Por Salvador Nogueira e Daniel Sasaki
Na área de efeitos visuais, poucos profissionais foram tão importantes para Star Trek quanto Dan Curry. Ele foi supervisor de efeitos visuais em A Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise, e graças às ideias dele algumas das mais incríveis realizações da época dos efeitos analógicos televisivos se tornaram possíveis. Além disso, com sua versatilidade e criatividade, Dan contribuiu com várias peças de arte vistas na série e uma criação improvável: o bat’leth, tradicional espada klingon vista pela primeira vez na quarta temporada de A Nova Geração. Confira a seguir o papo que o Trek Brasilis teve com este profissional premiado com o Emmy, pelo design da sequência de abertura de Voyager. Em pauta, suas inspirações de carreira, klingons, evolução de efeitos visuais, CGI e o trabalho de quase duas décadas em Star Trek.
Trek Brasilis – Para começar, queria saber sobre suas referências e inspirações. O que o trouxe para o universo dos efeitos visuais?
Dan Curry – Bem, acho que, como a maior parte do pessoal da minha geração que trabalha com efeitos, fomos inspirados pelos filmes e séries de TV que víamos na infância. No meu caso, seriam Planeta Proibido, o primeiro épico cerebral de ficção científica, me lembro de tê-lo visto quando garoto. Podia notar que usaram miniaturas da nave, animações, pinturas e atores ao vivo, e isso foi uma revelação para mim. Porque podia perceber que dava para combinar todas essas artes para criar uma realidade cinematográfica nova que viveria na tela, de um modo muito convincente. E, claro, havia o trabalho do grande Ray Harryhausen. Meu pai me levou para assistir a Simbad e a Princesa quando eu tinha 12 anos, no Radio City Music Hall em Nova York, e tinha um display na entrada mostrando como Ray usou as miniaturas e as retroprojeções, então corri para casa e eu tinha um projetor de 8 mm quebrado. Cortei um buraco no fundo de uma caixa de papelão, grudei papel vegetal nele e gravei uns filmes de 8 mm do meu irmão correndo assim… E tinha dinossauros de brinquedo perseguindo-o… Fiquei muito feliz, anos depois, ao jantar com Ray na ASC – Sociedade Americana de Diretores de Fotografia, e disse-lhe: “É culpa sua de eu estar aqui, Ray!”
Sim! Eu tenho esses filmes em Blu-ray e eles ainda encantam, de um modo curioso, porque são mais surreais do que realistas, os efeitos, mas são fascinantes.
Acho que no futuro, verão os nossos do mesmo jeito. Vejo meu trabalho em Star Trek, principalmente as temporadas iniciais, antes da computação gráfica, e não consigo evitar de bater os dentes… Parece tão estranho quanto o Viagem à Lua do Georges Méliès. Para os padrões de hoje…
Certo! Você falou sobre suas experiências quando garoto, brincando com efeitos especiais, mas a sua primeira miniatura profissional… Quando isso veio a acontecer?
Como profissional, minha primeira miniatura… Eu tinha 8 anos e minha mãe me levou para ver 20.000 Léguas Submarinas, mas chegamos atrasados e, quando entramos, o filme já tinha começado, e a primeira imagem que vi foi o Nautilus de perfil, debaixo d’água, e me impressionou tanto que fui para casa e fiz uma miniatura do Nautilus em papelão, e ainda a tenho, minha mãe a guardou por tantos anos, se quiser mando para você.
Que ótimo, seria incrível ver uma imagem disso. Aos 8 anos?
Sim. E nunca tinha feito uma antes, mas notei as placas e ficavam de um jeito… Então cortei com tesouras e ficou pronta… Mando para você ver, e vai notar que, para um menino de 8 anos, não ficou ruim. Anos depois, um amigo me deu uma miniatura precisa do Nautilus e… Para um menino de 8 anos, ficou boa.
E como você conseguiu entrar na indústria? Como começou?
Fiz filmes estudantis na faculdade e, depois de servir no Corpo da Paz, construindo represas e pontes nas selvas da Tailândia, aceitei um emprego trabalhando para o Ministério da Educação, numa série infantil chamada My Tree and the Magic Chopsticks. Construí uma bancada para animação, fazia os personagens animados com recortes de papel, porque não tínhamos dinheiro. Profissionalmente, eu… Depois que minha esposa e eu voltamos aos EUA, lecionei na faculdade por alguns anos em Cape Cod, e voltei para fazer minha pós-graduação na Califórnia. E enquanto estava lá, fiz uma exibição de pinturas. Sempre pintei, e Marcia Lucas, esposa de George Lucas na época, tinha ido à faculdade para dar um seminário sobre montagem. Ela tinha acabado de montar Taxi Driver, com Robert De Niro. Por um acaso, estava acontecendo a minha exposição no campus, ela olhou minhas pinturas e veio falar comigo, e disse: “Estaria interessado em fazer pinturas em vidro?”, e eu não sabia o que eram. Ela me apresentou ao grande Dennis Muren, da Industrial Light and Magic, e ele foi um mentor muito gentil, me apresentou a Alan Maley e Michael Pangrazio, grandes artistas da pintura em vidro. Estava lecionando duas matérias na época e tinha que terminar meu curso, e eles me recomendaram para a Universal, e comecei no Galactica original e Buck Rogers no Século 24. Assim começou minha carreira nos efeitos visuais.
E a sua primeira experiência com Star Trek? Foi no filme Jornada nas Estrelas IV. Como isso veio a acontecer?
Um dos executivos na Paramount conhecia meu trabalho como designer de títulos… Eu fazia muito isso na época. Eles me chamaram para desenhar a sequência de títulos de abertura do filme. Esse foi meu primeiro relacionamento oficial com Star Trek. E trabalhei um pouco no Jornada V, fui consultor do Bill Shatner sobre filmagem em tela verde, ou azul, para um comercial espacial. Era para ser como um comercial de imóveis, um cara apareceria em frente à tela azul dizendo: “Oi, sou David, venha comprar terra neste planeta!” E ele seguraria um peixe, então fui ao mercado e comprei um peixe, e uma pequena banheira verde-transparente, e cortei pedaços estranhos dela para fazer as barbatanas no peixe, e ele iria segurar isso no filme. E quando A Nova Geração estava começando, Peter Lauritson, o encarregado da pós-produção de TV na época, me ligou e convidou para conhecer Gene Roddenberry e conversar sobre fazer alguns storyboards para a série. Claro que disse sim, e Gene tinha essa ideia de que faríamos umas 40 tomadas de arquivo, e elas serviriam à série, o que funcionou por umas duas semanas. Depois, Rob Legato e eu alternamos entre os episódios como supervisores de efeitos visuais, e fiquei com Star Trek por 18 anos, fazendo A Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise. Desenhei as aberturas de Voyager e Deep Space Nine, além de supervisionar os efeitos. Fiz trabalhos com artes marciais, dirigi segunda unidade e alguns episódios.
Acho que você já era fã de Star Trek quando entrou na franquia, mas você tentou esconder isso, não foi?
Na verdade, não era fã, porque quando a Série Clássica passava eu estava na faculdade, e naqueles tempos nenhum aluno tinha TV, então eu nunca assistia. Só via ocasionalmente, um episódio ou outro. A primeira Jornada que vi foi Jornada nas Estrelas: O Filme, com os brilhantes efeitos de Douglas Trumbull. E foi isso… Só comecei a fazer efeitos para Jornada com A Nova Geração.
Então você não tinha um vínculo emocional?
Não, mas gostava de toda ficção científica, era fã do gênero, obviamente, e o que há para não se gostar em Star Trek? Eu só não era um “fanboy“, não era minha religião.
E, claro, naquela época, vocês inventavam técnicas novas, jeitos novos de fazer efeitos… Quão importantes foram a sua educação e a sua formação em artes para ser bem-sucedido em 18 anos de trabalho em Jornada?
Acho que a formação em belas-artes teve importância crítica porque desenvolveu um senso de composição, e também tenho formação em teatro. Sou formado em belas-artes com especialização em teatro, e estudei cinema e teatro na pós-graduação, em programa de mestrado. Acho que o teatro reforçou a necessidade de servir à história. Eu me certificava de que, sempre que fazíamos um efeito visual, não era para encher a nossa bola, era para servir à história. Quer o nosso trabalho ficasse na tela por segundos ou mais tempo, ele tinha de avançar a história nesse intervalo de tempo. Então, ao final, o público entendia melhor a história, mas também ficava encantado. Descobri que muitos jovens que chegam à indústria sem uma formação em belas-artes têm mais dificuldade com os aspectos artísticos, mesmo que conheçam os softwares melhor do que eu jamais conhecerei.
Bem, uma das coisas que tornam o seu trabalho especial, e vários que trabalharam com você confirmam isso, são as soluções criativas que você dava naquela época para desenvolver novos efeitos, novas ideias como as garrafas de xampu em “The Arsenal of Freedom”, da primeira temporada de A Nova Geração. Quero saber quais as criações de que você tem mais orgulho, coisas que lidaram com esse tipo de criatividade.
Acho que o primeiro episódio com os borgs, “Q Who?”, é motivo de orgulho. Tenho orgulho do final de A Nova Geração, “All Good Things…”. Tenho orgulho de ter tido oportunidade de trabalhar com tantas pessoas maravilhosas. Acho que uma das mais icônicas criações que fiz para Jornada foi o bat’leth. Na verdade, tenho o bat’leth número 1 aqui.
Uau! Então este foi o primeiro de todos?
Bem, o primeiro foi um de núcleo de espuma que fiz, para mostrar ao Rick Berman, e depois disso esse foi o primeiro de metal a ser produzido.
Entendi… Mas numa cena de batalha, não usavam um de metal como esse, não?
Não, fazíamos de dois tipos: o de metal para mostrar e carregar, e alguns de borracha com um fio de aço bem fino, para os atores lutarem sem risco de se machucar. E o departamento de som, que sempre fazia um ótimo trabalho, colocava batidas metálicas e sons e tudo mais… Essa ideia surgiu quando estudei artes marciais na Ásia por alguns anos, e continuei estudando ao voltar para os EUA. Tive sorte de ter mestres maravilhosos, que me ensinaram muito. Imaginei o bat’leth há muito tempo, mas não tinha razão para construí-lo. Tivemos um episódio em que o Worf iria herdar uma arma branca klingon, e os caras do departamento de arte, artistas maravilhosos e ainda meus amigos, mandavam algo que sempre parecia uma espada de pirata, curvada. Eu disse que precisávamos de algo orginal para os klingons, então fiz o de espuma e o levei ao Rick Berman, produtor executivo, e disse: “Veja! Posso fazer esta arma, e inventar um estilo marcial novo para ela.” E Rick, do seu jeito inimitável, disse: “Se fosse 5 centímetros mais curta, eu aceitaria.”
Ele estava só brincando… Porque ela é brilhante.
E é ergonomicamente correta… Mesmo quando era menino, conseguia perceber armas fajutas em filmes, desenhadas para parecer legais, mas que não tinham valor real. Fiquei feliz quando a associação de artes marciais coreana declarou que era a primeira arma branca nova em 200 anos com valor prático, e que eles a aprovavam.
Bem, já que estamos falando de bat’leths e das artes marciais klingons, queria perguntar se você viu o que fizeram em Star Trek: Discovery e o que achou dos novos bat’leths… Está feliz com eles? Não gostou?
Bem, para mim, ver o novo bat’leth foi como reinventar a roda sem motivo, e, para mim, foi desenhado por alguém sem familiaridade com combate. Parece um verme fossilizado com duas lâminas apontando para a direção errada. Não fiquei impressionado, para dizer o mínimo.
Ok… Então não ficou feliz com eles.
Mas, ei, a série é deles. Podem fazer o que quiserem. Mas quanto ao bat’leth, acho que deixou a desejar.
Certo. Vamos falar sobre efeitos visuais e a transição das miniaturas para o CGI (imagens em computação gráfica). Isso aconteceu praticamente em Voyager e em Enterprise acabou, era só CGI. Então, como foi começar uma série com um modelo físico de uma nave, e mudar para CGI com o passar dos anos, como em Voyager?
Foi uma evolução gradual. Quando a computação gráfica começou a surgir, houve grandes pioneiros, como a Pacific Data Images, que fez comerciais e depois Babylon 5 e Seaquest, que foram as primeiras séries totalmente em CGI. Achávamos que os efeitos não eram tão realistas quanto as miniaturas, mas podiam ser produzidos mais rápido, então nos acostumamos a eles. Experimentamos um pouco com CGI em A Nova Geração, o bebê de “Galaxy’s Child” era CGI. Porque eu queria que fosse como Bambi, fofo, como num filme. E a mãe era uma miniatura física. Minha ideia era que, à medida que crescem, eles se tornam mais duros e calcificados, e é assim que se moviam, projetando energia no espaço. Tivemos a criatura cristalina que parecia um arbusto que rolava. Quando entramos em Deep Space Nine, tivemos o buraco de minhoca, e o Odo tinha que ser CGI, por causa da sua transformação de um estado para o outro. Ainda não estávamos muito felizes com as naves, mas os roteiros se tornaram cada vez maiores, a ponto de levar um dia inteiro só para filmar uma nave voando com a miniatura, e movimentos mais elaborados podiam levar até 2 ou 3 dias. Fisicamente, não tínhamos mais tempo. Então fazíamos episódios híbridos como a sequência de abertura de Voyager, ou o episódio de Deep Space Nine “The Sacrifice of Angels”, no qual as naves em primeiro plano eram miniaturas físicas que podíamos olhar, e as do fundo seriam CGI, porque estavam afastadas e você não as veria muito bem, e seus olhos iriam para aquelas em primeiro plano. Assim conseguimos mostrar grandes frotas. Mas o tempo de renderização melhorou, a potência dos computadores também, os softwares melhoraram… Mudamos gradualmente para o CGI, e Enterprise com Scott Bakula foi a primeira série totalmente CGI.
Bem… Sobre a miniatura física da Voyager, chamam atenção os detalhes. Vocês fizeram transparências nas janelas com pequenas fotos dos cenários por dentro.
A miniatura da Voyager foi feita pelo grande construtor de miniaturas Tony Meininger, e havia dois desafios com ela, o que com CGI é simples de resolver. O primeiro é que as naceles tinham de levantar quando a Voyager entrava em dobra, então o Tony tinha de colocar uns fortes, mas minúsculos, motores de controle de movimento por dentro para controlá-las perfeitamente, para que pudesse fazer de novo e de novo nas diferentes passagens da câmera. Por exemplo, sempre que você via a Voyager ou a Enterprise, tínhamos de fazer sete passagens para os vários elementos, porque as janelas, o motor de dobra, a vista geral, a passagem fosca, cada uma delas requeria uma exposição diferente no filme. Nunca fiquei completamente satisfeito com a Enterprise em A Nova Geração, porque as janelas eram brancas. À distância ficava bom, mas de perto pareciam janelas congeladas. Então dei uma volta pelos cenários, os de verdade, e tirei slides deles e os dei ao Tony, que fez pequenos cicloramas dentro de algumas janelas para que, quando a nave passasse, você visse a paralaxe e pudesse ver a verdadeira câmara ou compartimento pela janela.
Essas fotos, seguiram os padrões que você estabeleceu para a nave, ou eram de qualquer cenário?
Era meio aleatório, porque o público nunca veria muito bem, nunca chegávamos tão perto assim, mas se podia dizer que havia uma sala através da janela.
Você por acaso tem essas fotos?
Não, infelizmente. Porque eram slides, e os dei ao Tony, então se perderam na névoa da história da televisão.
Tá certo! Bem, falando sobre a transição, podemos ver que alguns dos primeiros CGI não são tão bons quanto o trabalho de miniaturas. Hoje, talvez, seja tão bom quanto. Mas não naqueles primeiros dias. Quais critérios você usava para escolher entre CGI ou miniaturas, naquela transição?
Bem, o quão perto a nave estaria da câmera. Temos uma palavra chique em inglês, “verisimilitude” (verossimilhança), significa o quão perto da realidade uma coisa está, e queríamos que parecesse real. Mas também havia um critério artístico, se por exemplo o Frank iluminasse uma miniatura e ficasse meio sem vida, ia parecer plástico grudado num palito. Se iluminasse por trás também, num estilo “chiaroscuro”, com luz e sombra, deixando parte da imagem no escuro para o público projetar as suas imaginações, porque o público sempre consegue imaginar mais do que nós conseguimos mostrar. Então, queríamos guiá-lo para acreditar no que viam. O mesmo se aplica a CGI, tudo depende da iluminação, se iluminar dramaticamente e com beleza, será mais aceitável para o senso de realidade que a plateia espera.
E quanto a miniaturas na indústria do entretenimento hoje, acha que elas ainda têm um papel a desempenhar, ou é algo extinto?
Ainda podem ser utilizadas em certas situações, por exemplo, explosões. Se você for explodir um prédio ou uma nave espacial, uma explosão física, para mim, parece melhor. Se você olhar para Independence Day, no qual Volker Engle e sua empresa ganharam o Oscar, tem aqueles planos incríveis dos prédios de Nova York explodindo, andar por andar. Aquilo foi feito pelo grande pirotécnico Joe Viskocil. Podia ter sido feito em CGI, e hoje, provavelmente, com o melhor CGI, animação de partículas, se poderia fazer à altura, mas, na época, não havia comparação ao se fazer uma explosão física. Por exemplo, uma das coisas que o CGI possibilitou e que nunca conseguíriamos fazer com miniaturas físicas, é a água. Porque nunca daria para fazer a escala das ondas corresponder à escala da miniatura. Mesmo os melhores navios em miniatura flutuando sobre a água sempre parecem com miniaturas sobre a água. Os grandes gênios da computação que criaram simulações de água possibilitaram coisas como O Dia Depois de Amanhã, aqueles tsunamis incríveis… Isso nunca seria possível com miniaturas físicas.
Certo. Só para reiterar, você acha que ainda há trabalho para as miniaturas, principalmente explosões e coisas assim.
Sim, e outras coisas também. Muito se resume às escolhas artísticas. Usei miniaturas em primeiro plano numa cena de caverna, a caverna era um cenário parcial. Se fizermos uma miniatura de estalagmite no primeiro plano e a câmera passar em frente, isso adiciona uma camada a mais de realidade, e é uma miniatura. Então, elas ainda são usadas e ainda existem grandes construtores de miniaturas, como em Titanic. Tony Meininger fez a sala de máquinas do Titanic como uma miniatura física, e poderia ter sido CGI.
Vamos falar um pouco sobre as mais recentes produções da franquia de Star Trek, nas quais você não se envolveu. Os filmes da Kelvin de J.J. Abrams e Discovery. Já falamos do bat’leth, mas e a sua visão geral? O que acha dessa reimaginação do visual de Star Trek?
Bem… Para dizer a verdade, me distanciei deles. É a reinvenção deles, é coisa deles, e não estou envolvido diretamente, então não quero comentar. Achei que houve um pouco de arrogância em como algumas pessoas foram tratadas, pessoas das produções anteriores que se ofereceram para ajudá-los. Achei que foi descortês e desrespeitoso, especialmente para duas pessoas pelas quais tenho respeito imenso. Então, não faço parte delas, não são parte da minha vida, e não quero comentar mais do que isso. Com os klingons, preferia que os tivessem chamado de outra coisa ao invés de mudar a aparência deles tão radicalmente. O grande artista da maquiagem Michael Westmore fez um trabalho tão bom com os klingons nas nossas séries, e acho que deveriam tê-los chamado de outra espécie e deixado assim.
Certo. Percebo que você está andando numa linha fina aí, para não ser descortês. Tudo bem. Bem, então vamos falar da remasterização das séries antigas. Você se envolveu na de A Nova Geração…
Sim, trabalhei apenas na remasterização da segunda temporada. Fiquei feliz de fazê-lo, pois é uma das minhas favoritas. Um dos problemas com a televisão é que as datas não são flexíveis. Muitas vezes, você queria ter tido mais um dia para trabalhar naquela tomada, mas não dá. E precisa aprender a viver com isso. [A remasterização] meu deu a oportunidade de voltar a, em algumas tomadas com as quais nunca fiquei satisfeito, retrabalhá-las e deixá-las melhores. Especialmente com “Q Who?”, meu amigo e um dos melhores pintores em vidro da história do cinema, Syd Dutton, fez aquela pintura incrível do interior do cubo borg, onde vemos nossos heróis numa alcova e recuamos até esse espaço imenso. Syd fez aquilo como uma pintura a óleo. Ela era bem grande… Acho que 1,8 m por 1,5 m. Talvez até maior… 2,4 m por 3 m. O sócio do Syd, o grande diretor de fotografia Bill Taylor — a pintura estava em duratex, e Bill cortou um buraquinho nela para pôr a retroprojeção ali, então, quando vemos as pessoas ali, elas estão sendo projetadas de um rolo de filme, por trás, enquanto a câmera recua num trilho controlado por movimento. De vez em quando Bill parava o movimento da câmera, e fazia um sistema com brinquedinhos e pequenos canos na frente, para que a tomada final pareça percorrer um labirinto de estruturas. Quando fomos fazer a versão revisada disso, Syd sabia que o efeito se sustentava na definição normal da TV, mas em alta definição, dava para notar que era uma pintura. Então, chamei outro grande artista digital, Sean Jackson, que tinha grande reverência por Syd e o trabalho dele, e Sean reconstruiu o interior do cubo Borg e, agora, com a tecnologia, dá para fazer a água se mexer, colocar padrões elétricos e coisas assim, algo impossível quando fizemos a versão original. Então, ela honra o espírito da pintura brilhante de Syd, mas agora tem aquele senso maior de “verossimilhança”, no formato de alta definição. Me diverti muito fazendo isso, consertando algumas coisas. Mas há algo interessante aí, quando filmamos as miniaturas usamos uma empresa chamada CIS, Composite Image Systems em Hollywood, e a CIS tinha um sistema para transferir de filme para vídeo onde pegavam os mecanismos da impressora ótica, e os transferiam para sistemas que geralmente tinham rodas de borracha. Então, cada quadro era precisamente colocado, as luzes, as pinturas, as silhuetas eram perfeitamente registradas, se correspondiam perfeitamente. Surpreendentemente, quando retransferimos do negativo original usando a tecnologia mais moderna, não foi tão preciso. Então, todo o pessoal das composições teve de voltar à mão, para se certificar de que um quadro correspondia ao outro, e levou tempo. Porque os sistemas de registro de transferência não existem mais, sumiram igual o búfalo.
Então a tecnologia velha servia para lidar com as filmagens da época, e a tecnologia nova sofreu para lidar com elas?
Isso mesmo. Precisou de um trabalho muito delicado do nosso pessoal da composição, e achamos isso bem divertido.
Havia uma diretriz para ser muito fiel ao trabalho original nessa remasterização, certo? Podia mexer um pouco, mas a ideia era preservar o trabalho original.
Certo. Às vezes melhorávamos as coisas, quando fazia sentido. Por exemplo, superfícies dos planetas, podíamos fazê-las melhor. Às vezes trocávamos a miniatura física por uma nave em CGI por motivos artísticos ou técnicos. E também havia executivos do estúdio trabalhando nisso, e Mike e Denise Okuda estavam envolvidos, se assegurando de que tudo ficasse fiel à intenção original. Então, foi divertido. Notei que, em alguns casos, fomos muito cuidadosos na temporada 2 para recriar os teletransportes exatamente como eram feitos na série. Mas notei que em alguns outros, quem quer que os tenha feito, os teletransportes pareciam mais achatados, como na Série Clássica. Não tinham aquele volume tridimensional que os nossos tinham, porque nas nossas séries eu retocava os personagens para eles parecerem estátuas tridimensionais, e para que as faíscas ficassem mais densas em algumas áreas que em outras, e dava aquela impressão de algo acontecendo no espaço 3D, ao invés de uma janela bidimensional.
Entendo… E, claro, você se envolveu com a temporada 2, mas há muitos trabalhos seus nas últimas temporadas. Um que se destaca é a pintura em vidro de Boreth, de “Rightful Heir”, da temporada 6, um cenário klingon. Essa pintura é sua, não é?
Qual é, mesmo?
Boreth. O monastério klingon.
Sim, o monastério. Esqueci o nome. Ei, são umas mil tomadas… Sim, a pintura é minha, foi baseada nas minhas experiências no Nepal, vendo a arquitetura… Fiz uma longa viagem pelo Nepal, quando jovem. Também foi baseada nas Montanhas Rochosas, que visitei no oeste do Canadá. Tive a ideia dessa montanha espetacular coberta de neve, algo que passasse a sensação de um monastério tibetano.
Sim, isso é ótimo… Adoro aquela pintura. Acho-a incrível. Bem, mas falando sobre a remasterização, de novo, na época vocês decidiram fazer a pós-produção diretamente em vídeo. Isso foi o que gerou a necessidade de fazer uma remasterização agora, para a alta definição. Só tivemos isso com A Nova Geração, não para Deep Space Nine e Voyager. Acha que existe chance de Deep Space Nine e Voyager receberem um tratamento de remasterização, como A Nova Geração?
Eu não sei… Porque Enterprise foi a primeira série que fizemos em alta definição… Isso depende do estúdio. Acho que poderia, mas talvez não, depende de eles sentirem que o investimento vale a pena, se os fãs estão ansiosos por elas, e se virem que há lucro nisso, podem fazê-lo. Mas acho que, tanto em Deep Space Nine quanto Voyager, entramos no embalo em termos de produzir trabalhos de qualidade. As primeiras temporadas de A Nova Geração foram muito experimentais, porque ninguém tinha feito muito daquilo antes. Especialmente para a TV. E acho que elas se sustentam bem, hoje. Trabalhamos tanto… Muita gente, muitos fãs, já me escreveram, me perguntando “Por que repintar o teto da Capela Sistina com um spray? Miquelângelo fez um bom trabalho com o pincel”.
Sim, claro… Você tem algum arrependimento por ter finalizado em vídeo, e não ter a alta definição? Ou, mudando a pergunta um pouco, o quão satisfeito você, que trabalhou nessas séries, ficou ao ver a temporada 2 ser refeita em alta definição?
Fiquei feliz com a temporada 2. Acho que tivemos muitos artistas dedicados que trabalharam comigo nela, trabalhando na Illuminate Hollywood. Eles reuniram uma equipe especificamente para isso. Cada membro da equipe de efeitos visuais, e tivemos Doug Drexler de volta, foi um artista maravilhoso, e Michael Davidson e tantas outras pessoas… Eles… A integridade artística deles era tal que acharam que estavam restaurando grandes obras de arte, e não acharam que tinham de reinventar a roda. Só queriam aceitar o trabalho, e foi maravilhoso trabalhar com eles. Pude guiá-los, e muitos dos mais jovens, com formação só de computação, ficavam espantados ao saber como fazíamos as coisas naquela época. “Você fez uma mancha solar despejando sal numa bola de boliche?” Eles não acreditavam.
Que tipo de inovações e criatividade você tinha de usar naqueles dias que você destacaria hoje, como esse exemplo?
Você mencionou “The Arsenal of Freedom” antes. Originalmente, eles contrataram um escultor para fazer o robô-drone que voava pela selva, iam fazê-lo voar com fios, e pesava uns 36 kg, era pesado demais, e parecia com uma garra, assim, com três pontas. Ficava com as pontas presas nos galhos, e percebemos que não dava para usar. Os produtores então chegaram comigo e disseram: “Faça algo, não temos dinheiro.” Então peguei um ovo de páscoa de plástico, uma garrafa de xampu, cortei no meio, e também um container de meia-calça, colei-os juntos, e pintei com aerossol para parecer metálico, e coloquei fita adesiva onde queria que a luz saísse, e filmei em frente à tela verde. Todo mundo me achou louco, porque decidi não usar o controle de movimento. Virei-o de ponta-cabeça, porque a miniatura era frágil para usar no sentido correto, e tinha um monitor com a imagem em ponta-cabeça para eu ver como iria aparecer, e fiz todo o movimento à mão, com ele grudado numa vara. Como na época só fazia 20 anos que praticava tai chi, estou acostumado a me mexer devagar e bem suavemente. Ainda pratico tai chi até hoje, todos os dias. Então, todos os movimentos… Achei que seria mais natural uma tremida do que a perfeição do controle de movimento, então fiz todas as tomadas de miniatura daquele episódio, num dia. Graças ao tai chi… E todos acharam que eu estava maluco, até virem.
É incrível, porque a coisa real teria que lidar com uma atmosfera, então teria ventos… Não deveria ser muito perfeita, como é no controle de movimentos.
E teve outro aspecto daquele episódio, é que tem um drone invisível em órbita do planeta que está atacando a Enterprise e ninguém consegue vê-lo. E o Geordi percebe que, se o atrair para a atmosfera, a fricção e o calor criariam uma chama na atmosfera. Então, fiz uma segunda miniatura, coberta com veludo preto, e colei tiras de saco de lixo preto nela. Coloquei-a na plataforma do controle de movimentos, pois achei que no espaço o movimento seria mais suave, e coloquei ventiladores ao redor, para que as tiras balançassem ao vento. Mantive o obturador aberto em 3 segundos por quadro, para obter o borrão do movimento, e parecer com gases se aquecendo. E depois filmei jornais queimando numa churrasqueira, virei a câmera de lado e enquadrei os jornais através do plástico voando. E é isso que parece com o calor da reentrada, quando os gases quentes se formam ao redor da nave invisível.
Fantástico! E o que você anda fazendo agora? Quais os seus projetos atuais? No que está trabalhando?
Em janeiro, acabei uma série de super-heróis da Marvel chamada The Gifted, e evitei pegar novos projetos porque estou trabalhando num livro encomendado pela CBS. Então, quero terminar o livro sem distrações, ando focado nisso, preparando artes. Escrevi uma peça na pós-graduação que ganhou uns prêmios, e quero reescrevê-la, atualizá-la um pouco, e produzi-la. É uma peça de ficção científica ambientada numa prisão alienígena, e tem vários personagens: insectoides, reptilianos e uma criatura de 3 pernas, e todos acabaram sendo reencarnados em Enterprise.
Isso… Já ia mencionar isso, lembra os xindis.
E uma coisa que quero fazer com essa peça, e acho que por isso ela ganhou prêmios, é que quero mudar a relação entre a plateia e a peça. Na maioria dos teatros, há o palco, e a peça fica ali, distante, e a plateia senta aqui. Mas montei a minha peça num teatro de caixa-preta, sem palco. Desenhei uma série de rampas geométricas que se mexiam. Havia espaços negativos, da altura do ombro ou abaixo do chão, então cada membro da plateia recebia um poncho florido, vestiam eles sobre as cabeças e, quando se sentavam nos buracos, se tornavam parte do cenário e interpretavam plantas sencientes. Eles tinham uma mentalidade coletiva, como uma plateia tem, e isso dava aos atores um motivo para falar com eles, e até botávamos um boneco lá, porque, mais tarde na peça, um dos personagens malvados chega lá e agarra a cabeça do boneco e o levanta, e alguém borrifa glitter vermelho para cima e a plateia se choca… “Alguém foi decapitado!” Então a plateia… Eles eram a plateia, faziam parte do cenário e eram um personagem coletivo.
Que ótimo. Deve ser incrível participar dessa plateia no meio da ação.
Ela ficou tão popular que o corpo estudantil fez uma petição para estender a temporada da peça por mais 2 meses, para todos verem. Isso foi inédito. Também estou trabalhando com meu sócio, Brandon McDougal, um dos construtores de modelos digitais e animadores de Star Trek, e Brandon virou também um construtor de violinos. Tive essa ideia sobre ergonomia para guitarras, mandei o desenho para Brandon e perguntei: “O que acha dessa ideia?”, e ele disse: “Vamos fazer”. Então, agora que estou tirando uma folga do trabalho, quero divulgar essas guitarras, temos uns protótipos.
Fale um pouco mais sobre o livro, é um livro de Star Trek, certo?
Sim, é. Embaraçosamente, se chama Star Trek: The Artistry of Dan Curry, e estou trabalhando com um coautor, um cara maravilhoso de Londres chamado Ben Robinson, estamos trabalhando nele juntos e tem anedotas sobre como fizemos as coisas, histórias engraçadas que aconteceram no set, e comentários de membros do elenco e pessoas com quem trabalhei, como Ron B. Moore, colega dos efeitos; Kate Mulgrew, Scott Bakula, Armin Shimerman, Michael Dorn, todos escreveram pequenos textos sobre como foi trabalhar comigo, e o quão terrível eu era.
Ótimo… Deixe-me perguntar sobre suas participações especiais, você fez algumas em Jornada. Como isso aconteceu?
Geralmente eu fazia o cara morto, um bandido morto. Mike Okuda chegou comigo e disse: “Precisamos de um bandido morto.” E eu fazia minha melhor cara de mau e o Mike tirava minha foto e a usava no que quer que estivessem fazendo.
O livro já tem data para sair?
Sim, está marcado para ser lançado em setembro de 2020. Fico feliz, porque teremos tempo de refiná-lo e deixá-lo o melhor possível.
Estou ansioso por ele, e sei que muitos fãs também estarão. Deixe-me fazer uma última pergunta: você gostaria, por acaso, de vir a uma convenção de Jornada no Brasil?
Eu adoraria. Só conheço duas pessoas do Brasil, e meu primeiro encontro com um brasileiro foi no colégio, quando tivemos um intercâmbio, e ainda lembro o nome dele, Marcos Santos. Tínhamos um time de futebol, o futebol de vocês, eu fazia parte do time e nós éramos horríveis. Esse garoto veio do Brasil e sabíamos que os brasileiros são bons de futebol. Ele começou a se aquecer e a chutar a bola, e olhamos para ele. E foi quando percebi que não sabíamos nada de futebol. Então Marcos virou nosso treinador, porque entendia mais de futebol do que qualquer um na cidade. E era uma pessoa muito simpática.
Beleza… Dan, foi um prazer falar com você, agradeço muito por esta entrevista.
Ok… Espero não ter tagarelado muito.
Não, foi maravilhoso. Muito obrigado pelo seu tempo.
Tradução de Ivanildo Pereira.