Se você acha que as duas primeiras temporadas de Star Trek: Discovery são termômetro para o que vem por aí, esqueça. Em entrevista exclusiva para o Trek Brasilis, a roteirista Bo Yeon Kim revela que o terceiro ano – em que a nave salta para um futuro longínquo, jamais mostrado antes em qualquer série – terá um tom muito diferente de suas temporadas iniciais.
“Tudo o que eu posso dizer é que terá um estilo muito diferente da primeira e segunda temporada e que isso é muito empolgante para mim como roteirista”, revela Bo Yeon. “Nas palavras de Spock, vamos ver o que o futuro nos reserva.”
Evitando falar sobre a nova série da Seção 31, a qual ela será coprodutora executiva e showrunner, Bo Yeon (sim, é um nome composto, somente o Kim é sobrenome) explica nessa entrevista muito do processo criativo dos roteiristas de Discovery, a aventura que é desenvolver uma nova raça e uma raça já consolidada de Star Trek, sua dinâmica de escrita com Erika Lippoldt e muito mais. A seguir, confira o papo que tivemos com Bo Yeon Kim.
Então, como fãs, claro que assistimos a Star Trek: Discovery de uma maneira muito diferente de você, como roteirista. Como você se sente assistindo a um episódio que você escreveu em comparação com um episódio escrito por outra pessoa?
Bo Yeon Kim: Eu tenho sentimentos muito complicados quando estou assistindo a um episódio que escrevi porque acho que um escritor é na maioria das vezes a pessoa mais crítica em relação a seu próprio trabalho. Eu estou sempre procurando por algo que poderia ser melhorado ou me lembro das mudanças que fizemos ao longo do processo. Mas isso NÃO quer dizer que não estou extremamente orgulhosa pelo que nós conseguimos fazer. Assistir ao meu próprio episódio na televisão é a experiência mais criativamente recompensadora, e poder interagir com os fãs depois no Twitter, ainda mais.
Todas as salas de roteiristas são diferentes. Você poderia nos dar uma ideia sobre como isso funcionou em Discovery? Vocês dissecam todos os episódios juntos? O quão amarrada cada história precisa estar para começar a ganhar um roteiro?
Bo Yeon Kim: Como um emprego diário, nós chegamos no trabalho de manhã e saímos às 18h. Quando você está trabalhando em seu próprio episódio, então as horas parecem ficar mais longas. A maneira que a sala dos roteiristas de Discovery funciona é bem padrão para um programa televisivo: por volta de dez escritores sentam ao redor de uma mesa de conferência enorme e dissecamos a história juntos o dia inteiro. Todos os escritores participam no processo de definição da história. No começo da temporada, nós discutimos os grandes arcos da temporada e as jornadas de cada um dos nossos personagens. Então, nós começamos a focar em episódio individuais (em ordem cronológica), os repartindo por atos, cenas e até diálogos. Antes de o roteirista ser delegado para escrever o esboço ou o roteiro, o episódio é debatido o máximo possível. Enquanto um roteirista é creditado por um ou dois episódios por temporada, nós todos sentimos que somos parte de cada episódio. É um processo colaborativo incrível.
Você teve um episódio repleto de klingons na primeira temporada e outro episódio também repleto de klingons na segunda temporada. Como você gosta de escrevê-los?
Bo Yeon Kim: Isso é tão verdadeiro! Havia muitos klingons presentes tanto no episódio 1×09 quanto no 2×12. Eu pessoalmente curto demais escrever histórias dos klingons porque eles são uma das espécies alienígenas mais estabelecidas e bem definidas de Star Trek. Eu amei trabalhar e expandir a cultura deles, em particular explorar o misticismo de Kahless e Boreth. Porém, a tradução dos klingons era complicada de navegar, somente por causa disso nós tínhamos que garantir que os atores recebessem os roteiros com muito tempo de antecedência para que eles pudessem memorizar suas falas, que muitas vezes eram de cenas longas.
Você acabou definindo muitas das especificações do Saru e de sua raça, os Kelpianos, com um episódio completo e um episódio de Short Treks. Como foi ter a chance de construir toda uma história de fundo de uma raça de Star Trek?
Bo Yeon Kim: Ao contrário dos klingons, os kelpianos foram uma espécie totalmente nova criada para Discovery. Erika [Lippoldt] e eu sempre amamos construir mundos (é um dos motivos pelos quais nós escrevemos ficção científica), então ter recebido a oportunidade de construir uma história de fundo para o Saru, Kaminar e os Ba’ul foi honestamente um prazer e tanto. Nós sempre soubemos que iríamos retornar ao planeta natal de Saru na segunda temporada, mas não fazíamos ideia que a evolução física e emocional do Saru iria se tornar uma história de vários episódios. Fomos tão incrivelmente sortudas por termos um Short Trek que era completamente dedicado a contar a história de origem de Saru e o episódio 2×04 para estabelecer o conceito do Vaha’rai. Então quando começamos a trabalhar no episódio 2×06, nós estávamos aptas a focar inteiramente na aventura do Saru e da [Michael] Burnham para libertar seu povo dos Ba’ul.
Pelo que entendemos, você nesse momento está trabalhando na terceira temporada de Discovery. O que podemos esperar em termos de tom e estilo da nova temporada?
Bo Yeon Kim: Tudo o que eu posso dizer é que terá um estilo muito diferente da primeira e segunda temporada e que isso é muito empolgante para mim como roteirista. Nas palavras de Spock, vamos ver o que o futuro nos reserva.
Você e Erika Lippoldt têm uma parceria sólida como roteiristas. Como essa parceria começou e como é o processo de escrita como uma dupla?
Bo Yeon Kim: Erika e eu fizemos faculdade juntas no Bryn Mawr College, onde nos encontramos pela primeira vez como parceiras de badminton. Então ficamos amigas muito antes de nos tornarmos parceiras de escrita. Desde aquela época, nossa parceria meio que se formou organicamente no momento em que percebíamos que amávamos os mesmos filmes, programas de TV e videogames. Eu finalmente me mudei para Los Angeles enquanto Erika estava trabalhando em seu doutorado em neurobiologia (na USC) e foi aí que começamos a escrever juntas a sério, na esperança de um dia trabalhar em um programa de ficção científica.
Então, soubemos você viveu também no Brasil e em Portugal. Você fala português? Nos conte essa história!
Bo Yeon Kim: Meu pai era um diplomata sul-coreano, então eu morei em Lisboa e São Paulo por um total de seis anos! Meus pais me colocaram em um jardim de infância local no Brasil e eu aprendi a falar português quando eu era nova, mas infelizmente eu lembro muito pouco hoje em dia. É um dos meus maiores arrependimentos. Eu tenho tantas boas lembranças do Brasil e realmente espero voltar um dia! Ainda bem que tem uma grande churrascaria próximo de onde eu moro aqui em LA que eu tento ir sempre que eu posso. Obrigado! (Neste trecho, Bo Yeon realmente escreveu “Obrigado!”, em português).