Se você já está sabendo da morte do escritor britânico Arthur C. Clarke, o responsável muito provavelmente é ele mesmo. Embora tenha dedicado sua vida inteira à pouco respeitada literatura de ficção científica, Clarke foi um visionário que modificou a história das telecomunicações e ajudou a criar a chamada “aldeia global”.
Em 1945, quando ninguém levava a sério a idéia de explorar o espaço (e a única coisa que ia além da atmosfera da Terra eram os foguetes V-2 do alemão Wernher von Braun, que em seguida caíam sobre as cabeças dos londrinos sem fazer nada, exceto destruição), Clarke apresentou uma idéia maluca numa revista técnica de engenharia: nascia o conceito do satélite geoestacionário.
Clarke percebeu que, numa certa órbita ao redor da linha do Equador, a cerca de 36 mil quilômetros de distância, os satélites que ali residiam ficariam o tempo todo sobre o mesmo ponto da superfície da Terra (daí a expressão “geoestacionário”). O escritor concluiu que, com apenas três satélites em posições estratégicas na órbita geoestacionária (hoje também chamada por alguns de “órbita de Clarke”), seria possível estabelecer um sistema de telecomunicação que atingisse todos os lugares do mundo.
Acabou que hoje não há um sistema com apenas três satélites, mas a idéia geral foi aplicada para proporcionar a revolução nas telecomunicações marcada pelas transmissões ao vivo via satélite. Foi provavelmente por uma transmissão de satélite que chegou até nós a notícia de sua morte, ocorrida no distante Sri Lanka, onde ele residia.
Essa é uma história que exemplifica bem a qualidade brilhante da mente de Clarke. Não se tratava apenas de um homem com um talento extraordinário para contar histórias; sua capacidade consistia em sobretudo enxergar o futuro nas entrelinhas do presente.
Quando Stanley Kubrick decidiu que queria fazer o filme de ficção científica com temática espacial mais realista já produzido, ele procurou Clarke, e o resultado foi “2001: uma odisséia no espaço” (1968), obra-prima do cinema co-roteirizada pelos dois que dispensa maior apresentação.
Clarke usava sua ficção para nos trazer amostras do futuro, e com sua visão afiada produziu alguns dos livros mais aclamados da chamada “hard science fiction”, que consiste em histórias fortemente embasadas na ciência. Uma das mais notáveis foi “The fountains of paradise”, de 1979, que apresentou o conceito do elevador espacial — uma estrutura gigante que permitiria o acesso ao espaço sem o uso de foguetes.
É uma promessa para o futuro, que já é levada a sério por agências espaciais e que o próprio Clarke considerava seu maior legado (como se os satélites de telecomunicações não fossem suficientes). Também presciente foi “Encontro com Rama” (Rendezvous with Rama), de 1972, que retrata as atividades dos terráqueos para rebater um asteróide que se aproxima perigosamente da Terra (e acaba sendo revelado como uma espaçonave alienígena).
E não foi apenas através da ficção que Clarke nos levou ao futuro. Em livros de divulgação científica, eles nos mostrou o potencial da exploração do espaço. Em 1951, ele escreveu o clássico “The exploration of space”, antecipando muitos dos avanços que veríamos nas décadas seguintes. Cada missão à Lua, a Marte ou além é um testemunho à incrível capacidade desse visionário.
Clarke hoje nos deixa, mas suas idéias ainda estarão por muito tempo no cotidiano dessa espécie tecnológica que habita o terceiro planeta ao redor do Sol.
Texto publicado originalmente no G1 (www.g1.com.br)