Espelho, espelho meu, existe alguém mais malvado do que eu?
Sinopse
Data estelar: Desconhecida.
Kirk, McCoy, Scott e Uhura, ao retornar de uma negociação frustrada para explorar as reservas de cristais de dilítio do povo conhecido como halkans, sofre um acidente no teletransporte, causado por uma tempestade iônica. A falha no aparelho envia o grupo para um universo alternativo, onde a Federação é um império construído pela força e opressão.
Eles descobrem que se materializaram em uma nave idêntica à sua, mas observam algumas diferenças entre as duas realidades — sutis a princípio, como os uniformes da tripulação e uma barba, antes inexistente, em Spock. Após tomar conhecimento da forma como seus duplos agem nesse universo, Kirk descobre que tem ordens de atacar os halkans e subjugá-los pela força.
Eles precisam encontrar um meio de retornar ao seu universo, enquanto tentam impedir o ataque ao pacífico planeta. Kirk manda Scott e McCoy buscarem uma forma de retornar, enquanto ele e Uhura vão para a ponte. Uma vez lá, Kirk assume o papel de capitão da I.S.S Enterprise e amplia o prazo dos halkans para doze horas, causando surpresa em toda população, especialmente em Spock, que chama a atenção do capitão para o não cumprimento das ordens do Império.
Enquanto isso, a bordo da U.S.S Enterprise, os duplos de Kirk, Scott, McCoy e Uhura são presos após a tripulação da nave constatar o comportamento irracional deles. Na I.S.S Enterprise, Kirk é atacado por Chekov, que tenta matá-lo para subir na escala de comando da Enterprise, ocorrência comum nesse universo. O plano fracassa graças a um dos comparsas de Chekov, que muda de lado e livra Kirk da enrascada e o russo é punido com tortura.
Spock encontra-se com Kirk e ambos conversam brevemente. O primeiro oficial continua achando estranho o comportamento de seu capitão, tanto em relação aos halkans quanto em relação a Chekov, que segundo o vulcano, deveria ser punido com a morte. Spock declara que não deseja se opor a Kirk, mas que não permitirá que sua posição seja ameaçada por causa das ações do capitão. Kirk entende a mensagem, mas, ao mesmo tempo, devolve na mesma moeda. Ambos se ameaçam e seguem com os seus afazeres.
Kirk vai até o seu alojamento, onde encontra uma mulher, a tenente Marlena Moreau, que, no universo espelho, parece ser a companheira dele. O capitão mantém a farsa. Spock cumpre o prometido e informa aos seus superiores sobre o comportamento de Kirk e recebe ordens de matá-lo e assumir o comando da nave, caso ele continue em seu curso de ação. Entretanto, o vulcano resolve avisar seu capitão sobre isso, dando-lhe, assim, uma chance de escapar.
Marlena, ainda sem saber que aquele não é o Kirk que ela conhece, acaba revelando a ele o segredo do sucesso da carreira de seu duplo, um aparelho conhecido como “campo tantalus”, que pode incinerar a distância qualquer um dentro da nave. Ela parece disposta a usar essa arma contra Spock, mas Kirk a impede, deixando-a confusa. Marlena se mostra intrigada por esse Kirk que ela não entende.
Nesse meio tempo, Scott descobre que o portal entre os dois mundos está se fechando, deixando a Kirk e seus oficiais cerca de meia hora para deixarem o universo paralelo. Eles se preparam para executar o plano, mas Spock, que investigava as atividades do computador, desconfia da pesquisa executada pelo engenheiro. Tal atividade também é notada por Sulu.
Kirk deixa seu alojamento para dar andamento ao seu plano de fuga, sem saber que Marlena agora acompanha seus movimentos usando o campo tantalus. Uhura distrai Sulu para que Scott possa fazer as modificações necessárias no transporte e, em seguida, deixa a ponte para encontrar o resto do grupo na enfermaria.
Enquanto preparava o aparelho de transporte para levá-los de volta, Kirk é surpreendido por Spock. Ele leva Kirk até a enfermaria, onde todo o grupo é surpreendido. De súbito, Kirk ataca Spock, iniciando-se uma luta. Spock é vencido pelos quatro, ficando gravemente ferido após receber uma pancada na cabeça. McCoy se recusa a ir embora e deixar Spock sem tratamento, apesar do tempo deles estar se esgotando.
Enquanto o grupo aguarda McCoy, Sulu chega com uma equipe de segurança. Ele pretende matar a todos e assumir o comando, mas Marlena, que observava pelo campo tantalus, desintegra a equipe de segurança de Sulu, deixando-o no mano a mano contra Kirk. O capitão derrota Sulu e o grupo finalmente deixa a enfermaria, ainda sem McCoy, que continua a cuidar do vulcano.
Spock acorda e, ao se deparar com McCoy, fica intrigado com o fato de Kirk tê-lo deixado vivo. Ele realiza um elo mental com o doutor e descobre a verdade. Na engenharia, Kirk encontra Marlena, que quer ir junto com o grupo, mas Kirk nega. Marlena ameaça matá-los, mas Uhura a surpreende e a desarma. Surge, então, um novo problema: a força é desligada, obrigando que alguém fique para operar o transporte manualmente. Scott se oferece para ficar, mas Kirk o manda, junto com Uhura, para o transporte, com a intenção de ficar ele mesmo. Nessa hora, Spock chega trazendo McCoy com ele, decidido a mandar todo o grupo de volta.
Num último ato, Kirk tenta convencer Spock a liderar uma revolução contra o Império e Spock promete pensar no assunto. Finalmente o grupo volta ao seu universo, assim como seus duplos são devolvidos ao universo espelho.
Comentários
Que “Mirror, Mirror” é um dos mais interessantes episódios da Série Clássica, não há dúvida alguma. No entanto, com certeza, seus criadores não tinham ideia de que estavam criando um episódio que iria reverberar por décadas e ainda ser relevante em outras versões da franquia, ao apresentar uma versão ditatorial e fascista da Federação.
“Mirror, Mirror” reúne o “clássico” clichê do defeito de teletransporte com o tema das dimensões paralelas, comum desde a década de 1950, que postula que mundos paralelos constantemente se ramificam, teoria esta ancorada na mecânica quântica. Mais recentemente, séries como Sliders e Fringe beberam dessa fonte, entre outras. Diferente do fiasco que foi “The Alternative Factor”, aqui o conceito funciona e o sucesso da empreitada é fruto do arranjo correto de seus elementos, mesmo que, no caminho, haja alguns escorregões aqui e ali.
O segmento se ancora em um roteiro que usa muito bem os elementos que aprendemos a reconhecer na Série Clássica, desde a composição política e social de seu ambiente, até o comportamento de alguns de seus principais personagens, passando pelos conceitos morais que a série afirmou até chegar à execução do universo espelho, onde ela literalmente inverte esse conceito e explora o resultado — e é justamente essa exploração, na sua forma, que faz o sucesso do episódio.
Uma característica determinante da Série Clássica é que ela não investe minutos importantes em busca de um dispositivo de trama que resolverá a encrenca da semana. Em todos os seus episódios de sucesso, o roteiro investe na relação causa e efeito e como a situação apresentada afeta os personagens e o universo da história.
Aqui não é diferente: tão rápido quanto possível, estabelece-se que será relativamente simples para Kirk e sua equipe voltar a seu universo e, embora este seja um dos problemas do episódio, ele não passa muito tempo se debruçando sobre essa questão. Ao invés disso, o segmento tenta explorar esse universo e a forma como nossos conhecidos personagens se relacionarão com o ambiente radicalmente diferente e hostil.
O universo espelho parece que mistura algumas referências do mundo real, conforme é tradição na Série Clássica, mas, embora possamos identificar alguns elementos da Alemanha nazista mesclados com elementos do regime comunista da então União Soviética, o conceito aqui extrapola essas alegorias e brinca com a criação de situações do mais absoluto excesso, quando, por exemplo, determina que o assassinato de oficiais superiores é uma forma legítima de subir de posto. Esse tipo de situação dá o tom pelo qual precisamos perceber o universo espelho: pelo exagero absoluto.
Uma leitura mais simplista ou mais conectada com o mundo dos anos sessenta apontaria, talvez, para uma crítica velada ao regime soviético, mas, na verdade, esse segmento vale menos como crítica social e mais como pura diversão em função desse exagero apresentado. E é justamente no quesito diversão que o episódio encontra seu êxito. É interessante assistir como os personagens vão se virando nesse ambiente, tentando se esquivar das sinucas de bico em que vão sendo metidos, enquanto dão um jeito de voltar ao seu universo.
No entanto, mesmo nesse universo paralelo, os personagens são guiados pelos seus princípios. Mesmo fora de seu ambiente, Kirk e seus oficiais se veem moralmente obrigados a tentar proteger os halkans de seu destino na mão do Império — marca registrada de Jornada nas Estrelas. Tal postura se repete quando McCoy se vê obrigado a sacrificar a si próprio para salvar a vida do Spock do espelho, algo com que todos concordam, principalmente Kirk. Talvez, aí, esteja a maior lição do segmento, uma vez que essas ações demonstram um avançado conceito de ética, que os personagens não abandonam em momento algum, elevando ainda mais o seu caráter.
Talvez o aspecto mais brilhante deste roteiro, todavia, seja como ele consegue criar um Spock do espelho que seja temido, mas que ainda assim seja um personagem capaz de navegar na moral corrompida desse universo com mínimos arranhões. Um belo trabalho de construção que, é claro, mais uma vez, conta com o talento de Leonard Nimoy para executar com perfeição a tarefa.
Mesmo no caos absoluto, Spock consegue, através do seu raciocínio analítico, se equalizar entre os dois universos de forma equilibrada, sem divergir muito do seu “jeito vulcano de ser” e, ainda assim, o seu “espelho” parece tão bem acomodado quanto o Spock que conhecemos, deixando a audiência absolutamente confortável com a decisão final do vulcano.
Kirk, embora tenha a sua importância na trama, na verdade não tem grande brilho, podendo sua atuação ser considerada adequada. Suas cenas com Marlena Moreau (Barbara Luna), apesar do bom trabalho da atriz servem apenas para que o capitão tome conhecimento do campo tantalus, de maneira a estabelecer uma “rota de fuga” para ele e seus tripulantes logo mais a frente, quando eles serão encurralados por Sulu. Entretanto, ainda que o roteiro tenha grandes méritos, ao menos aqui ele poderia ter sido mais criativo ao usar esse tempo, ao invés de mais uma vez investir no “sex appeal” do capitão da Enterprise.
Este episódio é uma rara oportunidade de assistir a alguns personagens fora de seu elemento natural, além de Spock. Principalmente Uhura e Sulu tem participações interessantíssimas aqui. Nichelle Nichols tem uma rara oportunidade de fazer algo mais do que apertar botões e mostra uma deliciosa agressividade que ela não teve chance de mostrar em condições normais.
Ela toma ações importantes na trama e além de ficar muito bem de naquele uniforme estilizado, conseguiu ser convincente quando precisou agir como “femme fatale”. Sulu como oficial de segurança maquiavélico também está muito divertido. Ambos dão um brilho a mais ao segmento. Scott, McCoy e Chekov não têm o mesmo destaque, embora tenham sua importância para a trama (esse último um pouco menos).
Algumas concessões são necessárias, porém, como o fato de os uniformes serem inexplicavelmente trocados no transporte, a manutenção, de forma arbitrária, do mesmo comportamento por parte dos halkans nos dois universos, além do explícito exagero entre as correspondências dos dois universos — que permite que McCoy tenha derramado ácido na mesma mesa nos dois universos diferentes, por exemplo.
A afirmação de que promoções são conseguidas por assassinato de superiores faz que com que a ideia de sustentabilidade desse conceito seja impossível de aceitar, fazendo com que ele não resista a uma análise um pouco mais criteriosa. E, por fim, o dispositivo tantalus não parece uma arma tão superpoderosa assim que não pudesse ser concebida pelo próprio pessoal do Império. Por último, seria interessante saber onde Kirk gravou seus diários de bordo, uma vez que ele não estava em sua nave.
Mesmo com essas ressalvas, o episódio consegue ser divertido ao propor essa distopia dentro da própria concepção de mundo à qual fomos apresentados até aqui, criando as bases de uma realidade alternativa que causaria fascínio e atrairia a curiosidade dos fãs por décadas e influenciaria de forma decisiva o próprio universo de Jornada nas Estrelas. Sem dúvida, um dos melhores episódios da Série Clássica.
Avaliação
Citações
“Conquest is easy. Control is not.”
(Conquistar é fácil, controlar não é.)
Kirk
“If change is inevitable, predictable, beneficial… doesn’t logic demand that you be a part of it?”
(“Se a mudança é inevitável, previsível, benéfica, a lógica não exige que você tome parte disso?)
Kirk
“ You’re a man of integrity in both universes, Mister Spock.“
(Você é um homem de integridade em ambos os universos, senhor Spock.)
Kirk
“One man cannot summon the future“
“But one man can change the present.“
(Um homem não pode mudar o futuro.)
(Mas um homem pode mudar o presente.)
Spock e Kirk
Trivia
- “Mirror, Mirror” foi indicado ao prêmio Hugo em 1968.
- DS9 atravessaria o espelho nos episódios: “Crossover”, “Through the Looking Glass”, “Shattered Mirror” , “Resurrection” e “The Emperor’s New Cloak”.
- A série Enterprise também teve sua aventura nesse universo alternativo : “In A Mirror, Darkly” , as partes 1 e 2 do segmento foram ao foram ao ar em 22 e 26 de Abril de 2005, respectivamente.
- A cena no final em que Kirk encontra Marlena na Enterprise do universo principal foi usada para criar a cena em que Benjamin Sisko fala com Kirk no episódio “Trials and Tribble-ations” de 1996, de Star Trek: Deep Space Nine.
- Star Trek: Discovery foi fortemente influenciada pela dimensão do espelho. Sua primeira temporada teve seis episódios nesse universo e a terceira temporada, mais dois.
Ficha Técnica
Escrito por Jerome Bixbys
Dirigido por Marc Daniels
Exibido em 06 de outubro de 1967
Título em português: “O Espelho” (AIC-SP), “O Espelho” (VTI-Rio)
Elenco
William Shatner como James Kirk / Kirk (do espelho)
Leonard Nimoy como Senhor Spock / Spock (do espelho)
DeForest Kelley como Dr McCoy / McCoy (do espelho)
James Doohan como Scott/Scott (do espelho)
George Takei como Sulu/Sulu (do espelho)
Nichelle Nichols como Uhura/Uhura (do espelho)
Walter Koenig como Chekov/Chekov (do espelho)
John Winston como Tenente Kyle/Kyle (do espelho)
Elenco convidado
Vic Perrin como Tharn/Tharn (do espelho)
Barbara Luna como Marlena Moreau / Marlena Moreau (do espelho)
Revisitando
Enquete
Edição de Carlos Henrique B Santos
Revisão de Nívea Doria