Julgamento apresenta klingons do século 22 em homenagem clássica
Sinopse
Data: Desconhecida
O capitão Jonathan Archer é levado a Qo’noS para se apresentar diante de uma corte klingon, sob a acusação de ter protegido rebeldes e fomentado rebelião no Império. Apesar de se declarar inocente, o tribunal não parece estar muito disposto a ouvi-lo. O humano é, então, levado a uma cela para aguardar o momento do julgamento.
Lá, ele recebe uma visita do doutor Phlox, que conseguiu autorização dos klingons para ir vê-lo sob a alegação de o capitão estar com uma doença potencialmente contagiosa. O médico conta que os alienígenas autorizaram a presença da nave em órbita até que o julgamento seja concluído e diz a Archer que T’Pol e Trip estão trabalhando em todas as alternativas possíveis para tirá-lo dali. O capitão passa a instrução de que a segurança da Enterprise deve ser prioridade máxima.
Phlox é, então, retirado para que Archer possa conhecer seu advogado de defesa: Kolos. Seu suposto defensor, entretanto, não parece muito interessado em conhecer a versão do capitão para o incidente que o levou ao julgamento, apenas instruindo seu “cliente” a não se manifestar.
A sessão começa e o promotor Orak, conhecido por seus sucessos em julgamentos anteriores, começa a apresentar seu caso contra Archer. Ele chama para depoimento Duras, ex-capitão da nave imperial Borthas, agora rebaixado de posto. O klingon alega ter perdido sua posição anterior após o encontro com Archer. Segundo sua versão, a Enterprise teria se recusado a entregar os fugitivos e, declarando morte ao Império Klingon, Archer teria iniciado um ataque, danificando o cruzador de batalha e escapando com os reféns.
Archer tenta se expressar e dizer que Duras mentia, mas é impedido por seu advogado e pelos seguranças da corte, que contêm o capitão com bastões elétricos. Quando chega a vez de Kolos apresentar seus argumentos, o advogado opta por não chamar ninguém para testemunhar, irritando ainda mais o capitão. O juiz põe a corte em recesso para que seja possível analisar os fatos apresentados.
Archer é levado de volta à sua cela e expressa a Kolos todo o seu descontentamento. O advogado diz que tudo que fazia era uma tentativa de poupar a vida do humano, dizendo que o magistrado havia concordado em excluir a pena de morte da sentença, caso o capitão dissesse à corte onde os renegados estariam escondidos. Archer se recusa, alegando que os alienígenas que a Enterprise resgatou eram apenas refugiados, pertencentes a um planeta anexado pelo Império, mas depois abandonado.
O capitão não consegue acreditar que Kolos possa agir tão complacentemente, diante das injustiças cometidas. Irritado, o klingon conta que nem sempre foi assim — houve um tempo em que as cortes estavam à procura de justiça e não eram apenas um instrumento útil à classe guerreira. Archer acaba por convencer Kolos de que ele precisa recordar esses fatos ao tribunal.
Incentivado, Kolos resolve defender ativamente seu caso, pedindo para chamar Archer para depor. O humano apresenta sua versão e seu advogado complementa, lembrando que Archer já havia interferido em assuntos klingons antes, evitando uma guerra civil engendrada pelos sulibans e salvando uma nave klingon à deriva. Segundo o defensor, Archer só seria culpado de interferir em questões que não lhe dizem respeito, mas não de fomentar a rebelião.
Sensibilizado pelos novos fatos, o magistrado decide comutar a sentença de morte. Em vez disso, Archer será condenado a passar o resto da vida nas minas de dilítio de Rura Penthe. Kolos fica revoltado com a decisão — que ele considera uma pena de morte camuflada — e protesta, mas isso faz com que o juiz decida condená-lo a acompanhar Archer em Rura Penthe por um ano.
Enquanto isso, a Enterprise é informada da decisão e instruída a deixar o território klingon. Trip quer promover uma tentativa de resgate de Archer, mas T’Pol diz que isso está fora de questão. Em vez disso, ela vai buscar meios diplomáticos junto ao Alto Comando Vulcano para obter a libertação do capitão.
Archer e Kolos são levados à colônia penal e passam por maus bocados lá, quando são surpreendidos por Malcolm Reed, que revela ao capitão que T’Pol teve sucesso e, via suborno de oficiais klingons ligados ao Ministério da Segurança, obteve uma forma de providenciar a fuga da prisão. Archer chama Kolos a ir com eles, mas o klingon decide ficar, na tentativa de um dia fomentar a restauração da honra e da justiça entre seu povo.
Comentários
Pode parecer que não, mas “Judgment” não é sobre Archer e o drama do sistema de justiça klingon. Em vez disso, trata-se de uma história sobre um personagem alienígena que foge ao paradigma clássico dos velhos vilões (e depois aliados) de Jornada nas Estrelas. Sem dúvida alguma, Kolos é o verdadeiro ponto focal da trama.
Por sorte, o ator encarregado de encarnar um dos mais interessantes e intrincados personagens a aparecerem em Enterprise até este ponto é extremamente capaz. J.G. Hertzler já havia feito fama no Império, interpretando o general (e depois chanceler) Martok, de Deep Space Nine. Apesar de ser sua segunda experiência como um klingon, Hertzler mostra muita capacidade para diferenciar seus dois personagens. Kolos e Martok são bastante distintos e a maquiagem de Michael Westmore também ajuda bastante a criar essa sensação de diferença, apesar do tom de voz sonoro e absolutamente característico do ator.
Kolos nos apresenta um outro lado do Império Klingon, um jamais visto na história de Jornada nas Estrelas: o dos “perdedores” da luta de classes interna que fez com que os guerreiros se tornassem os líderes absolutos daquela sociedade. De forma sutil e bem trabalhada, o episódio faz eco tanto aos klingons desonrados e até covardes da Série Clássica como ao governo viciado e corrupto do Império observado durante a Nova Geração.
Uma boa ponte de contato para estabelecer ainda mais firmeza nessa analogia é o uso do personagem Duras (muito provavelmente um ancestral do homônimo visto em A Nova Geração), que aqui é filho de Toral (em “Redemption, Part I”, no século 24, o outro Toral que é filho do outro Duras). E as referências não param por aí: a nave do Duras do século 22 é a Borthas, mesmo nome que tem a nave do chanceler Gowron no século 24.
Se essas referências à Nova Geração dão algum sabor aos detalhes da história, é óbvio que a principal fonte que serviu ao roteirista David Goodman foi o sexto filme para o cinema, A Terra Desconhecida. Tanto os procedimentos de um julgamento klingon quanto o estabelecimento de Rura Penthe foram fruto daquele longa-metragem.
Enquanto o uso do julgamento parece interessante e rende uma boa dose de nostalgia ao fã, a menção a Rura Penthe não parece tão adequada — afinal de contas, na época de Kirk, supostamente ninguém havia escapado da colônia penal antes. Ao fazer com que Archer se torne o primeiro a realizar a façanha, além de evidenciar o fato de que todos os tripulantes da Enterprise do século 23 parecem ter faltado à aula de história ao falar de Rura Penthe, o episódio acaba desmerecendo a fuga espetacular de Kirk durante o filme.
Aliás, se há um problema com esse episódio, é a forma como seu desfecho foi trabalhado. Claramente, o objetivo foi gastar todos os minutos disponíveis com o julgamento, que seria o foco dramático do episódio. A fuga de Rura Penthe foi só um pequeno arranjo de arte escapista para levar Archer de volta à Enterprise para o segmento seguinte. Com certeza, teria sido melhor deixar a fuga das minas para uma continuação, criando um bom episódio duplo, com tempo para desenvolver adequadamente a aventura e mostrar tudo que T’Pol precisou fazer, fora de tela, para obter a liberação de seu capitão.
Outro problema de ter usado Rura Penthe foi a escala desproporcional dos orçamentos de um filme e de um episódio de TV. As minas vistas durante A Terra Desconhecida são impressionantes, sombrias e extremamente realistas. Já os cenários de “Judgment”, apesar de serem bons para os padrões de um episódio médio de Enterprise, criam um contraste absurdo com o que foi visto no longa-metragem. Não engana de jeito nenhum, mesmo considerando que aquela é a Rura Penthe do século 22.
Felizmente, o problema não se repete com as cenas do julgamento. Várias trucagens de efeitos especiais ajudam a “ampliar” o ambiente para atingir um patamar similar ao visto no filme e os cenários reais em si são bastante trabalhados, assim como os figurinos e os ângulos de câmera cuidadosamente escolhidos por James Conway. Tudo isso consegue reproduzir de forma agradável e satisfatória a atmosfera de um julgamento klingon.
Depois de Kolos, é óbvio que o grande destaque do episódio é o capitão Archer. Scott Bakula mais uma vez consegue conduzir seu personagem a contento, usando as habilidades cada vez mais afiadas do capitão em manipular personagens que, de outro modo, acabariam agindo contra seus melhores interesses. Apesar de tudo isso, não há muito de importante para o capitão fazer e suas melhores cenas são justamente as que mostram com mais força o íntimo de Kolos, reforçando a impressão de ser este um episódio realmente “orientado a personagem convidado”.
Alguns problemas menores lidam com a consistência do enredo em si. Ninguém chega a saber, por exemplo, como Archer foi capturado pelos klingons e levado a julgamento, ficando difícil de acreditar que o Império, julgando o capitão humano, aceitaria tranquilamente a presença da Enterprise em órbita, sem conduzir nenhuma ação hostil contra a nave.
Apesar disso, seria mentira se eu dissesse que “Judgment” é um episódio desinteressante ou que não merece uma segunda olhada. Com suas referências interessantes, seus insights sobre os klingons do século 22 e a promessa de um desdobramento com “Bounty”, mais à frente, na temporada, o segmento é certamente um dos que valem a pena nesta sequência final do segundo ano da série. Com acertos e erros, mas ainda assim interessante.
Avaliação
Citações
“Klingons were once a great society, when honor was earned through integrity and acts of true courage, not senseless bloodshed.”
(Os klingons um dia foram uma grande sociedade, em que a honra era conquistada com integridade e atos de verdadeira coragem, não derramamentos de sangue sem sentido.)
Kolos
“So, are all humans like this?”
“Like what? Fair?”
“Stupid!”
(Então, todos os humanos são assim?)
(Assim como? Justos?)
(Estúpidos!)
Kolos e Archer
Trivia
- A música do episódio foi composta por Velton Ray Bunch, que trabalhou em Quantum Leap e já fez a trilha de episódios como “Silent Enemy” e “Marauders”. A gravação da trilha aqui ocorreu em 19 de março de 2003. As filmagens do episódio em si ocorreram de 17 a 27 de janeiro de 2003.
- O episódio tem um klingon chamado Duras, provavelmente um parente do Duras que participou da conspiração para incriminar o pai de Worf, conforme visto nos episódios “Sins of the Father” e “Reunion”, da Nova Geração.
- J.G. Hertzler é conhecido dos fãs de Jornada, tendo interpretado o general (e depois chanceler) Martok, em Deep Space Nine. Ele também apareceu como o capitão vulcano em “Emissary” (Deep Space Nine), como um transmorfo em “Chimera” (Deep Space Nine) e como um hirogen em “Tsunkatse” (Voyager).
- John Vickery apareceu em Deep Space Nine como o cardassiano gul Rusot. Ele já havia interpretado Andrus Hagan, em “Night Terrors” (A Nova Geração). Ele também participou da série Babylon 5, como o minbari Neroon.
- Daniel Riordan interpretou Rondon em “Coming of Age” (A Nova Geração) e um guarda em “Progress” (Deep Space Nine).
- O tribunal klingon foi construído para parecer com o que levou Kirk e McCoy a julgamento em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida. Outras referências a esse filme também aparecem, como a sentença de Archer à prisão perpétua em Rura Penthe.
- J.G. Hertzler gostou do novo trabalho. “O personagem que eu fiz em Enterprise é fabuloso, realmente fabuloso. Eu adoro Martok e o personagem que faço em Enterprise — claro, sou eu o fazendo — não é inteiramente livre de martokismos. Ele é um personagem bem diferente, ele é um advogado, não um guerreiro, mas ele tem o mesmo tipo de alma. O que ele acredita é no certo e no errado.”
- Para Brannon Braga, o resultado não poderia ter sido melhor. “‘Judgment’ foi um desses casos em que tudo se junta. Foi uma oportunidade para se debruçar em como os klingons eram durante esse período na história. A classe guerreira tomou o poder e começou a corromper uma grande sociedade e virá-la para uma direção imperialista. Foi um insight interessante da cultura klingon. Claro, a tragédia é que — como os fãs de Jornada nas Estrelas sabem — esse pobre rapaz, Kolos, está condenado, porque eles nunca vão mudar.”
Ficha Técnica
História de Taylor Elmore & David A. Goodman
Roteiro de David A. Goodman
Dirigido por James L. Conway
Exibido em 9 de abril de 2003
Títulos em português: “Julgamento”
Elenco
Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato
Elenco convidado
J.G. Hertzler como Kolos
Daniel Riordan como Duras
Victor Talmadge como Asahf
John Vickery como Orak
Helen Cates como primeiro-oficial klingon
D.J. Lockhart como guarda da cela
Granville Van Dusen como magistrado
Danny Kolker como guarda
Enquete
Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Nívea Doria