Comandante Naval defende frota única em Picard

O episódio “Et in Arcadia Ego, Parte II” marcou o momento importante para definição da primeira temporada de Star Trek: Picard. O enfrentamento das forças militares da Federação e Romulana, em órbita do planeta Ghulion IV (ou Coppelius), foi um dos pontos altos do episódio. No entanto, a composição das naves da frota da Federação gerou debates entre os fãs e acabou sendo objeto de uma discussão na Academia Naval dos Estados Unidos.

O evento contou com vários outros especialistas militares e civis em história e estratégia navais, com palestras discutindo a Marinha na ficção científica, incluindo citação de obras clássicas; de Júlio Verne até séries como Blake´s 7, Dark Matter, Firefly, The Expanse, uma sobre a Batalha de Endor, de Star Wars.

O debate a respeito de Star Trek foi promovido pelo comandante Claude Berube, professor assistente de história e diretor do Museu da Academia Naval (MAN) dos EUA. Ele possui três diplomas de graduação e escreveu e foi co-autor de vários livros sobre história naval, além de alguns títulos de ficção com temas da marinha.

Fã de ficção científica e, especialmente, de Star Trek, combinou suas paixões de entretenimento com o lançamento do primeiro NavyCon em 2017, uma convenção de ficção científica realizada no MAN. O segundo NavyCon foi realizado em junho deste ano e remotamente, abordando “NAVIES, SCIENCE FICTION, AND GREAT POWER COMPETITION”.

Redução de naves pela Frota Estelar

No debate do comandante Berube, o tema abordado foi “A resposta da Federação ao Incidente em Coppelius”. Berube comenta sobre a capacidade da Frota Estelar de se reequipar, após perder muitas naves, durante três décadas anteriores, nos conflitos enfrentados pela Federação no final do século 24; começando pela Batalha de Worf 359 com os Borg, o ataque a Terra (Setor 001), depois durante uma breve guerra com os Klingons, além da longa guerra com o Dominium.

Assim como acontece nas forças navais de nosso mundo, Berrube observa que a Frota Estelar também faz o seu tradicional descomissionamento de antigas naves, o que reduz temporariamente sua armada. E cita como exemplo a USS Enterprise-A, após o Tratado de Khitomer no século 23. A situação se agrava com a destruição do principal estaleiro da Federação, Utopia Planitia, em Marte, e suas naves, como retratado em Star Trek: Picard (no episódio de Short Treks “Children of Mars”).

Ele, então, faz a pergunta base de sua dissertação: “De acordo com este evento, como uma grande potência se recupera de um déficit de construção naval, para impedir outra grande potência, se a situação o justifica?” Na opinião do comandante, a Frota Estelar se recuperou desse déficit de naves com o lançamento das naves classe Inquiry em 2390, visto na Batalha de Coppelius, incluindo a capitânia da força-tarefa sob o comando do capitão William T. Riker, a U.S.S. Zheng He.

(Nota: Michael Chabon disse no Instagram que existem pelo menos quatro classes diferentes nessa frota).

História Naval em Picard

Berube acrescenta que a Federação e a Frota Estelar utilizaram cinco lições extraídas da história naval para realizarem esse objetivo.

Lição 1: distribua sua capacidade de construção naval

Para o comandante, é necessário construir uma base industrial. Assim, concluiu-se que o estaleiro Utopia Planitia “era simplesmente grande demais para fracassar ou ser destruído de uma só vez”, apontando a experiência dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, onde construíram navios em até dezoito estaleiros diferentes, reduzindo assim a vulnerabilidade de qualquer um e aumentando a capacidade para produzir navios e aumentar a produção.

Star Trek Voyager Shipyards

Lição 2: Tenha uma arquitetura de nave comum

Argumenta o comandante, que embora as séries A Nova Geração, Deep Space Nine e o filme Star Trek: First Contact apresentem batalhas da Frota com várias classes de naves, a única classe de nave mostrada em Coppelius, foi uma jogada inteligente por parte da Frota Estelar. Ele entende que a força-tarefa da Frota enviada para Coppelius “poderia ser uma força de reação estratégica pré-posicionada para lidar com crises ad hoc (para esta finalidade)“, explicando as vantagens:

Uma arquitetura de nave comum incentiva uma base industrial estável, permitindo planejar anos de antecedência, reduz o custo por unidade, já que existem economias de escala e reduz o tempo para construí-las com base na experiência adquirida…

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Berube dá exemplos na história naval dos EUA dos destroieres das classes Gleaves e Fletcher, nos tempos da Segunda Guerra Mundial, pequenos e rápidos, comparando com as naves classe Inquiry.

No entanto, podemos assumir pelo Capitão Riker que as naves da classe Inquiry estavam mais alinhadas com os cruzadores da Segunda Guerra, especialmente porque esse cruzador da classe Inquiry parece ser menor que a Galaxy ou Sovereign.

Em sua palestra, Berube aponta alguns exemplos atuais de marinhas usando fragatas modernas de uma única arquitetura, como a F100 australiana ou a fragata multiuso européia.

Lição 3: A dissuasão requer força suficiente

Ele argumenta que somente com a estrutura de classe única e com estaleiros em diversos lugares, a Federação poderia “construir rapidamente uma frota suficiente para encontrar os romulanos em Coppelius, em uma batalha mahaniana“. No caso, Berube refere-se ao almirante Alfred Thayer Mahan, notável comandante naval do século 19, onde suas ideias sobre o poderio naval influenciaram a visão estratégica das marinhas de todo o mundo, até hoje.

Ele citou os exemplos históricos da Batalha de Midway e da Batalha do Mar de Coral, mostrando essa estratégia em ação. No cenário de Star Trek, observa como a dissuasão funcionou ao lidar com esse adversário em particular:

Os romulanos provavelmente recuariam quando confrontados por uma força superior. Dois exemplos de A Nova Geração, quando o comandante Tomalak tem duas aves de guerra da classe D’Deridex prestes a destruírem a Enterprise-D, mas recua quando três aves de rapina Klingon saem da desacamuflagem. O mesmo acontece quando a força do almirante Sela, que ajuda rebeldes na guerra civil Klingon, é descoberta.

Lição 4: Construir alianças

Outro assunto abordado na palestra de Berube refere-se a construção de alianças em Star Trek, que, embora seja centrada na Terra, a situação do quadrante exigia aliança e governança entre os planetas:

Em Star Trek: Enterprise, a Federação começou como uma aliança fraca no final da série. E há momentos em que os klingons e romulanos se tornaram aliados, quando interesses comuns o exigiram [durante a Guerra de Dominium]. Em Deep Space Nine e Babylon 5 foram certamente um deleite para os realistas das relações internacionais. Mesmo no século 21, precisamos construir parcerias e alianças.

Lição 5: O fator humano (ou o fator Picard)

Quase todos os combates em Coppelius ocorrem antes da chegada da Frota Estelar, com os romulanos fugindo do sistema defensivo de orquídeas espaciais e o uso de uma espécie de guerra eletrônica por Picard, criando uma frota de cópias da La Sirena. O comandante argumenta que a as naves da classe de Inquiry estavam lá “para apoiar a diplomacia, na esperança de que a sanidade prevaleça, o que aconteceu em Coppelius”. Isso deu a Picard “mais tempo para persuadir os sintéticos a se afastarem e, eventualmente os romulanos, impedindo assim um conflito mais amplo”.

Berube concluiu sua palestra argumentando que, mesmo com a estratégia naval, tudo ainda se resume na pessoa ou na diplomacia:

Com toda a tecnologia, navios, armas e a inteligência artificial que é tão atraente para alguns, tudo se resumia ao melhor dos traços humanos. Tudo se resumia a Picard e a comunicação, a capacidade de superar os erros do passado, a compreensão mútua, confiança, esperança, crença, perdão e a capacidade de escolher o que é certo, de diminuir as crises. Como Picard diz no final: “É por isso que estamos aqui: para salvar um ao outro”. E é isso que a ficção científica nos ensina, seja em 2399 ou 2020.

Você pode acompanhar o comandante Berube e os demais palestrantes no video abaixo:

Fonte: TrekMovie