De todos os painéis realizados na convenção Star Trek Las Vegas, concluída no último domingo (4), o mais revelador, disparado, foi o dedicado a Lower Decks, a série de animação adulta criada por Mike McMahan. Agora sabemos mais sobre os personagens e a (não muito) audaciosa missão da USS Cerritos: fazer “segundo contato”.
“Então, primeiro contato é super importante, realmente perigoso. Você não quer iniciar nenhuma guerra, não quer arruinar a vida de ninguém”, disse McMahan. “Segundo contato, você aparece no planeta e descobre os melhores lugares pra comer, monta os bagulhos de comunicação… eu queria explorar, [depois que o] primeiro contato acontece e você começa a entrar para a Federação e você já tem capacidade de dobra… mas o que vem a seguir? O que a Frota Estelar faz para apoiar aquela oferta de se juntar?”
Como dito já na San Diego Comic Con, em julho, a USS Cerritos é uma nave da classe California. “Ela sempre esteve lá, mas talvez não tenha sido suficientemente importante para ter tido tempo de tela ainda”, brincou o showrunner.
A série é ambientada em 2380, logo após Star Trek: Nêmesis, e McMahan mal se conteve quando um fã perguntou sobre a potencial aparição de personagens consagrados da franquia. “Sim, estamos tentando trazer todo mundo. Não quero fazer nenhuma provocação ainda, mas tudo que quero dizer é que esses são os heróis de todo mundo. Se conseguirmos achar um jeito de não bagunçar com a série e surtar de trabalhar com todas essas pessoas que amamos, vamos fazer. Nossa tripulação de A Nova Geração está lá fora em 2380 – é tudo que vou dizer.”
A nave “heroína” terá seu estado-maior, claro, a começar pela capitão Freeman (Dawnn Lewis), descrita como alguém “tão capaz quanto você quer que um capitão da Frota Estelar seja, mas não está na nave mais importante”. Seu primeiro oficial é o comandante Ransom (Jerry O’Connell”), descrito como um “Riker da Califórnia”. Além deles, temos o oficial de segurança bajoriano Shaxs (Fred Tatasciore) e a médica-chefe, dra. T’Ana (Gillian Vigman), que é uma caitiana (a raça felina vista pela primeira vez na Série Animada) e não tem nada de dócil. “Ela é mais como um McCoy ou uma Pulaski. Ela é meio que como uma Super Pulaski, como uma gata do ferro-velho.”
O foco da série, contudo, não está nesses personagens, e sim em quatro alferes que fazem parte da equipe de apoio da nave. Isso, claro, lembra muito o episódio “Lower Decks”, de A Nova Geração. E não é coincidência. McMahan revelou que esse episódio é a inspiração dele para a série, assim como seu segmento favorito em Star Trek.
Entre os protagonistas, a alferes Mariner (Tawny Newsome) foi descrita como “meio que aquele clásico herói de Star Trek“. “Ela é um pouco Kirk, um pouco Riker. Ela não necessariamente joga pelas regras e pensa fora da caixinha um pouco, mas faz o que tem de fazer. E ela é realmente boa com coisas da Frota Estelar. Ela é a nerd de Star Trek definitiva. Ela sabe um pouco de tudo. Mas já foi rebaixada muitas vezes e é por isso que ela está na equipe de apoio. Apesar de saber tudo, ela é meio ruim em obedecer ordens. Ela é meio como o Maverick de Top Gun. Ela passaria raspando pela torre.”
O alferes Boimler (Jack Quaid) é, de muitos modos, o oposto de Mariner. “Ele é ‘pelas regras’ e obcecado com patentes. Ele quer ser capitão um dia e acha que seguir o protocolo é o único modo de chegar lá. Ele se magoa muito fácil, o que faz dele o alvo perfeito para Mariner. Ele chegará à cadeira de capitão um dia, se puder aprender com ela e saber que há mais na Frota Estelar que apenas seguir as regras”.
A alferes Tendi (No’l Wells) é órion e é uma grande fã de Star Trek que entrou para a Frota Estelar. “Vemos o primeiro dia de trabalho dela numa nave da Frota e é a realização de um sonho. Estamos canalizando o que seria se um de nós pudesse trabalhar numa nave da Frota. A proposta original para ela era a de que não havia trabalho muito baixo que ela não curtisse muito fazer… Ela é como se o otimismo da Frota Estelar fosse transformado em uma pessoa.”
Por fim, temos o alferes Rutherford (Eugene Cordero), que acabou de receber um implante cibernético e ainda não se acostumou a ele. “Ele fica reclamando de seu implante porque ainda não sabe como usá-lo. Rutherford é como Geordi La Forge, se não for para resolver o problema em 40 minutos. Em todo episódio ele está meio que “já sei o que fazer”, mas às vezes não sabe.”
McMahan e sua equipe deram um exemplo do que isso significa em diálogo. Ele diria: “Preciso de 20 minutos”. A resposta: “Bem, você tem 10.” “Não, sério, eu preciso de todos os 20. Eu não estou fazendo aquela coisa do Scotty, eu provavelmente preciso de 30.”
O showrunner também comentou a escolha dos uniformes, que foram em boa parte uma reciclagem de um design produzido originalmente para Star Trek: Generations (1994), que por pouco não chegou a figurar no filme (action figures dos personagens com eles chegaram a ser lançados). “Quisemos fazer algo que, se você visse alguém fazendo cosplay, você imediatamente soubesse, ‘isso é A Nova Geração e tem de ser a série de animação’, mas não parece que não é Frota Estelar. Eu também adoro aquela aba.”
CANONIZAR OU NÃO CANONIZAR?
Questionado sobre se os uniformes seriam oficialmente parte do cânone como o padrão da Frota Estelar em 2380, McMahan se esquivou, indicando que a série Picard (ambientada em 2399) pode tocar nessa era com cenas de flashback, com outros uniformes. Mas arrematou: “Se você estiver numa nave da classe California em 2380, é bom você estar usando esse uniforme!”
A ideia, segundo McMahan, é colocar a série firmemente dentro do cânone e inclusive ajudar a sedimentar a canonização da primeira série animada (de 1973), como com a inclusão da doutora caitiana. O fato de ser uma comédia não é visto como um impedimento.
“Uma parte importante desta série é descobrir como você pode ser Frota Estelar e ainda assim ser engraçado”, diz McMahan. “Você não vai querer hipotecar seus personagens para favorecer a história que você está escrevendo. Parte do que quisemos fazer em Lower Decks é fazer como se você estivesse assistindo a Star Trek, um episódio rápido e bom de A Nova Geração. O que isso significa é que não há ninguém na Frota Estelar – não importa em qual deque da nave você trabalhe – que não seja excelente, que não seja o melhor em nós, que não esteja imbuído daquela bondade otimista que todos amamos na Frota Estelar. Então, quando escrevemos uma comédia sobre Star Trek, não podemos surrar o material de Star Trek. Todas as pessoas sobre as quais você está escrevendo têm de amar a Frota Estelar tanto quanto a gente, que é o motivo pelo qual nós amamos ver histórias sobre ela.”
Ao resumir a série, o showrunner deu a seguinte descrição:
Se Deep Space Nine parece com tomar uma boa xícara de café feita com todo requinte, nossa série parece como tomar uma xícara de café jogada na sua cara e então você cai da escada e está lá e diz, ‘que diabos acabou de acontecer?’
McMahan apresentou sua equipe de roteiristas, que combina trekkers e recém-chegados (M. Willis, Chris Kula, Ben Rodgers e Ann Kim), e disse que a série, atualmente em produção, estreia em 2020.
Em algum lugar, Gene L. Coon a essa altura tem um sorriso de orelha a orelha. (Entendidos entenderão.)