Tardígrado e robô se encontram em momentos clássicos de Star Trek
Sinopse
Um filme da divisão de ciência da Frota Estelar, estranhamente produzido como um curta em preto-e-branco dos anos 1950, apresenta a vida do tardígrado no espaço. Ele revela que essas estranhas criaturas que usam a rede micelial como uma espécie de rodovia superdobra para transitar pelo cosmos precisam escolher muito bem onde botam seus ovos – um lugar seguro, já que eles levam vários anos para chocar.
Uma mamãe tardígrado está prestes a depositá-los num asteroide quando é surpreendida por uma trombada com a USS Enterprise, comandada pelo capitão James T. Kirk, em 2267. Na colisão, o asteroide é feito em pedaços, e a criatura então tenta entrar na nave. Pela janela, ela vê Kirk e McCoy conversando com Khan, na enfermaria. Mas um robô de reparos rapidamente detecta a presença e trata de ir ao vácuo do espaço para espantá-la.
Sem desistir de explorar aquela misteriosa nave, a mamãe tardígrado acaba conseguindo entrar e encontra na engenharia um bom lugar para depositar seus ovos. Mas o robô continua em seu encalço. Eles se enroscam numa pilha de uniformes da Frota, passam por uma montanha de pingos e veem Sulu desafiar tripulantes com uma espada. Após uma luta fervorosa, o robô finalmente consegue expulsar a intrusa – mas os ovos ficaram na engenharia.
A Enterprise então parte em dobra e a mamãe tardígrado segue em seu encalço, numa perseguição que dura anos. Eles passam pela mão esverdeada de Apollo, pela máquina da destruição, pela teia tholiana e até encaram um Abraham Lincoln gigante no espaço. A perseguição prossegue depois que a nave passou por uma reforma e teve de enfrentar novamente Khan, a bordo da Reliant, e em seu conflito final com os klingons, em órbita do planeta Gênesis – sua derradeira viagem.
A nave explode, e a mamãe tardígrado fica desesperada por não ter conseguido salvar seus ovos. Quando vê seu algoz, o robô, flutuando pelo espaço, danificado, ela fica furiosa. Mas descobre então que ele resgatou os ovos – alguns deles recém-chocados – e salvou seus bebês. Feliz da vida com seus filhotes, a mamãe tardígrado se agarra ao robô recém-incorporado à família, e juntos eles partem para viver novas aventuras.
Comentários
“Ephraim and Dot” tenta funcionar em dois níveis: para o público infantil, trata-se de uma aventura divertida entre uma criatura espacial e um robô, no velho estilo de desenhos animados como Tom & Jerry e Pernalonga. Para os fãs de Star Trek, é uma bonita homenagem a muitos momentos marcantes da Série Clássica. O resultado é positivo, ainda que esteja longe de inesquecível.
A mistura de elementos é meio peculiar. Na abertura, ele presta homenagem aos documentários em curta-metragem de cinema dos anos 1940 e 1950, o que é evocado pelas cenas em preto-e-branco com sujeira de filme e pela narração. Mas então há a transição para um estilo cartoon, que combina sensibilidade e animação modernas (claramente em 3D, embora emulando um visual 2D) com referências e clichês dos clássicos antigos. Quer mais old-school que o tardígrado passando por uma tubulação que “engorda” e “emagrece” conforme ele transita?
É divertido, e especial no sentido de que nunca antes algo assim havia sido feito com Jornada nas Estrelas, mas, por outro lado, não é nada que outros cartoons já não tenham feito mais e melhor.
O grande destaque de qualidade aqui – e nem chega a ser surpreendente, tendo como diretor e compositor Michael Giacchino – é a trilha sonora. “Ephraim and Dot” é legal de ver, mas é ainda mais encantador de ouvir. As vinhetas musicais acompanham belamente a ação e evocam o espírito do material original – isso quando não fazem citações literais. A cena de “luta” entre o robô e o tardígrado ao som da inesquecível trilha de “Amok Time” é um daqueles momentos em que, se o fã não sorrir, ele é mais frio que um vulcano.
Igualmente encantadora é a citação à trilha de James Horner para Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan quando a Enterprise encontra a Reliant. E claro que os créditos finais não poderiam ter outro som que não fosse a fanfarra da Série Clássica.
Nas referências mais explícitas a cenas famosas, muito legal ver Khan, Kirk e McCoy animados, bem como o Sulu espadachim, embora o curta lance mão de licença poética para colocar janelas e paredes de vidro onde elas não existem na nave. Colabora para a magia que as vozes originais de Montalban, Shatner, Kelley e Takei tenham sido usadas.
Contudo, em meio a tanta nostalgia, há também coisas com que se irritar. Sobretudo nos trechos envolvendo a Enterprise reformada, pós-Série Clássica. Claro que os fãs notariam a presença de um “A” na designação da Enterprise (NCC-1701) que não deveria estar lá. Mais estranha ainda é uma tomada que mostra o disco da Enterprise desalinhado em 45 graus com relação à seção de engenharia. E as letras invertidas na parte inferior do disco também não ajudam.
São elementos relevantes para curtir a brincadeira? Não. Mas, no que supostamente é uma homenagem, é o tipo de falta de cuidado que fere a sensibilidade dos fãs, porque qualquer um teria observado de imediato o problema, e as correções seriam de simples implementação. Dá a impressão de que a produção foi concluída às pressas, mas nem isso justificaria essa falta de zelo.
No fim das contas, os maiores valores de “Ephraim and Dot” são a ousadia e a experimentação. Claramente há o desejo de levar Jornada aonde ela jamais esteve, e os Short Treks são um ótimo modo de realizar esses testes, sem ter de se preocupar muito com cânone ou receptividade. A exemplo da propaganda do cereal de pingos de “The Trouble With Edward“, este cartoon não foi escrito ou produzido para ser parte da “realidade ficcional” de Star Trek. É uma brincadeira de 9 minutos, evocando momentos clássicos e contando uma história encantadora, ainda que simplória, sobre uma criatura espacial e um robô de reparos.
Avaliação
Citações
Narrador – “At last, peace returns to the world of our mother Tardigrade. We can’t help but wonder what adventures await as our new family goes boldly where no one has gone before.” (“Finalmente, a paz volta ao mundo da nossa mamãe tardígrado. Impossível não imaginar que aventuras a esperam conforme nossa nova família vai audaciosamente aonde ninguém jamais esteve.”)
Trivia
- O roteiro é assinado por Anthony Maranville, contratado como pesquisador para a primeira temporada de Discovery, e Chris Silvestri, assistente que se tornou parte da equipe de roteiristas no segundo ano. Os dois escreveram juntos o roteiro de “The Red Angel“.
- Michael Giacchino é conhecido por seu trabalho como compositor musical. Suas composições conquistaram Emmy, Grammy, BAFTA, Globo de Ouro e Oscar. Ele foi responsável por muitas trilhas de sucesso de filmes da Pixar, como Os Incríveis e Up – Altas Aventuras. No universo de Star Trek, ele compôs a trilha dos filmes produzidos por J.J. Abrams.
- Giacchino contou como se envolveu na posição de diretor. “Alex Kurtzman me ligou um dia e disse: ‘Ei, você estaria interessado em dirigir algum desses curtas? Tem live-action, tem animados’. E eu disse: ‘Animados? O que está rolando com isso?’ E ele disse: ‘Bem, temos dois diferentes, você pode escolher o que você quiser, mas já sei qual você vai escolher’.”
- O diretor quis fazer de seu curta algo que ele descreveu como um “Tom & Jerry emocional ambientado na Enterprise”. Sua principal referência foram os cartoons de Tex Avery, criador de Pernalonga e Patolino, entre outros personagens. “Os cartoons de Tex Avery são alguns dos melhores de todos os tempos. Se você olhar para o meu curta, tem muita inspiração que veio do que ele fez.”
- A exemplo de “The Girl Who Made the Stars“, “Ephraim and Dot” é uma animação da Pixomondo, principal fornecedora de efeitos visuais de Star Trek: Discovery. Trata-se de animação 3D, feita em computador, mas com acabamento para evocar o estilo de animações em 2D.
- Originalmente, Ephraim não tinha olhos, porque o personagem original de Discovery, a exemplo de um tardígrado real, não tem olhos. “Mas eu achei que seria muito importante que ele tivesse olhos e tivesse algum modo de expressar emoções”, disse Giacchino.
- No começo do planejamento inicial de Discovery, o tardígrado seria um personagem regular na ponte, chamado Ephraim. O nome era uma homenagem a Johann August Ephraim Goeze, zoólogo alemão que fez a primeira descrição dessas intrigantes criaturas, em 1773. Considerações técnicas levaram a ideia a ser abandonada.
- Dot, baseado nos robôs DOT-7 vistos em Discovery, originalmente tinha detalhes em azul, como na série. Um trailer chegou a mostrá-lo em azul na animação, mas, na versão final, a cor foi trocada para vermelho.
- Este episódio marca a primeira aparição da USS Enterprise como animação desde “The Counter-Clock Incident” (1974), último segmento da Série Animada.
- São referenciados visualmente neste curta os episódios clássicos “The Man Trap“, “The Naked Time“, “Space Seed”, “Who Mourns for Adonais?”, “The Doomsday Machine”, “The Trouble With Tribbles”, “The Tholian Web” e “The Savage Curtain”, além dos filmes Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan e Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock. Em áudio, há também uma referência ao episódio “Amok Time”.
- O narrador do curta, Kirk Thatcher, é mais conhecido entre os fãs como o punk no ônibus de Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa.
- A despeito de a história se passar majoritariamente durante a Série Clássica, a Enterprise vista no curta é a versão modernizada para o capitão Pike, mostrada em Discovery.
- Na aparição da Enterprise reformada dos filmes, sua designação erroneamente é NCC-1701-A. Michael Giacchino admitiu o erro e pediu desculpas publicamente no Twitter, indicando o prazo apertado de produção como um dos fatores que levaram ao engano.
Ficha técnica
Escrito por Chris Silvestri & Anthony Maranville
Dirigido por Michael Giacchino
Exibido em 12/12/2019
Produção: 205
Elenco
Kirk Thatcher como narrador
Jenette Goldstein como voz do computador da Enterprise
William Shatner como James T. Kirk (áudio da série original)
George Takei como Hikaru Sulu (áudio da série original)
Ricardo Montalban como Khan Noonien Singh (áudio da série original)