REVIEW: Homem-Aranha (“Spider-Man”)
Por Luiz Castanheira
Antes de falar do filme, quero prestar uma pequena homenagem ao mestre dos mestres. TODOS os seus personagens são especiais, por terem na Gênese da sua criação, uma verdade humana inquestionável. Mesmo velhinho estava ele lá, em cena, salvando uma garotinha, no filme da mais humana de todas as suas criações. VIVA STAN LEE !!!
Este “Spider Man (2002)” é um bom filme e merece ser assistido por fãs do gênero ou não. É uma das melhores adaptações de super-heróis dos quadrinhos para o Cinema. Ali no nível de “Superman (1978)” e “X-Men (2000)”. Se o leitor quiser maior objetividade ainda, eu particularmente acho o Superman (o personagem) um saco, dai o filme sai da disputa. Fica entre os dois filmes “da Marvel” a coroa. Se tiver que escolher entre os dois, ainda fico com o dos “X-Men”. Mais sóbrio, além de Bryan Singer REALMENTE sabe dirigir atores. Mesmo as minhas ressalvas com relação à caracterização de Magneto (que não saiu tão 3D como deveria) ficaram pequenas comparadas ao “ataque do abacate a jato” deste “Spider Man” (definitivamente para os que disseram que o Joel Schumacher não deixou “seguidores” em algum lugar).
Observando o grosso das seqüências de ação deste filme, ficamos com a impressão que no mundo onde ele se passa, as leis físicas são um pouco diferentes das do nosso. O curioso é que o filme não se apresenta como um filme de “fantasia”. Pelo contrário ele aparentemente quer ser considerado um filme de drama real em que seres com superpoderes, por acaso existem. Observando as tomadas de ação do filme, não é difícil imaginar como elas teriam sido feitas de forma diferente com a direção de James Cameron (visto que este projeto originalmente seria de Cameron para dirigir e que ele é um confesso fã do Aranha).
Ele teria usado uma paleta de cores muito mais sóbria (Azul, Vermelho e Verde na mesma cena? NUNCA!), mais escura, teria filmado certas seqüências mais de perto, teria mais respeito pelo realismo físico das cenas, traria ação menos estilizada e PRINCIPALMENTE procuraria uma qualidade fotográfica no CGI. Obviamente ele ia precisar do DOBRO do orçamento para realizar tudo isto e fatalmente acabaria conseguindo o dinheiro e fazendo um filme MUITO MAIS bem acabado. Mas ficando com o aquele que foi feito…
Sam Raimi me surpreendeu com uma câmera até conservadora (pelo menos neste mundo moderno de Fincher, Aronofsky etc.) com exceção de certas tomadas de ação. Fica também a impressão que ele perdeu um pouco o controle do filme com tantos efeitos visuais. Por exemplo, certos (não todos) “travelings” do Aranha me pareceram um bocado confusos. Especialmente quando a “câmera” chegava bem perto do herói.
Hoje em dia a maioria dos produtores contrata um “compositor X” para fazer a “Trilha de um compositor X”. Foi o que fez Danny Elfman aqui. O que NÃO é um elogio.
Quanto aos efeitos visuais (a cargo do veterano John Dykstra) em si, a melhor palavra é decepção. Aparentemente com as dificuldades financeiras, a impossibilidade de filmar em Nova Iorque e a complexidade das tomadas exigidas, a idéia foi fazer algo assumidamente “falso, mas que funcione” e acho que foi conseguido o que eles queriam (não que isto necessariamente tenha sido uma coisa muito boa). Os efeitos visuais neste filme são tão pouco realísticos que até a gota de sangue que escorre da perna de Parker no chão de seu quarto, parece falsa (ou melhor, É FALSA). Outra cena “muito doida” é quando “M.J.” se pendura no cabo que balança violentamente sem cair e quando finalmente cai, ela se agarra no “bondinho” sem problemas. O que dá a impressão de que ela própria foi picada por uma aranha (no bom sentido é claro). Existem outros problemas envolvendo efeitos visuais no filme (se bobear a própria Sony lança um “Nitpicker’s Guide” para ganhar um troco).
A utilização de uma mistura entre “Live-Action”, “Fundo Azul” e “CGI” trazem uma certa não uniformidade ao filme quanto ao seu visual (produzindo mais material para o “guide” citado acima). Apesar de ser louvável a concentração dos atores, com tanto trabalho em “Fundo Azul” para ser feito.
A maioria, das idéias das “seqüências de ação”, vai ser dificilmente considerada inovadora pela audiência. Uma idéia particularmente excelente (baseada no atualmente popular conceito de “Bullet Time”, o qual aparece outras vezes no filme também) foi à forma em que foi apresentado o “sentido de Aranha”. Uma idéia particularmente ruim foi rotacionar a câmera mostrando o Aranha subindo as paredes vistas na horizontal (o que pareceu mais uma amostra de making-of de uma cena, que uma cena real).
Cameron SEM DÚVIDA entregaria um pacote mais bem acabado em termos de ação e valores de produção em geral, mas fica a dúvida se a história, a caracterização dos personagens e PRINCIPALMENTE a dinâmica entre eles não se perderia em meio a mais uma (e mais uma e mais uma) seqüência de ação. Sam Raimi (e os demais responsáveis pelo filme) conseguiu se manter extremamente fiel ao ESPÍRITO do personagem e do seu universo e conseguiu tratar com carinho todos os personagens e fazer com que todas as suas inter-relações fossem atuadas e entendidas (apesar de achar que TODAS as lagrimas do filme são desnecessárias). Raimi conseguiu contar com fidelidade a simples, mas infinitamente verdadeira história de Peter Parker, que, como ele próprio diz, é sobre uma garota, ou melhor, sobre o amor. Que é o assunto de todas a histórias que valem realmente a pena serem contadas.
Agora vem a parte que segura o veredicto, pois se você acredita nos personagens, você acredita em sua história. Mesmo ela tendo sido contada com efeitos visuais de videogame.
Tobey Maguire (como Peter Parker/Spider-Man): Maguire foi uma escolha perfeita para o papel, por ter uma característica de “cara comum”. Aquele que se perde completamente na multidão. Aquele que não chama a atenção de ninguém de forma alguma. Este é o verdadeiro Peter Parker, uma pessoa COMPLETAMENTE comum (e ainda mais humano – sem ser o gênio dos quadrinhos). A herança de Cameron: dos “lançadores de teia orgânicos” e da “picada da aranha geneticamente engendrada” são absolutamente geniais (apesar da segunda deixar no ar o “por que” de Parker não ter morrido com a picada e “por que” tal experiência não poder ter sido repetida mais tarde com outra “cobaia”, já que ele não tinha nada de especial mesmo).
A fantasia do Aranha ser meio carnavalesca é explicada pelo objetivo da luta-livre, mas não justifica como ele conseguiu confecciona-la. Apesar de todo esforço investido em deixar o “modelito original” mais tratável para o Cinema, ainda assim ficou esquisito (ainda mais com a fantasia do “Duende-Verde” na mesma cena). Pelo menos eles deixaram a “M.J.” com tons pastéis.
A imponderável conexão inicial entre Peter e Norman Osborn é posta para ótimo uso, além de, em um nível mais mundano, ele ser o filho que Norman sempre quis ter. Fascinante que ele entende que não deve ganhar dinheiro em lutas e ganha dinheiro para se manter no Jornal com uma mentira. Consegue conviver com a traição de Harry, cumprir o último desejo de Norman e renunciar ao amor de “M.J.”
(Existe, entretanto, um paralelo não muito bem concebido, muito menos realizado entre Peter e Norman com relação aos seus poderes e as suas atitudes com relação a eles. Talvez o conceito do “Duende Verde” não seja o mais adequado para tal comparação. Talvez uma outra história em um outro contexto.)
Willem Dafoe (como Norman Osborn/The Green Goblin): Dafoe é um dos grandes atores vivos, com extrema versatilidade e alcance e faz a transição entre as duas personalidades que Norman desenvolve com extrema facilidade. As suas cenas, contracenando com ele mesmo são extremamente bem atuadas e dirigidas. Interessante também como ele faz a personalidade do “duende” se tornar completamente dominante de forma gradativa. Belo trabalho. A existência: do deslizador, da armadura e da máscara são razoavelmente justificados em tela, ainda assim o resultado final está mais para carnavalesco que para aterrador.
Kirsten Dunst (como Mary Jane “M.J.” Watson): Irônico que em um “filme de mascarados”, a personagem que mais finge ser algo que não é, não as use. “M.J.” vive uma vida miserável e assim que deixa a porta de sua casa finge que tudo é maravilhoso em seu mundo. Ela quer sair dali de qualquer forma, por isto se envolveu com os “riquinhos” Flash e Harry, mesmo tendo que continuar a “interpretar um papel” mesmo estando claramente infeliz com tal situação (um subproduto interessante de tal dinâmica explica claramente por que muitas garotas LINDAS têm problemas sérios de auto-estima, bastante interessante mesmo). Somente com uma pessoa ela sempre pode ser ela mesma, sem “Máscaras” e sem mentiras: Peter Parker. Esta é a SUA verdade.
James Franco (como Harry Osborn): Harry é um aluno medíocre e pouco atraente. É o melhor amigo de Peter, mas não tem o menor escrúpulo em se envolver com a garota que Peter sempre amou. O irônico é que ele não liga a mínima para a garota e está interessado nela para mostrar ao seu pai que ele PODE ter alguém tão bela como ela. Os ciúmes que sente por Parker em relação ao seu pai só tornam o personagem ainda mais interessante. Ao final de tudo, o seu amor por Norman, a sua amizade por Parker e o seu ódio pelo Aranha se mostram completamente realizados. O último abraço entre os dois é drama da melhor qualidade.
Cliff Robertson (como Ben Parker): Robertson (ganhador do Oscar por “Charly (1968)”) faz meio que o papel que Marlon Brando fez em “Superman (1978)”. é bom saber que o veterano e grande ator continua em forma. Mais trabalho para ele. “Grandes poderes, trazem grandes responsabilidades”. SEM DÚVIDA!
Rosemary Harris (como May Parker): A doce velhinha que se mostra sábia e muito forte ao longo do filme. Harris trabalha muito bem com Robertson e principalmente com Maguire. “Livrai-nos do mal” e do Joãozinho trinta no próximo filme.
J.K. Simmons (como J. Jonah Jameson): Simmons (de “Law&Order”) encarna com absoluta perfeição e energia o impagável Jameson. É particularmente digno de nota o fato de que ele não entrega Parker mesmo quando o “Duende” o está estrangulando. Pedindo informações sobre quem tira as fotos do Aranha.
(Pontas famosas: Ted Raimi, irmão de Sam Raimi, como Hoffman, assistente de J. Jonah Jameson. Bruce Campbell, melhor amigo de Sam Raimi, como o mestre de cerimônias de luta-livre. Lucy Lawless, a infame “Xena”, da série de mesmo nome produzida por Sam Raimi, como uma “Punk Rock Girl” que é entrevistada durante o filme e que acha o Aranha “muito sexy”.)
Com certeza virão continuações. O truque vai ser manter a verdade de “homem comum” de Parker e ter um vilão que tenha ressonância pessoal com o Aranha. Sobre este filme aqui, ele funciona e continuará funcionando por décadas e mais décadas, pois trata honestamente de pessoas e das conseqüências dos seus atos. O que mais podemos querer? BOM TRABALHO!
Recomendação:
Luiz Castanheira é co-editor do TB