TOS 2×06: The Doomsday Machine

“Aquele que nunca falhou não pode ser um grande homem”

Sinopse

Data estelar: 4202.9

Ao responder um sinal de socorro da USS Constellation, a Enterprise encontra a nave da Frota Estelar emitindo um sinal automático de socorro, à deriva e seriamente avariada, o sistema estelar L-374 totalmente destruído e nenhum sinal do que teria causado tal evento.

Kirk vai a bordo da nave avariada, levando McCoy, Scott e um grupo de manutenção e lá encontram o interior da nave tão avariado quanto o exterior fazia presumir: motores de dobra inutilizados, bancos fêiseres exauridos, mas sem nenhum sinal da tripulação, morta ou viva. Kirk cogita se eles poderiam estar em algum dos dois planetas sobreviventes do sistema, mas Spock informa que nenhum destes fornece condições mínimas de suporte de vida.

Kirk e McCoy acabam encontrando o comodoro Matt Decker, oficial comandante da Constellation desacordado. Ele é reanimado por McCoy, mas acorda profundamente perturbado, falando sobre alguma “coisa” que teria atacado a nave. O diário de bordo de Decker retrata a mesma destruição encontrada pela Enterprise durante a busca da Constellation. Decker, em choque, tenta contar o que aconteceu e diz ter levado sua tripulação para o terceiro planeta do sistema, mas que este foi destruído pela “coisa” que atacou sua nave, matando a todos.

O relatório da equipe de Scott mostra que algo de muito poder conseguiu atravessar os escudos da nave, destruindo os geradores e desativando a antimatéria do motor de dobra. Decker tenta descrever a tal entidade, que ele chama de demônio, uma enorme arma de destruição em escala planetária. Essa descrição é confirmada por Spock, que, a bordo da Enterprise, concluiu através da análise dos dados da Constellation que esta foi atacada por uma máquina automática com incrível poder. Ao mesmo tempo, Spock informa que eles não conseguem mais entrar em contato com o comando da Frota devido a interferências nas comunicações e que a projeção do curso de tal arma passa por dentro de um território da Federação densamente povoado.

Decker é levado contra a vontade para Enterprise, enquanto Kirk permanece a bordo da Constellation. Entretanto, assim que ele e McCoy chegam a bordo, o devorador de planetas, conforme a descrição do comodoro, reaparece e passa a perseguir a Enterprise. Spock tenta manter distância e informa a Kirk o que pôde descobrir sobre o devorador. Ele tenta baixar os escudos para levar o grupo de Kirk de volta, mas, assim que os defletores são desativados, a nave é atacada, danificando os transportes e a comunicação.

Spock fica incapacitado de trazer o grupo avançado de volta e perde a comunicação com seus membros. Kirk manda que Scott tente recuperar o que for possível da Constellation para colocá-la em movimento, enquanto ele próprio tenta consertar a tela visual para tentar descobrir o que está acontecendo do lado de fora.

A bordo da Enterprise, Spock observa o devorador mudar de curso, passando a seguir na direção de Rigel, setor altamente populoso da Federação. Ciente da impossibilidade de confrontar o inimigo e sobreviver, o primeiro-oficial da Enterprise pretende manter distância e retornar quando possível para resgatar Kirk e seu grupo. Decker protesta e, contra a recomendação de Spock e de McCoy, assume o comando da Enterprise e ordena um ataque total ao devorador.

Enquanto Kirk e Scott vão tentando fazer seus milagres a bordo da Constellation, a Enterprise entra em alcance do devorador e é atacada. Mais uma vez contra a recomendação de Spock, que permanece em seu posto de primeiro oficial, Decker sustenta sua decisão. Kirk consegue consertar o visual externo bem a tempo de ver a aproximação de sua nave para enfrentar o devorador. Decker ordena fogo total, mas, como era previsto, os danos ao inimigo são insignificantes.

Kirk fica perplexo, sem saber o que acontece na ponte de sua nave, enquanto a Enterprise sofre outro ataque, perdendo defletores e causando falhas nos sistemas de energia da nave, além de várias baixas. A Enterprise começa, então, a ser tragada para dentro do devorador de planetas, mas Decker insiste em manter o ataque. Dessa vez, Spock usa o regulamento para demover o comodoro de sua intenção, ameaçando afastá-lo por insanidade, caso Decker não recue. O comodoro cede, mas, então, eles percebem que a nave não tem potência suficiente para se livrar do raio trator que a prende.

Kirk consegue colocar a Constellation em movimento e, graças a mais um milagre de Scott, disparar uma salva de fêiseres contra o inimigo, chamando a atenção para si e permitindo que a Enterprise se afaste. Decker, contudo, insiste em retornar à batalha. Spock insiste que ele deve abandonar a luta e tentar ultrapassar a interferência que impede as comunicações de longa distância para avisar a Frota sobre a máquina de destruição.

A tenente de comunicações consegue estabelecer contato com Kirk e, após muita insistência do capitão, Decker permite que ele fale com seu primeiro oficial. Kirk fica enlouquecido ao saber que foi o comodoro quem ordenou o ataque e qual é a situação da nave. Ela manda Sulu assumir posição defensiva, mas Decker quer retomar o ataque. Kirk manda que Spock assuma o comando, e o primeiro-oficial o faz, ameaçando prender o comodoro se necessário.

Decker finalmente cede, entregando o comando a Spock, que manda que ele se apresente à enfermaria para exames médicos e retorna para tentar resgatar Kirk. No caminho para a enfermaria, Decker ataca o segurança que o acompanhava, deixando-o desacordado e fugindo em direção ao hangar.

Sem saber do acontecido, Spock e Kirk combinam um ponto de encontro, enquanto Scott continua tentando consertar o que pode a bordo da Constellation. Decker rouba uma nave auxiliar antes que Spock possa impedi-lo. Ele planeja entrar com a pequena nave pela “boca” do devorador de planetas. Ignorando os apelos de Spock e Kirk, o comodoro segue com sua intenção original e, logo após entrar no devorador, a nave explode.

Enquanto Kirk lamenta a perda do amigo, Sulu informa que, após a explosão, houve uma pequena queda nas leituras de energia do devorador de planetas. Apesar de a queda ser mínima, o capitão imagina que, se repetir o plano de Decker usando a Constellation ao invés de uma nave auxiliar, a explosão possa destruir a arma. Com os transportes da Enterprise operando, eles levam de volta o pessoal de manutenção, deixando apenas Kirk e Scott a bordo da nave avariada. O engenheiro prepara a nave para explodir, deixando trinta segundos de atraso para que o capitão possa ser levado a bordo antes da detonação, e também deixa a nave.

Assim que Scott chega a bordo da Enterprise, o transporte falha e o engenheiro passa a concentra suas forças no reparo do aparelho, pois não há tempo para abortar o plano. Scott remenda o aparelho, enquanto Kirk se aproxima de seu alvo. Conforme planejado, ele aciona o detonador e pede para ser retirado da nave, mas o transporte falha novamente. No último segundo, Scott faz mais um milagre, conseguindo fazer o transporte operar e recuperando Kirk.

Na ponte, os sensores informam que o destruidor de planetas está fora de combate, destruído. O plano funcionou e a Enterprise retoma curso para uma base estelar próxima, a fim de executar os reparos.

Comentários

Não há como se debruçar sobre o legado da Série Clássica e não perceber o quanto seus enredos estiveram sempre ocupados em tratar de questões que dizem respeito ao “ser” humano. A jornada de TOS sempre foi uma jornada pelo éter que nos forma, ou do que se extrai de nós, e talvez isso explique a longevidade do legado dessa obra.

“The Doomsday Machine” é mais um exemplo desse legado. Ao trazer para a ponte da Enterprise um fragmento pequeno, mas importante do clássico livro de Herman Melville, Moby Dick. Tal qual o capitão Ahab fora atormentado pela lembrança do cachalote que havia decepado sua perna e seu orgulho, temos aqui, na figura do comodoro Decker, um homem do qual também lhe foi arrancado seu bem mais precioso e que anseia por vingança.

Se Ahab foi condenado pela própria arrogância e falta de visão, Decker não consegue suportar o peso de se considerar responsável pela perda das vidas das pessoas sob sua responsabilidade. Cada um a seu modo busca, através da vingança, a sua redenção ou penitência e esse é mais um tema que atormenta a alma humana desde tempos imemoriais, um sentimento nefasto, porém inerente à própria humanidade, que, com frequência, navega em complexos tons de cinza.

Isso traz o segmento para uma esfera que lida de forma brilhante com o tema, levando o espectador primeiro a se compadecer do martírio do comodoro, depois a odiá-lo por tomar o comando da Enterprise e colocar em risco a vida de seus tripulantes em nome dessa caçada, e, finalmente, ao perdão por seu ato de sacrifício final, o sacrifício de um homem que não consegue suportar o peso sobre seus ombros, um sentimento com o qual o espectador pode, em algum nível, ter algum tipo de empatia. Somente um roteiro brilhante conseguiria nos fazer percorrer esse carrossel de emoções em tão pouco tempo.

Os elementos que sustentam e expandem esse drama pessoal para uma história ainda mais significavam são vários. Em primeiro lugar, temos a nave estelar Costellation, nave irmã da Enterprise, mesma capacidade, com uma tripulação que podemos julgar igualmente eficiente e um oficial comandante reconhecidamente capaz. A imagem dessa nave vagando à deriva no espaço é uma forma de mostrar que as coisas podem dar errado — e não só nesse segmento.

É claro que sabemos que a nave, uma das estrelas da série, sempre conseguirá, de uma forma ou de outra, escapar dos perigos que lhe são oferecidos semanalmente, mas essa é uma forma eficiente de demonstrar à audiência os perigos por ela enfrentados, que aquela nave à deriva poderia ser a Enterprise e que seu alquebrado comandante poderia muito bem ser James Kirk — por que não? — o que tem o poder de causar certa apreensão ao espectador.

Essa decisão também permite que os cenários da Enterprise sejam usados para criar o interior da Constellation. Com isso, o espectador sabe exatamente onde está, o que facilita enormemente que a história seja contada de forma eficiente sem que seja necessário trazer maiores explicações a esse respeito, além de criar uma grande economia, é claro.

Notem que as cenas a bordo da Enterprise são todas na ponte, enquanto na Constellation ficam na engenharia ou na sala de controle auxiliar. Com isso, o espectador sabe imediatamente onde está ocorrendo cada ação de forma simples e eficiente, o que facilita a fluidez da história, que precisa alternar entre a ação nas duas naves.

Essa alternância nos leva a outra aposta vencedora do segmento, que é a divisão da ação em dois vetores totalmente diferentes. A bordo da Constellation, Kirk usa de toda sua sagacidade, junto à capacidade milagrosa de Scott, para, juntos, criarem condições de enfrentarem a ameaça que paira sobre eles. Do outro lado, temos o duelo entre um atormentado Decker e um frio e metódico Spock, que se digladiam de forma silenciosa, porém intensa durante os eventos que quase levam à destruição da nave.

Shatner e Doohan fazem jus a seus salários, desempenhando de forma muito eficiente seus costumeiros papeis. Aqui, Scott simplesmente está no lugar certo para mostrar toda sua competência técnica, um lugar onde Doohan realmente parece estar em seu elemento e onde o ator consegue nos fazer acreditar que seu personagem é tão capaz quanto Star Trek quer nos fazer acreditar.

Kirk, da mesma forma, apesar de afastado de sua nave, mantém o controle e toma as rédeas da situação, fazendo tudo ao seu alcance e usando de forma astuta todos os parcos recursos que tem à mão, juntando as peças que permitirão a solução final do segmento.

Mas é na ponte da Enterprise que acontece o grande embate. É onde o atormentado Decker e Spock se enfrentam num duelo tenso, no qual cada movimento de ambas as partes causa apreensão e um dos elementos para isso certamente é ver a Enterprise sob o comando de outro oficial comandante, algo que, a essa altura da Série Clássica, é quase um sacrilégio.

Chegando a Spock, talvez seja possível reconhecer esse como episodio fundamental para o vulcano, pois, em “The Doomsday Machine”, Leonard Nimoy consegue entregar todas as características que fariam de seu personagem um dos mais marcantes da história da TV. Aqui, o primeiro oficial da Enterprise mostra toda a sua frieza, competência técnica e inteligência tática para saber quando recuar e quando avançar, sua capacidade de comando, sua empatia e sua amizade com Kirk, sem jamais demonstrar uma reação que não seja cuidadosamente calculada. Aqui, podemos dizer que Spock finalmente está pronto.

Mas é fundamental frisar o merecido destaque do ator William Windom como o comodoro Decker para o sucesso deste segmento, numa atuação marcante, que consegue entregar todo o desespero e angústia de alguém que acabou de ser derrotado. Decker encarna o papel com maestria, alternando entre o desespero, a soberba e a obsessão e, tal qual Ahab a bordo do Pequod, não se importa em levar a Enterprise à ruína na busca de sua vingança e de sua redenção. Windom entrega uma performance intensa e emocionante, que tornaria Decker um dos personagens convidados mais lembrados da Série Clássica.

Olhando para os dias de hoje, o “canudinho” destruidor de mundos pode até parecer risível, mas, para a década de sessenta, episódios como esse sempre foram desafios técnicos para a equipe de produção. Muito embora o trabalho de remasterização deste episódio tenha melhorado a sua autenticidade, principalmente ao dar mais fluidez aos movimentos da Enterprise e mais destaque aos danos sofridos pela Constellation, é necessário afirmar que os efeitos originais cumpriram seu papel à época e conseguiram entregar o ambiente necessário para que a história fosse contada de forma eficiente. É fato, porém, que o sucesso aqui é ancorado em um roteiro eficientemente amarrado e em fortes atuações do elenco.

Com tantas coisas importantes acontecendo a bordo das duas naves, sobra pouco tempo para os demais tripulantes apresentarem algum destaque. Embora McCoy tenha sua relevância em alguns momentos, sua participação é bem resumida aqui. E, falando em convidados, embora a ausência de Nichelle Nichols seja sempre sentida, não há como negar que Elizabeth Rogers tem grande participação como a tenente Palmer, conseguindo passar uma aura de segurança e competência totalmente alinhada com as necessidades do segmento. Palmer é uma dessas personagens que mereceria a chance de mais participações relevantes na série, algo que infelizmente aconteceu muito pouco.

A trilha sonora deste segmento também é digna de nota, sendo em boa parte responsável pelo seu impacto positivo. Música e edição de som funcionam com um timing excelente, ajudando a criar a atmosfera adequada a cada momento, seja um momento de drama, de ação, de suspense ou mesmo de descontração.

Não há como não passar por “The Doomsday Machine” ignorando a mensagem implícita sobre a estupidez da corrida armamentista, ainda em seu auge na época da exibição do episódio. Embora os testes com a citada bomba H naquele momento estivessem suspensos, o arsenal nuclear das super potências crescia a olhos vistos e, com a queda da União Soviética, o mundo passou a se preocupar com o destino desse arsenal. Mais uma vez, Jornada antevia as implicações de um eventual descontrole desse poderio.

“The Doomsday Machine” é um segmento praticamente sem reparos, em que encontramos um roteiro eficiente, uma direção competente, atuações marcantes e uma história de fundo que ecoaria por décadas, justamente por seu viés mais conectado com as aventuras da Série Clássica: a exploração do ser humano em todas as suas dimensões e em todos os seus tons de cinza.

Avaliação

Citações

They say there’s no devil, Jim, but there is. Right out of hell, I saw it!”
(Dizem que não existe demônio, Jim, mas existe. Direto do inferno, eu vi!)
Decker

“I’m a Doctor, not a mechanic.”
(Eu sou médico, não mecânico.)
McCoy

“Blast regulations! Mister Spock, I order you to assume command on my personal authority as Captain of the Enterprise.”
(Que se explodam os regulamentos! Senhor Spock, ordeno que assuma o comando sob minha autoridade pessoal como capitão da Enterprise
Kirk

“Vulcans never bluff.”
(Vulcanos nunca blefam.)
Spock

“Random chance seems to have operated in our favour.”
“In plain, non-Vulcan English, we’ve been lucky.”
(“As chances aleatórias parecem operar a nosso favor.”)
(“Ou seja, em inglês não-vulcano, nós tivemos sorte.”)
Spock e McCoy

Trivia

  • “The Doomsday Machine” foi indicado para o prêmio Hugo de ficção cientifica de 1968.
  • Esta é a primeira vez que a Enterprise encontra outra nave da classe constitution.
  • Embora a informação de que  que Matt Decker seria pai de Will Decker, ( Jornada nas Estrelas – O Filme) não seja considerada canônica, ela é comumente aceita e faz parte da novelização do longa.
  • O primeiro romance do escritor de sci-fi Norman Spinrad foi The Solarians e seus romances mais conhecidos são Bug Jack Baron e Child of Fortune. Spinrad foi convidado por Roddenberry a escrever para a Série Clássica após uma análise positiva que o escritor fez da série para uma revista especializada.
  • Norman Spinrad estava escalado para escrever  a história do episódio “To Attain the All” para Star Trek – Phase II.
  • Elizabeth Rogers, a Tenente Palmer, voltaria a esse personagem em “The Way to Eden”. No episódio “Metamorphosis“, ela emprestou sua voz à criatura chamada “Companheira”.
  • Star Trek voltaria a usar Moby Dick como referência em outras oportunidades: Em sua segunda temporada, no episódio “Obsession”, em Star Trek II: The Wrath of Khan e, finalmente, em Star Trek: First Contact.

Ficha Técnica

História de Norman Spinrad
Dirigido por Marc Daniels

Exibido em 20 de Outubro de 1967

Título em português: “A Máquina da Destruição” (AIC-SP), “A Máquina da Destruição” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
James Doohan como Montgomery Scott
Nichelle Nichols como Nyota Uhura
George Takei Hikaru Sulu
Elizabeth Rogers como tenente Palmer
John Winston como tenente Kyle

Elenco convidado

William Windom como comodoro Decker

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Edição de Carlos H B Santos
Revisão de Nívea Doria

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