Quinze Anos de Primeiro Contato no Brasil

“Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato” completa 15 anos de sua estreia em cinemas brasileiros. Uma década e meia depois, temos o que comemorar ? Qual o legado de um dos maiores sucesso da franquia em suas edições cinematográficas ? O que o futuro reserva para os fãs Jornada nas Estrelas?

 O ano era 1997. Fernando Henrique Cardoso era o então presidente do Brasil após o sucesso do Plano Real, o tenista Gustavo Kuerten conquistaria seu primeiro título de Roland Garros. Em  Dezembro  o Titanic de James Cameron afundaria a concorrência ganhando onze Oscars. Mas para a comunidade fã de Jornada nas Estrelas nada disto seria mais importante naquele ano do que ir ao cinema em 21 de Fevereiro de 1997. Neste dia estrearia no Brasil “Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato” , oitavo filme  trekker e primeira aventura cinematográfica solo da turma da Nova Geração nos cinemas, há exatos quinze anos.

A primeira edição de cinema sem a presença dos cultuados tripulantes da serie clássica, desembarcava em um cenário positivo para a franquia. Jornada havia completado trinta anos de existência, na tv americana Deep Space 9 estava em grande forma e em uma de suas melhores temporadas e ainda havia esperanças de que Voyager encontra-se vida própria.

Dois anos antes “Generations” havia passado o bastão entre as tripulações e se foi um filme problemático (paciência) ao menos a sua tarefa estava cumprida. “Generations” havia dado lucro, o que por si só já era uma boa coisa, e se não foi um filme memorável ao menos simplificou a tarefa de “Primeiro Contato” que agora não precisava mais se preocupar com o legado de tripulação clássica podendo se concentrar apenas em sua própria historia.

Além disto, todos os atores da franquia haviam passado dois anos longe de seus personagens, diferente de quando “Generations” foi produzido. O ultimo episodio da Nova Geração foi ao ar em 23 de maio de 1994, depois de sete anos no ar e já em 18 de novembro do mesmo ano “Generations” era lançado nos Estados Unidos.

No Brasil ainda vivíamos na escuridão. Havíamos assistido muito pouco de Jornada em TV por aqui além da Série Clássica. Apenas o primeiro ano da Nova Geração havia sido exibido até então, primeiro  pela extinta Rede Manchete, depois pela  Record. Já DS9 tinha apenas a primeira temporada exibida pela Rede Record em 1994, com o titulo de   Jornada nas Estrelas: A Nova Missão e Voyager só chegaria a TV brasileira em 2000 pelo canal USA, atual Universal Channel. Não Havia internet (sim, houve um tempo em que não havia Internet) e única forma que alguns fãs encontravam para ter acesso a algum material novo era recorrendo a fitas VHS trazidas dos Estados Unidos, ou alguns episódios lançados aqui no Brasil pela CIC vídeo, ou ainda através de convenções ou reuniões de fã-clubes nacionais.

Reminiscências a parte, o fato era que a tripulação da Nova Geração estava pronta para voltar a ponte da USS Enterprise, uma nova Enterprise, a “E”, mais elegante e mais bélica que suas antecessoras, algo também bem vindo, pois a sua antecessora da classe Galaxy nunca havia realmente agradado ao fãs, que acabaram se acostumando com ela mas que nunca realmente a abraçaram como legitima sucessora da NCC1701A.

Posto este cenário, tínhamos então uma historia simples e com um elemento familiar para o fã de jornada, a boa e velha viagem temporal, tantas vezes usada, para o bem ou para o mal. Tal dispositivo de trama foi usada em 49 episódios de Jornada, incluindo os filmes e mais uma vez a tripulação da Enterprise voltaria ao passado para salvar o futuro da humanidade. Ate que deu certo.

Ahh sim, os vilões ! Já foi dito que podemos medir o sucesso do herói a partir do interesse pelo vilão, e desta vez os vilões eram os temidos e misteriosos Borgs, ate então pouco utilizados na franquia. Os vilões de “Primeiro Contato” haviam sido introduzidos no episodio “Q Who?” e voltariam no épico “The Best of Both Worlds”, no ótimo “I, Borg” e por ultimo no fraco “Descent” . Também haviam sido usados no piloto de Deep Space 9, “Emissary” no longínquo ano de 1993. Os Borgs eram misteriosos, poderosos e implacáveis, enfim, inimigos formidáveis.  Entretanto, o conceito da coletividade Borg, embora atraente para a série parece não ter sido suficiente aos olhos dos criadores do filme para sustentar o interesse do publico, o que acabou levando a criação da Rainha Borg, como  forma de fornecer uma identidade, um rosto a esta coletividade e oferecer um antagonista que Picard pudesse confrontar . Embora isto subvertesse o conceito do que eram os Borgs ate então, também funcionou e Alice Krige  foi uma vilã a altura da trama, embora seguindo a tradição de Jornada, tenha morrido no final. Os Borgs e uma outra rainha voltariam em Voyager, mas isto é outra historia.

Se o enredo ancorado em uma viagem temporal não era nenhuma novidade, a ideia de mostrar um momento épico da mitologia de Jornada, o primeiro contato com uma raça alienígena, foi sem duvida uma bela jogada, e trazer Zefram Cochrane direto da serie clássica para ser o motor deste evento se mostrou outra boa aposta. Méritos devem ser dados ao ator James Cromwell  que funcionou  muito bem compondo um personagem factível e completando com competência  o circulo que se  fecha em torno da historia. Prova de que o fã de Jornada (ao menos a maioria) não é tão xiita como se apregoa, pois a historia de Cochrane foi reinventada para caber no enredo do filme, mas ninguém quis assassinar Bergman ou Braga por isto.

A escolha de Jonathan Frakes como diretor também  foi importante para o bom resultado final. Frakes conhecia o terreno, conhecia seus colegas de trabalho, tinha total interação com o significado da franquia que havia pago suas contas por sete anos e já havia dirigido alguns episódios da Nova Geração. Se era um iniciante no cinema, trazer outra pessoa para dirigir o filme seria trazer um estranho sem nenhum conhecimento do que era Jornada nas Estrelas.

Frakes não foi a primeira escolha e nomes como Ridley Scott (“Blade Runner” , “Thelma & Louise” )  e  John McTiernan (“O Predador”, “ Caçada ao Outubro Vermelho”) teriam sido convidados mas não teriam aceito o trabalho. Por outro lado o conhecimento ou não do universo de Jornada nas Estrelas não garante por si só sucesso ou fracasso, basta olhar os exemplos do maravilhoso “Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan”, de Nicholas Meyer, até então um estranho no ninho mas que produziu um dos melhores (na opinião de muitos o melhor) filme da série, e o do pavoroso “Jornada nas Estrelas V, A Fronteira Final”, de Willian Shatner. Em “Primeiro Contato” Frakes foi mais um elemento da equação que levou ao resultado final positivo, mas sem duvida alguma, um elemento importante.

Um aspecto que deve ser ressaltado é que este é  um filme e obviamente construído para fãs. Embora pareça obvio afirmar isto (e realmente o é)  esta é uma critica recorrente feita as versões de tela grande de Jornada nas Estrelas, a de que os filmes não passam de episódios maiores e mais caros que suas versões de TV, o  que não deixa de ser apenas uma constatação da verdade. Qualquer versão de Jornada será sempre um episodio com um maior orçamento, e isto não é necessariamente ruim.

“Primeiro Contato” prova isto, pois seu sucesso vem exatamente da decisão de abraçar esta herança, ao invés de tentar disfarça-la.  Seu inicio remete diretamente aos eventos “The Best of Both Worlds”, onde os Borgs fazem seu primeiro ataque a Federação e assimilam Picard. Além disto, toda a questão envolvendo o tal primeiro contato só tem importância para quem tem interesse na mitologia da série.

Um “não iniciado” certamente se pergunta até hoje “Quem são estes Borgs ? Zumbis !?” “Qual a motivação para atacar a Terra, “Qual a ligação de Picard com eles ?”, ” Quem são estes caras de orelhas pontudas no fim de filme ?” Pode parecer pouco, mas para quem não assistiu aos episódios “Borgs” da Nova Geração certamente ficou um pouco perdido, para dizer o mínimo.

Mas nada disto foi problema e “Primeiro Contato” foi um grande sucesso, e infelizmente o único com a tripulação da Nova Geração. O fã que saiu feliz do Cinema não sabia que estávamos caminhando em direção ao ocaso da franquia. No cinema  “Insurrection” se mostraria medíocre, e “Nêmesis” seria um desastre total. Na TV Voyager e Enterprise fracassariam e até hoje disputam o titulo de pior série da franquia. Foram anos e muito dinheiro desperdiçado de forma estúpida.

Depois de quinze anos Jornada nas Estrelas parece ter retornado a ter alguma importância. Não só o filme de JJ Abrahns reacendeu o interesse pelas longas, mas a recente iniciativa de levar alguns episódios da Nova Geração para alta Definição com o lançamento da coletânea Star Trek: The Next Generation – The Next Level demonstra ainda se acredita que Jornada possa oferecer algum retorno financeiro. É pouco, mas depois de todas as experiências ruins as quais assistimos nos últimos quinze anos esperamos que pelo menos uma lição tenha sido aprendida: A qualidade tem de vir antes da quantidade.

Someone once told me that time was a predator that stalked us all our lives. But I rather believe that time is a companion who goes with us on the journey — reminds us to cherish every moment because they’ll never come again. What we leave behind is not as important as how we’ve lived.After all, Number One, we’re only mortal.”


Jean Luc Picard; Star Trek Generations (1994)

 Carlos Henrique B Santos  

Twitter:@chsantos_rj

(*) O recorte de jornal do início da matéria foi obtido dos arquivos de Wilson Maffetano, a quem agradecemos!