Não existe guerra boa nem paz ruim
Sinopse
Data estelar: 3192.1
A Enterprise é enviada ao planeta Eminiar 7, levando um embaixador da Federação, o senhor Albert Fox, que tem como missão estabelecer relações diplomáticas com os locais. Nesse mesmo planeta, a Frota Estelar já havia perdido cinquenta anos antes a USS Valiant, que desapareceu misteriosamente.
Durante sua aproximação, a nave recebe um aviso para retornar, um código 7-10, mas Fox ordena a Kirk que ignore o aviso e prossiga na missão. Kirk obedece, mas, ao entrarem em órbita, ele não permite a descida imediata do embaixador, alegando que isso comprometeria sua segurança.
Kirk e Spock lideram um grupo de descida, que é recebido por uma jovem local chamada de Mea 3. Ela os recebe sem demonstrar nenhuma hostilidade e informa que Eminiar 7 encontra-se em guerra com seu planeta vizinho, Vendikar, por quinhentos anos. Kirk e Spock estranham a informação, pois não há nenhuma demonstração de tal guerra em lugar nenhum.
O grupo é levado à presença de Anan 7, líder do conselho do planeta, que reafirma o estado de guerra. Durante a conversa, Anan é informado que o planeta está sob ataque, e ao final deste, o grupo descobre que a guerra é travada utilizando computadores que planejam os ataques e contra-ataques, bem como as baixas de cada lado. Tais baixas, quando definidas pelo computador, obrigam que cada cidadão que tenha sido considerado morto se dirija a câmaras de desintegração.
Anan informa que a Enterprise foi considerada atingida pelo último ataque e que, por isso, a tripulação da nave deverá descer e se apresentar às câmaras de desintegração do planeta, com o que Kirk obviamente não concorda. O grupo, então, é feito prisioneiro. Logo após isso, Anan tenta enganar Scott, que está no comando da Enterprise, fazendo-se passar por Kirk e ordenando que a tripulação seja transportada ao planeta. Desconfiado, o comandante submete a mensagem a uma análise de voz e descobre a farsa.
Enquanto isso, em terra, Spock usa um tipo de “telepatia” para fazer com que o guarda que vigiava a cela onde estavam presos os oficiais da Enterprise abrisse a porta e os liberasse. De posse da arma da sentinela, eles deixam a cela e perambulam até encontrar uma das câmaras de desintegração. Após deter Mea, que se dirigia para a câmara, Kirk destrói o equipamento, o que inicia uma revolução no planeta. Eminiar expede uma ordem de busca e ordena fogo contra a Enterprise, entretanto Scott mantém os escudos da nave erguidos, tornando o ataque sem efeito.
Enquanto Scott e McCoy discutem o que fazer, Fox retorna à ponte e ordena que Scott mantenha a Enterprise aguardando, sem nenhuma retaliação. Na superfície do planeta, Kirk tenta convencer Mea a ajudá-lo, enquanto Anan começa a se desesperar. Nesse momento, Fox entra em contato com Anan, perguntando sobre os motivos das ações violentas dos habitantes de Eminiar. O chefe do alto conselho mente, dizendo que foi um mal entendido. O embaixador acredita no conselheiro e ordena a Scott que cancele o estado de alerta, mas o engenheiro chefe se nega, mesmo sob ameaça de Fox.
De volta ao planeta, Kirk invade os aposentos de Anan e, mais uma vez, exige fazer contato com a Enterprise. Sem saber que Anan havia disparado um sinal de alerta secretamente, o capitão ameaça destruir todo o planeta. Anan, apesar de incédulo, informa a localização dos comunicadores, porém, assim que deixa os aposentos, Kirk é atacado pelos guardas, que o aguardavam do lado de fora. Apesar de ter previsto a armadilha, o capitão da Enterprise é nocauteado pelos guardas, em maior número.
Enquanto isso, Fox e seu assistente descem ao planeta, sendo recebido pelo próprio Anan, que manda prendê-los e informa que ambos deverão ser mortos por terem sido considerados baixas de guerra. Nesse meio tempo, Spock entra em contato com a Enterprise, usando um comunicador nativo modificado por ele, e ordena que ninguém desça a Eminiar. Ele, então, é informado por Scott da descida de Fox.
Prevendo o destino do embaixador, Spock vai à sua procura e o encontra Fox (junto de seu assistente) prestes a ser desintegrado. O vulcano impede a ação e explode mais uma câmara de desintegração e Fox finalmente percebe que não adianta insistir na diplomacia convencional.
De volta à sala de guerra, Anan tenta convencer Kirk a ordenar que a tripulação da Enterprise se entregue, obviamente sem sucesso. Ele, mais uma vez, entra em contato com a Enterprise com o propósito de tentar sua rendição, mas Kirk se aproveita do descuido dos guardas e (assim que é aberto o canal com a nave) ele salta sobre o comunicador e ordena a Scott que implemente a Ordem Geral 24. Kirk é detido e Anan fala com Scott, ameaçando matar os integrantes do grupo avançado caso Scott e a tripulação da Enterprise não se rendam. Kirk informa, então, que, em duas, horas a Enterprise abrirá fogo contra Eminiar.
A Enterprise, ignorando as ameaças de Anan, se move para fora do alcance das armas de Eminiar, enquanto Spock lidera um grupo em terra que continua destruindo as estações de desintegração. Anan fica ainda mais desesperado quando recebe uma mensagem de Vendikar, perguntando o porquê da “cota” de Eminiar não estar sendo cumprida.
Scott entra em contato, informando que a Enterprise colocou as principais instalações do planeta sob mira e que, caso o grupo de desembarque não seja devolvido à nave, abrirá fogo contra o planeta. Kirk se aproveita de uma desatenção geral e domina os guardas que o vigiavam e, momentos depois, Spock chega com seu grupo. Os dois destroem os computadores com os quais os eminianos fazem sua guerra eletrônica, deixando-os atordoados com a perspectiva da destruição real do planeta. Kirk sugere a Anan que, ao invés de se preparar para uma guerra convencional, que procure os vendikars e faça a paz.
Anan está atônito, mas o comissário Fox se oferece para ajudar a negociar um tratado de paz, o que é aceito. Kirk cancela a Ordem Geral 24 e o grupo retorna à nave, deixando Fox para trás, com a missão de ajudar ambos os planetas a estabelecerem um tratado que dê fim à guerra.
Comentários
Sendo uma série essencialmente humanista, o tema “homem X máquina” é algo que é sempre colocado em discussão em Jornada nas Estrelas, mas sempre em vetores variados. “What are Little Girls Made Of?” “Court Martial” e “The Return of the Archons”, são exemplos dessas diversas abordagens.
“A Taste of Armageddon” traz de volta o tema e, embora aqui não haja nenhum tipo de controle ou substituição da espécie humana, a discussão sobre a decisão de vida e morte de seres humanos sob o controle de computadores traz uma nova visão sobre uma eventual interferência de uma inteligência artificial nesse processo, através de um argumento que, provavelmente, sofreu influência do medo ao redor do mundo causado pela Guerra Fria, ainda em alta à época da produção do episódio.
E que nem era assim tão fria, pois, naquele momento, os EUA estavam fortemente engajados no conflito do Vietnã, uma guerra que, assim como no episódio, não causava nenhum “desconforto” na população americana, dada a distância em que o conflito ocorria e cujo efeito mais percebido por essas pessoas era a ausência daqueles que não voltavam. Somente (?) isso dava a noção do que estava acontecendo em outras terras, numa alusão à aparente tranquilidade de Eminiar 7 e, provavelmente, de Vendikar também.
E, talvez, seja o esse o objetivo que o segmento deseja discutir: o fato de que é mais difícil nos importar com o que não nos afeta diretamente. O povo de Eminiar 7, apesar de viver sob o medo de se tornar um nome na lista de baixas da guerra digital travada entre as duas potências, passou a se acomodar frente às alternativas propostas. O que, a princípio, parecia uma solução, se tornou lugar comum, quase um fato natural da vida (e morte) dos habitantes do planeta.
É necessário concordar que esse argumento sofre um pouco quando pensamos se toda uma população aceitaria de bom grado esse sacrifício ano após ano, mas fiquemos com a intenção proposta ao menos por enquanto. Embora a premissa possa parecer inverossímil por esse aspecto, a discussão é oportuna num cenário onde vidas humanas são “calculadas” como baixas em computadores de última geração que apenas tratam os números de forma estéril.
A motivação para esse acordo entre as potências — a preservação da cultura de ambos os mundos que seria destruída em caso de uma guerra convencional — merece reflexão. A “cultura” de Vendikar serve a quê, se não for a seus cidadãos? Será um bem que vale mais a pena ser preservado do que sua própria população? Parece um pensamento absurdo, mas nossa ciência já produziu a bomba de nêutrons, cuja principal característica seria a ação destrutiva apenas sobre organismos vivos, mantendo a estrutura de uma cidade intacta.
Discussões filosóficas à parte, esse é um segmento de certa forma estranho a Jornada nas Estrelas, em função de algumas situações que testemunhamos ao longo da história. A começar pela tentativa da Federação de forçar algum tipo de acordo “goela abaixo” de Eminiar 7: por que a ela isso era conveniente? Kirk, mais uma vez, chuta a Primeira Diretriz para debaixo do tapete (a bem da verdade algo ainda mal definido a essa altura da vida de Jornada nas Estrelas) e abusa da diplomacia caubói. Este exercício serve somente para demonstrar, mais uma vez, o quanto a Primeira Diretriz, objeto de milhares de debates entre os fãs da franquia, nunca foi algo levado muito a sério na TOS, uma conclusão até meio óbvia, mas eventualmente ignorada por muitos.
Na esteira dos fatos estranhos, a frase dita por Scott (“O melhor diplomata que eu conheço é um banco fêiser carregado”), assim como a “Ordem Geral 24”, são coisas que parecem ter saído do Universo do Espelho, dando ao segmento um tom beligerante que não se alinha bem com os princípios que viríamos a conhecer em Jornada, mesmo que o resultado final seja amplamente positivo. Contudo, os fins não podem justificar os meios — e é o que acontece aqui.
Talvez a frase de Anan 7 “Somos todos assassinos, por instinto” seja o axioma que o roteiro pretende provar através das ações de seus personagens ao longo do episódio. Mas ele também nos mostra que é possível fazer diferente, felizmente, e que uma solução que deve vir do homem e não dá máquina. E, com Enterprise em perigo (apesar do som não se propagar no espaço), Kirk tinha a justifica para as ações que tomou, muito embora isso redima pouco o episódio, apesar das boas intenções, uma vez que a atitude fortemente intervencionista apresentada deixa suas marcas e cria algum atrito quando o segmento é revisitado.
Mais uma vez, temos um representante da Federação retratado como arrogante e prepotente, algo que parece intencional, haja visto o comportamento similar de nosso velho conhecido, o comissário Ferris (“The Galileo Seven”). Agora é Fox que insiste em levar sua missão a ferro e fogo, ignorando avisos, bom senso e, principalmente, a soberania do planeta visitado.
Apesar de estereotipada, a presença de Fox e sua atuação parecem ter a intenção de demonstrar um efetivo controle civil sobre a Frota Estelar, o que é bem-vindo. Dizem que Roddenberry não queria um tom militarista para a série, mas, ao apresentar os (poucos) membros civis da Federação como o lugar comum do burocrata de gabinete, ele não ajudou muito a dar credibilidade à sociedade civil de seu hipotético futuro.
Kirk funciona bem dentro dos termos de episódio, o que pode não ser exatamente um elogio, dada as já mencionadas características belicistas do segmento. Nesse cenário, Kirk faz claramente uma aposta com as vidas dos outros, interferindo nas duas culturas. De quebra, destrói equipamento de Eminiar 7, ameaça o líder do planeta com uma arma, distribui uma boa dose de Kirk Fu e, ainda, larga um representante da Federação para resolver a bagunça que ele começou nesse processo. Cada um que faça seu julgamento do capitão. Pelo menos, dessa vez, ele não deu em cima da mocinha, mas foi por pouco.
Spock e McCoy tem papéis pouco mais que burocráticos dessa vez. Aqui, o destaque foi para Scott, definitivamente alçado ao posto de terceiro em comando, com garbo e elegância. O personagem de James Doohan acrescenta ao seu currículo de fazedor de milagres a característica de comandante perspicaz e eficiente, fazendo-se necessário notar a postura de McCoy, ao se manter a seu lado quando ele confronta Fox.
Os convidados da semana, Gene Lyons (Robert Fox) e Barbara Babcock (Mea 3) têm participação, no máximo, razoável, mas Anan 7 (David Opatoshu) é um personagem interessante. Anan não é o vilão clássico que torce os bigodes antes de perpetrar alguma maldade. Pelo contrário, ele age como alguém que acredita estar fazendo o melhor pelo seu povo, o que o torna, dentro do possível, algo mais complexo que um simples vilão que quer dominar o mundo. Opatoshu, ator com boa passagem em várias séries da época, faz um trabalho muito competente, conferindo uma profundidade interessante ao lidar com o dilema moral que lhe é apresentado.
Não podemos deixar passar: a manobra Kirk, que, num lance só, conseguiu desarmar e subjugar quatro seguranças eminianos; os uniformes pitorescos dos seguranças locais; os convenientemente ampliados poderes telepáticos de Spock,; o fato das pessoas que estavam caminhando tranquilamente para as câmeras de desintegração correrem quando ameaçadas pelo pessoal da Federação; e uma menção honrosa ao modelito usado por Fox, que mais parecia uma bacia no pescoço.
“A Taste of Armageddon” é um episódio que tem o mérito de provocar uma discussão interessante, mas peca em alguns detalhes simbólicos do que viria a se tornar a base filosófica da série. Por isso, dependendo do bom (ou mau humor) de quem estiver assistindo, pode ser uma boa diversão ou causar algum embrulho no estômago — mas vale como aprendizado, com certeza.
Avaliação
Citações
“Sometimes a feeling, Mr. Spock, is all we humans have to go on.”
(Às vezes, um sentimento, Sr. Spock, é tudo o que nós, humanos, temos para continuar.)
Kirk
“Killer first, a builder second. A hunter, a warrior. And let’s be honest, a murderer. That is our joint heritage, is it not?”
(Primeiro um assassino, depois um construtor. Um caçador, um guerreiro. E vamos ser honestos, um assassino. Essa é nossa herança conjunta, não é?)
Anan 7
“Captain… You almost make me believe in luck.”
(Capitão … Você quase me faz acreditar na sorte. ”)
Spock
Trivia
- Este episódio cita pela primeira vez a “Federação dos Planetas Unidos”. Anteriormente, apenas o termo “A Federação” havia sido mencionada em “Arena”.
- Na versão original do roteiro (de Carabatsos e Hammer), a Enterprise é danificada seriamente, precisando de reparos somente realizáveis em Eminiar VII. Por isso, entra em órbita contra a vontade do governo local. Nessa versão, não era feita nenhuma menção em deixar diplomatas para trás para ajudar nas negociações de paz.
- Os trajes dos eminianos e alguns cenários são remanescentes de “What Are Little Girls Made Of?”. Já as armas dos eminianos são à base dos disruptores klingons de outros episódios.
- David Opatoshu recebeu um prêmio Emmy na categoria de melhor ator convidado em série dramática no ano de 1991, por sua participação na série Gabriel’s Fire. Ele teve participações em várias séries bastante conhecidas como: Nação Alien, Buck Rogers, Ilha da Fantasia, A Mulher Biônica, Kojac, S.W.A.T, Havaí 5-0, Daniel Boone, Missão Impossível, etc.
- Barbara Babcock (Mea 3) foi indicada quatro vezes ao Emmy, tendo vencido a premiação em 1981, na categoria de melhor atriz em série dramática, por seu papel como Grace Gardner na série Hill Street Blues. Em Jornada nas Estrelas, ela participou dos episódios: “The Squire of Gothos” fazendo a voz da mãe de Trelane, “Assignment: Earth” como a voz do computador Beta 5, “The Tholian Web” como a voz da comandante Loskene, “Plato’s Stepchildren” como Philana e “The Lights of Zetar” como a voz dos zetarianos. Além de Jornada, ela esteve presente em várias outras séries e filmes, tais como Logan’s Run, Taxi, Cheers, Dallas, Chicago Hope e Space Cowboys.
- O ator Sean Kenney, o tenente DePaul, já havia participado do episódio “Arena”. Ele também foi escalado em “The Menagerie” como o incapacitado Cristopher Pike.
- Elementos do cenário de Eminiar 7 foram reutilizados para representar o planeta Scalos em “Wink of an Eye”.
- No dia em que este episódio foi ao ar pela primeira vez, as forças americanas no Vietnã receberam reforço de 414 mil homens.
Ficha Técnica
História de Robert Hamner
Roteiro de Steven W. Carabatsos e Robert Hamner
Dirigido por Joseph Pevney
Exibido em 23 de fevereiro de 1967
Título em português: Um Gosto de Armagedom (AIC-SP), Um Gosto de Armagedom (VTI-Rio)
Elenco
William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
James Doohan como Montogomery Scott
Nichelle Nichols como Nyota Uhura
Elenco convidado
David Opatoshu como Anan 7
Gene Lyons como Robert Fox
Barbara Babcock como Mea 3
Miko Mayama como ordenança Tamura
Sean Kenney como tenente DePaul
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Edição de Carlos Henrique Santos
Revisão de Nívea Doria