Um dos momentos mais marcantes e historicamente relevantes do evento organizado pela Paramount em 20 de maio foi a homenagem ao saudoso Leonard Nimoy, morto no ano passado. Desde antes de sair do Brasil, eu já havia sido informado de que teríamos esse tributo, mas não tinha a mais vaga ideia do que seria.
E tudo começo de forma bastante convencional, com um clipe — lindo e emocionante, que levou às lágrimas alguns dos presentes, mas ainda assim só um clipe — mostrando alguns dos momentos de Leonard, não só em tela, como Spock, mas nos bastidores.
Depois da exibição, todos os fãs foram convidados a sair do estúdio para o lado de fora, onde se daria a homenagem definitiva: com a presença de amigos e familiares de Nimoy, faríamos o batismo oficial de uma das ruas internas dos estúdios da Paramount com o nome de Leonard Nimoy Way. Uau.
Para conduzir esse momento do cerimonial, Adam Savage passou a bola a Zachary Quinto — o sucessor de Nimoy na pele de Spock –, que disse algumas palavras sobre sua carreira e em como ela o conduziu a conhecer e travar amizade com Nimoy e com a família dele. Poderia soar falso, se não soubéssemos dessa história desde a escalação original de Quinto como Spock e de como Leonard se envolveu com o jovem ator, apoiando-o e guiando-o nessa difícil e desafiadora transição de gerações.
Para mim, pessoalmente, foi uma honra enorme estar presente a esse momento histórico, não só pela admiração que tenho por Leonard Nimoy — um ator, diretor e ser humano cuja integridade pessoal, profissional e artística sempre esteve acima de qualquer suspeita –, mas por poder devolver um pouco de toda a atenção que ele me deu quando o entrevistei, por mais de meia hora, em 2003.
Com uma ajuda inestimável de Richard Arnold, ex-assistente de Gene Roddenberry, entrei em contato com a secretária de Nimoy numa sexta-feira, 17 de outubro, para marcar a entrevista. O combinado é que ele me ligaria na segunda, às 16h, para o bate-papo.
Quando o telefone tocou, eu obviamente já sabia quem era. Atendi, nervoso, e a voz perguntou: “Olá, é o Salvador?”. E eu respondi, “Sim, sou eu.” E então ele nem precisava ter dito: “Olá, aqui é Leonard Nimoy.”
Eu queria ter uma câmera me filmando nessa hora, porque minha cara deve ter sido engraçada de se ver. É difícil descrever a sensação de atender ao telefone e ouvir o sr. Spock falando com você do outro lado da linha. Embora tivesse de bancar o jornalista, meu lado fã estava surtando.
Eu tinha uma listinha de perguntas (bem, na verdade, não era “inha”), até com medo de não ter o sangue-frio para conversar com ele, mas Leonard de imediato desarmou qualquer possibilidade de eu me sentir constrangido ou pouco à vontade. Com incrível simpatia, ele me tratou pelo nome o tempo todo e encarou com bom humor todas as minhas perguntas de fã, que incluíam, claro, a possibilidade de ele voltar a ser Spock. Na época, depois de uma rixa com o então chefão da franquia, Rick Berman, ele descartava essa possibilidade. (Ainda que os fãs de longa data tenham críticas à condução recente de J.J. Abrams com os filmes de Jornada, nós devemos a ele a oportunidade de rever Leonard como Spock outras duas vezes, o que não é pouca coisa.)
Foi uma entrevista longa, em que perguntei tudo que eu queria, falamos sobre os mais diversos assuntos e fiz uma pergunta sobre a relação entre ciência e Jornada nas Estrelas, e uma crítica que havia ouvido especificamente de um cientista — o astrônomo Don Brownlee — sobre as percepções errôneas de vida alienígena que o conceito de desenvolvimentos paralelos e criaturas humanoides, como Spock, poderiam induzir nas pessoas. Não só Leonard me deu uma resposta maravilhosa, como me premiou ao citar minha pergunta e a conversa que tivemos durante a convenção da qual ele participou no Brasil, poucos dias depois. Esse era o tipo de pessoa que ele era — não estava ali entediado, cumprindo o ritual de celebridade sendo entrevistada. Estava realmente prestando atenção e absorvendo o que nossa conversa poderia trazer de novo. Para alguém que já deu tantas entrevistas sobre os mesmos assuntos por tantas décadas, é uma atitude especialmente admirável.
Quando da convenção, tive a chance de apertar a mão dele. Entrei na fila como todo mundo para poder ter uma fotografia assinada por Leonard, mas a instrução dos organizadores era: “ninguém para, ninguém fala com ele, você entrega a foto, pega o autógrafo e vai embora”. Mas tinha uma ordem superior: ao final da nossa conversa por telefone, eu disse que estaria na convenção, e ele pediu que eu me identificasse e que teria prazer em me conhecer pessoalmente.
Ao chegar à minha vez na fila, resolvi quebrar o protocolo. Felizmente, Richard Arnold estava lá também e conhecia a história toda, intercedendo em meu favor para que eu pudesse me apresentar, apertar sua mão e agradecer pela lembrança da nossa entrevista durante sua apresentação. Que momento incrível.
Toda essa história para tentar explicar como eu me senti ao participar do evento em Los Angeles que perenizou o nome deste grande ser humano nas ruas internas da Paramount Pictures. Quando “descobri” Jornada nas Estrelas, lá pelos idos dos anos 1980, ainda moleque, jamais imaginei que fosse ter uma história como essa para contar. Está claro a essa altura que, apesar de Leonard ter nos deixado no ano passado, seu legado terá ainda pela frente uma vida longa e próspera.
Salvador Nogueira viajou a Los Angeles a convite da Paramount Pictures.