(Estarei sendo mais pessoal, cínico e crítico do que de costume. Antes que alguém diga “não esquenta a cabeça, isto é só uma série de TV”, devo dizer que eu sei perfeitamente disto e o Braga mais ainda.)
(Continuamos com perguntas e respostas.)
04 – O que podemos esperar dos valores de produção de Enterprise ?
Voyager foi, nas duas últimas temporadas, a mais bem produzida série SCIFI no ar na TV americana e nem por isto foi uma boa série neste período de tempo (ou em qualquer outro). Não vejo por que Enterprise não possa manter tal “coroa de qualidade”, o que (de novo) obviamente não a transformará automaticamente em uma boa série.
Pelo aspecto dos promos, aparentemente teremos uma fotografia bem mais elaborada do que a de Voyager, algo na linha da série “CSI” (cuja fotografia, curiosamente, é de Jonathan West, que já trabalhou na Nova Geração e especialmente em DS9).
Claramente Braga e Cia. estão apostando nos Sulibans, uma criação mista de efeitos visuais e maquiagem. Fica a dúvida se tal tecnologia a ser utilizada tem algo a ver com a “tecnologia de rastreio”, do episódio “The Quickening” de DS9, utilizada para apresentar as feridas da moléstia tratada em tal episódio.
O efeito envolvendo a imagem digital dos atores (que estou audaciosamente apelidando de “Poor’s Man Matrix Effect” ou PMME para encurtar), que apareceu pela primeira vez no episódio “Renaissance Man” (um dos últimos episódios da sétima temporada de Voyager) e que permitiu naquela ocasião ao doutor (se passando pela Torres) andar nas paredes e desferir golpes desafiando as leis físicas, promete ser um ponto de destaque também.
Ficamos também aguardando o tal “efeito 3D” para o teletransporte, algo prometido (e nunca apresentado) desde a quarta temporada de Voyager.
No mais, espero uma evolução natural daquela que é essencialmente a mesma equipe (a menos do staff de roteiristas) que tinhamos em Voyager.
05 – É possível ser absolutamente original hoje em dia ?
Eu diria que não. Para qualquer obra de ficção produzida hoje em dia sempre é possível termos “um certo ponto de vista” em que “de certa forma” uma “obra anterior” foi “revisitada”. O importante é evitar similaridades óbvias, lugares comuns os famosos clichês. Uma certa erudição não redime uma “cópia” mas pelo menos a camufla bem, na maioria das vezes. A regra é: se você não reconhece a fonte, não significa que a obra apreciada seja original, simplesmente não é obviamente copiada.
Existem claros exemplos de “cópias benignas” como em B5, com suas inúmeras referências a obras como “O senhor dos anéis”, a mitologia Arturiana e mesmo a séries inglesas como “The Prisoner”, entre tantas outras influências. DS9 não fica atrás com um sem-número de referências a Segunda Guerra mundial e a Bíblia. Mas o que estas duas séries souberam fazer com maestria foi utilizar tais cenários como um consistente pano de fundo para o tocante drama envolvendo a grande maioria dos seus personagens e neste aspecto, os seu personagens, Enterprise não me impressiona nem um pouco.
Se as histórias não podem ser absolutamente originais, tragam o foco para os personagens (com é usual no drama televisivo moderno), tornem a série “nova” através dos seus personagens. Façam-nos reais, não existe uma pessoa real igual a outra pessoa real. Permitam que uma real dinâmica de vida tome conta dos relacionamentos entre tais personagens, o resultado de tal “interação caótica” é que vai tornar a experiência de acompanhar a série, agradável ou não semana após semana.
Infelizmente, temos aqui (em Enterprise) uma tentativa de recriar o grande trio da série clássica, com Archer (no lugar de Kirk), T’Pol (no lugar de Spock e aparentemente com altas doses de Seven Of Nine – incluindo um “modelito apertadinho”) e Tucker (uma espécie de McCoy com altas doses de Scotty ou vice-versa), o que me parece um truque não baseado em um continuo processo criativo mas sim em (mais uma vez) uma espécie de Engenharia reversa, mirada na expectativa do público e (uma aposta) em um forte senso de nostalgia com relação a série clássica. Os outros quatro personagens não estão muito atrás, eles também tem inúmeras similaridades com personagens já existentes. Sato parece a mais interessante do bando mas também a que corre o maior risco de desandar.
(Vou ser sincero, se eu quiser assistir a série clássica eu pego uma fita e assisto, não preciso de uma nova série com a mesma premissa e personagens “semelhantes”. Este ponto é crucial, os personagens desta série, ao menos no papel, já existem. Uma péssima atitude para uma série de TV, no meu ponto de vista.)
06 – Que tal a campanha publicitária ?
Tem feito um bom serviço de divulgação e existe de fato um certo senso de antecipação pela estréia da série. Por outro lado a tal “avalanche de entrevistas” está quase me levando a um “pronto-socorro-escrotal”. Algumas entrevistas com o pessoal da parte técnica até são razoavelmente interessantes mas como eu não assisto a série de olho nos valores de produção, elas acabam perdendo o significado.
As entrevistas com a dupla B&B; e os atores chegam a ser engraçadas. Como diabos tanta gente pode dizer NADA e continuar repetindo este NADA vez após vez? O grosso das entrevistas tem algo como “eu sempre fui fã de Jornada”, “é um honra estar aqui”, “o elenco é maravilhoso”, “o ambiente é fantástico” etc. Tais entrevistas não dizem absolutamente coisa alguma e como todos dizem mais ou menos a mesma coisa, acaba soando tudo INFINITAMENTE falso, INFINITAMENTE armado. Quando eu leio uma chamada para uma nova entrevista com Bakula, a primeira coisa que me vem a cabeça é: DE NOVO!
Eu fico completamente irritado quando Braga nas entrevistas, começa a falar (entusiasticamente) da maquiagem dos Sulibans e das “coisas esquisitas” que ELE GARANTIU que vamos encontrar, semana após semana em Enterprise e praticamente não fala da caracterização dos personagens. E quando fala, ele descreve o quão original é na história do Franchise, uma cena em que um tripulante mata uma mosca com a sua bota. “Vocês nunca viram isto antes”, garante Braga.
07 – Serial ou episódico, qual é o formato ideal ?
Nesta altura do campeonato a pergunta é apenas retórica. Essencialmente todas as séries SCIFI hoje em dia são serializadas (em diferentes graus) assim como todo o drama televisivo Norte-Americano. B&B; concordam em parte com isto e introduziram um conceito de “guerra fria temporal”, com um misterioso manipulador do futuro e uma raça de inimigos conhecidos por Sulibans (com um líder “local”, de nome Silik). Berman admitiu recentemente que haverá um tipo de arco ao longo da série e eles fizeram questão de apresentar todos estes elementos NO PILOTO, para que o grosso da audiência tomasse conhecimento disto antecipadamente.
Eu não compro a história de que a serialização afasta os espectadores, as séries mais assistidas são seriais. Existe sim, uma grande preocupação por parte dos executivos quanto a venda da série em Syndication e sobre a liberdade de passar os episódios em um ordem aleatória, este é o real motivo da ausência de serialização em Jornada. Braga e Cia. não tem experiência alguma em serialização, este é um outro motivo mas menor do que o primeiro.
Pontos mais importantes (encurtando uma extremamente longa história que pretendo tratar em uma outra ocasião em um outro tipo de artigo) sobre continuidade: tem que ser tratada primariamente a nível de personagem (você pode ter 100% de continuidade com relação aos personagens e não ter nenhum arco global de história, uma coisa não tem nada a ver com a outra) ; o “botão de reset” tem que ser aposentado ; os personagens tem que fazer escolhas difíceis e lidar com as consequências de tais escolhas ; problemas não devem simplesmente desaparecer no intervalo entre um episódio e outro ; os personagens tem que ter a possibilidade de crescer, se desenvolver e realmente mudar ao longo da série etc.
08 – Quais são os perigos e virtudes da tal “guerra fria temporal” ?
08a – Um pensamento
Este é um ponto que me lembra o sábio provérbio: “cuidado com o que desejas, pois você poderá conseguir.”
Eu, de fato, sempre achei a fundação deixada pela Série Clássica para construção de um Franchise com tantas séries derivadas e tantos episódios produzidos, bastante frágil. Isto não é uma crítica a série original de Jornada mas o fato é que as pessoas que escreveram a série não tinham A MENOR IDÉIA que 35 anos mais tarde “certos indivíduos” ainda a estariam discutindo de forma tão ávida. Ou seja, eles criaram um universo INFINITAMENTE vago (e ambiguo) a maior parte do tempo e por vezes construiram restrições muito severas para fazer certos episódios funcionarem em seus termos, sendo um claro exemplo o episódio “Balance Of Terror” que, podem acreditar, vai virar um ponto de discussão durante a produção de Enterprise, não tenho dúvida.
Eu sempre imaginei uma mini-série (ambientada no final do século 24) em que teriamos um evento cataclísmico, similar aquele da conhecida série de histórias em quadrinhos da “DC Comics”, “Crise nas infinitas terras”. Aquela obra tinha por objetivo unificar todas as “múltiplas realidades” (as “infinitas terras” do título) que a editora mantinha em seus quadros (através de inúmeras aquisições ao longo dos anos) em uma única terra e em um único universo ficcional. Eu tinha a idéia de que tal mini-série (que lidaria brutalmente, e pela última vez na história do Franchise, com viagem no tempo) teria em seu final uma espécie de “renascimento” do universo de Jornada nas Estrelas (é importante salientar que apesar de termos manipulação temporal como pano de fundo da história, NÃO teriamos um “botão de reset” no final, eventos INFINITAMENTE trágicos seriam mantidos). Teriamos (após tal “renascimento”) um universo bastante similar ao que temos hoje em dia mas com algumas notáveis diferenças, tais como Klingons com “casco de tartaruga” desde o início e outros pontos importantes: esclarecidos, corrigidos ou modificados.
A pergunta que sempre me ocorreu foi: como apresentar tal universo ao espectador? Eu imaginava que um conjunto de mini-séries localizadas em momentos estratégicos de toda a linha de tempo do universo de Jornada serviria bem a este propósito. Uma mini-série que falaria da guerra entre a Terra e os Romulanos e a fundação da Federação, sempre “mexeu” com o meu pensamento.
08b – Braga e Cia. com poder absoluto, ALERTA VERMELHO!
Eu espero que todos tenham percebido o quanto a minha idéia é utópica e quão difícil seria escrever e executar tal projeto, envolvendo múltiplas mini-séries e profundas e irreversíveis modificações no universo de Jornada. Só que agora Braga pode ter começado a refazer tal universo sem ao menos se dar conta disto (ele pode também estar sabendo exatamente o que está fazendo, o que não melhora em nada a situação).
Imaginem que a tal “guerra fria temporal” (cuja noção implica a existência de pelo menos duas frentes de luta fora do tempo de Archer e Cia.) possa ser utilizada repetidamente e sem critério, para justificar qualquer “deslize” de continuidade que possa acontecer. Se não houver algum tipo de planejamento e registro por parte de Braga (ele já admitiu que não sabe muito bem como tal conceito vai se desenvolver) de tais incidentes, ele estará formalmente rescrevendo a história de Jornada.
Mas, para um nova audiência que não tem conhecimento detalhado do que aconteceu anteriormente em Jornada, tais incidentes são sem-importância, pois sobre o seu ponto de vista a “Jornada” está começando agora (será esta a REAL audiência de Enterprise, sob o ponto de vista de B&B; ?).
Suponha que Enterprise seja um grande sucesso. Existe, por construção, um espaço na cronologia para um spin-off (que tal “Enteprise: The Birth Of The Fderation” ?) na época da Fundação da Federação. Este será um spin-off de Jornada ou de Enterprise ? Após o final deste suposto spin-off estariamos as vésperas dos 50 anos da série clássica. Que melhor maneira de comemorar do que a estréia de um remake da série original? Sendo com novos atores ou com CGI, tal série teria um visual totalmente consistente com o de Enterprise. Que tal “Enterprise: Constitution” para o título ? Depois poderiamos ter: “Enterprise: Excelsior”, “Enterprise: Ambassador”, “Enterprise: Galaxy”, “Enterprise: Sovereign” etc. Todas supostamente nascidas desta série que estréia hoje na TV Americana.
Espero que tal ponto, que é muito delicado, seja tratado com cuidado pois ele pode esfacelar o próprio universo ficcional de Jornada. Ele é desnecessário para a premissa (que contém muitas potencialidades interessantes, tais como: possível REAL conflito entre humanos e vulcanos ; primeiro contato com todas as raças fundadoras ; guerra com os Romulanos ; fundação da Federação) e parece mostrar uma falta de confiança dos criadores para com ela, parecendo na realidade uma espécie de “porta dos fundos” por onde subverter a série se for interessante fazê-lo em algum momento no futuro.
09 – Final!
Agradeço a companhia de vocês nestas 11 partes de “Esperando Enterprise” e espero produzir (em breve) uma versão atualizada e consolidada deste material para ser arquivada na seção da respectiva série, neste Site. Estarei, na medida do possível, emitindo opiniões sobre os episódios de Enterpise, na forma de reviews bem leves, bem-humorados e (espero que) positivos. Estou curioso como qualquer um sobre o que esta série irá trazer para o universo de Jornada. Na próxima “Reunião-Trekker” (que por sinal estará completando 3 anos) aqui no Rio (dia 20 de outubro próximo) estarei exibindo o piloto de Enterprise, “Broken Bow” e pretendo colher a opinião da audiência sobre o episódio e fazer uma matéria especial para o TB com o material assim coletado.