Os quadrinhos sempre foram uma mídia que ajudou a expandir a franquia Star Trek e trazer novos fãs para a comunidade. Um dos grandes responsáveis por isso nos dias atuais é George Caltsoudas. O artista grego trabalhou na produção de Star Trek: Além da Escuridão e assinou as artes de capa dos maiores lançamentos da franquia nos quadrinhos nos últimos anos.
Sua jornada nas HQs de Star Trek na IDW começou em Starfleet Academy, em 2015, e não parou desde então. Logo depois, a série regular Boldly Go contou com suas artes nas capas das 12 primeiras edições, assim como as minisséries Mirror Broken, The Light of Kahless, Succession e The Q Conflict também ganharam artes do ilustrador.
Nessa entrevista, George tece críticas à produção de Além da Escuridão, fala sobre suas referências e conta detalhes da vida de um ilustrador de Star Trek. Confira:
Trek Brasilis: Primeiro de tudo, George, obrigado por aceitar conversar com o Trek Brasilis. Antes de trabalhar nos quadrinhos de Star Trek, você trabalhou em uma agência no marketing de Star Trek: Além da Escuridão. O que exatamente você fez na época e como foi a experiência como um artista?
George Caltsoudas: Eu era Diretor de Arte na FIVE33 e como em muitos dos filmes que nós trabalhamos, nosso papel era ajudar a definir a estratégia de comunicação para Além da Escuridão. A ideia central era transmitir visualmente a tripulação – e a franquia – sendo destruída por essa força ameaçadora e sinistra. Khan era um personagem que estava lá para arrasá-los mentalmente, emocionalmente e fisicamente. Nós tínhamos que mostrar isso.
Então, o foco era nos personagens sendo desafiados e seus relacionamentos ameaçados, e coloca-los em uma rota de colisão de volta à Terra. Isso era para ajudar a trazer o público geral de volta à humanidade e conectar a ameaça de volta ao nosso próprio planeta natal porque Star Trek às vezes se depara com esse problema que muitos sci-fi têm, de ser muito frio e clínico com, vocês sabem, essas pessoas militaristas e seus maneirismos protocolares estratégicos nesses uniformes fascistas andando no mesmo corredor repetidas vezes gravado de diferentes ângulos para fazer você pensar que eles estão andando uma distância longa e se balançando como se a nave tivesse sido atingida quando na verdade você sabe que são apenas eles fingindo que estão tropeçando. Por fim o estúdio ainda escolheu focar também nos visuais de explosões aleatórias e armas de tiro e mulheres sexy em suas lingeries sem motivo, mas ao menos as principais pistas visuais que traçamos para eles ainda eram uma grande parte de como esse filme foi vendido.
Eu pesquisei imagens da Série Clássica que pareciam aplicáveis a essa versão mais polida daquele mundo e criei pranchas de temperamento e paletas de cores para ajudar a inspirar o tom de como nós queríamos posicionar o filme. É também sobre ver o que os produtores têm criado e então diminuir os aspectos negativos como áreas/visuais para evitar e aumentar os aspectos positivos como os pontos-chave de venda e temas conectáveis. Eu também modelei visuais do trio principal saindo dos destroços (usando poses da sessão de fotos do primeiro filme), machuquei e arranhei o cabelo perfeito do Spock todo bagunçado e varrido pelo vento – isso foi o mais importante para mim (risos). Esse cara sempre parece tão impecável, seja você um fã ou um espectador casual, se você está o vendo e, entre todas as pessoas, ele está parecendo uma porcaria, você sabe que a grande m**** está prestes a acontecer! Nós também amamos a ideia de ver cada um deles em roupas diferentes: como Spock naquele traje de astronauta vulcano, Uhura em seu traje casual e jaqueta de couro atirando em klingons, Kirk em seu capacete estilo Tron e macacão, etc. Coisas assim ajudam transmitir a sensação de que a construção deste universo está sendo expandida.
TB: Seu primeiro trabalho para a IDW dentro do universo de Star Trek foi em Starfleet Academy #2. Como eles te contataram para o trabalho?
George: Eu já estava fazendo algumas artes de capa para a minha editora na IDW na época e ela estava supervisionando todos os quadrinhos de Star Trek então eu acredito que era algo óbvio de se esperar. Eu estava fazendo somente quadrinhos baseados em séries animadas como Steven Universe e As Meninas Superpoderosas naquele momento, então Starfleet Academy foi minha oportunidade de finalmente desenhar no meu próprio estilo de arte. Eu tive que fazer algumas artes-teste – retratos do Kirk e Uhura da Kelvin timeline para mostrar que eu podia capturar suas semelhanças no meu estilo – e a editora as enviou para o pessoal de Star Trek para aprovação. Eu apenas assumi que aquela seria a única vez que eu desenharia algo para Star Trek, então vocês podem imaginar o meu choque e alegria quando eu fui convidado para fazer as capas de cada uma das edições de Boldly Go. Eu trabalhei nessa série por 12 edições e precisei de uma pausa porque eu também estava fazendo capas para todas as seis edições de Mirror Broken. Olhando para trás, eu talvez me arrependa de ter parado, eu deveria ter ficado em Boldly Go até o final.
TB: Em entrevista dada ao TrekCore.com em 2017, você disse que Starfleet Academy havia sido o seu melhor trabalho. Algum tempo passou, você trabalhou em mais quadrinhos de Star Trek, então essa afirmação ainda é verdade? Por que?
George: Agora, minha melhor arte de Star Trek é definitivamente a capa de The Q Conflict #1. Os editores queriam que eu me inspirasse os pôsteres vintage dos Jogos Olímpicos. Isso me animou então eu concordei em fazer as capas variantes de todas as seis edições e talvez até fiquei um pouco maluco com o tema, mas enfim. Eu amei os resultados, a edição 3 foi muito corrida para que eu pudesse acompanhar os prazos por isso é um design simples (além de que eu esqueci de adicionar o mote em latim) mas as edições 1 e 4 são definitivamente os trabalhados que eu mais me orgulho até hoje. Eu atingi um ponto em que eu estou um pouco cansado de desenhar apenas quadrinhos de Star Trek toda hora e eu acho que meus editores começaram a notar (risos) baseados em como coisas não-relacionadas a Star Trek influenciaram minha arte para essa série em particular. Eu estou finalmente podendo desenhar para outras propriedades, então enquanto eu puder manter as coisas diversificadas, eu estarei sempre lisonjeado em fazer algo novo para Star Trek!
TB: Apesar do fato de que os quadrinhos de Star Trek são muito independentes, eles ainda tem que se encaixar na linha do tempo do cânone. Como isso funciona para um capista? Que tipo de conversa você tem com os escritores para fazer as capas coesas com a história?
George: Para The Q Conflict, me deram a história de cada edição mas como eu sabia que as capas regulares já seriam específicas da história e por causa do tema dos Jogos Olímpicos, eu tentei ser mais metafórico com os visuais dessa vez. Tem sido mais sobre fazer algo especial e sob medida para os fãs e colecionadores mais obcecados do que apenas cabeças flutuando no espaço ou o vilão do mês. Se há algum problema com a semelhança de algum dos atores, eu sou notificado e faço os ajustes. São geralmente pequenas mudanças cosméticas e quase nunca acontecem. Stamets (Star Trek: Discovery) foi o único difícil de fazer. Houve algumas tentativas antes de fazê-lo corretamente. Para a maioria das capas, é apenas um resumo simples e direto dos editores e eu tento fazer alguns rascunhos de miniaturas rápidas para eles o mais rápido possível, e nós as fazemos a partir daí.
TB: Você já trabalhou com diferentes gerações de Star Trek: a da Kelvin timeline, A Nova Geração, Discovery e recentemente Deep Space Nine e Voyager também por conta do grande crossover The Q Conflict. Artisticamente falando, você tem uma favorita? E pessoalmente?
George: Artisticamente, eu não me importaria de fazer alguns visuais vintage sessentistas viajados para uma HQ baseada na Série Clássica – ou ainda melhor, um crossover da Série Clássica com Batman ’66! É, se algum editor da IDW ou DC estiver lendo isso… (risos). Honestamente, eu começaria fazendo algo estranho e novo para a franquia. Talvez um conceito de spin-off que acompanha alguns personagens vulcanos que nós nunca conhecemos antes de uma linha do tempo antiga da civilização deles e nada relacionado à Frota Estelar? Seria realmente muito bacana. Elfos de orelhas pontudas no espaço. Eu compraria isso.
TB: Sua arte definitivamente tem um estilo muito único. Quais são suas principais referências? Algum brasileiro que você gosta?
George: Eu sempre tive problema definindo meu visual. Baseado em o que diferentes pessoas vivem me falando até o momento, eu descobri que a melhor maneira de definir meu estilo é: Little Golden Book (livro infantil) encontra um pôster de propaganda política (risos). Minha maior influência desde pequeno sempre tem sido Tim Sale. Eu nunca tentei na verdade copiar seu estilo. Eu somente sempre fui inspirado pela sua abordagem ao design. Eu também amo o que muitos artistas de tela fazem e tentei descobrir como eu poderia adaptar essa disciplina aos quadrinhos de um jeito mais eficiente/comercial.
Se tratando de Brasil, eu estou de fato pesquisando o trabalho de Butcher Billy. Muito influente.
TB: Será possível para nós, fãs de Star Trek, ter no futuro um quadrinho com sua arte não somente na capa, mas também dentro dele? Você já considerou trabalhar numa edição completa?
George: Esse é o ano em que eu estou finalmente decidindo “audaciosamente trabalhar” com ilustração e quadrinhos em tempo integral, e há muitas mudanças grandes acontecendo na minha vida que fizeram isso acontecer. Então sim, eu estou aberto a tentar, eu acho, mas eu preferiria desenvolver uma nova tripulação em um ponto futuro na linha do tempo (ou sua própria linha do tempo) e fazer isso ser o mais desconectado possível de todas as outras séries porque é assim que eu gosto de trabalhar e esse seria o único incentivo para eu ter algum interesse em fazê-la. A questão é, eu não tenho certeza se é assim que as coisas funcionam, então provavelmente isso nunca vai acontecer (risos). Porém, nunca se sabe.
TB: George, obrigado novamente pela sua entrevista. Nós esperamos que sua arte tenha uma vida longa e próspera!
George: Muito obrigado por suas palavras gentis e pelo suporte. Trabalhar nos quadrinhos de Star Trek me fez reassistir a Série Clássica inteira (e alguns dos filmes antigos) e absorver toda aquela estética. Eu sempre amei o conteúdo vintage dos anos 60 e 70, eu acho muito inspirador. Eu sei que meu estilo não é para todos os fãs, e isso é ok, mas eu estou muito grato de saber que eu estou fazendo minha parte para expandir o escopo dessa franquia e mantê-la viva para os fãs atuais e os futuros. Obrigado!