
simpatizar e nos importar; e uma infinidade de tons de cinza.
Continua...
Luiz
Castanheira é editor do Trek
Brasilis
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