Star Trek: Seção 31 é, em essência, o que a maioria das pessoas esperava do filme — um veículo para Michelle Yeoh que rompe completamente com o formato tradicional da franquia, em geral centrada em tripulantes da Frota Estelar em missões de exploração pacífica (com uma boa dose de conflitos e mal-entendidos, como o drama exige).
O filme já foi descrito como uma espécie de Guardiões da Galáxia encontram Missão: Impossível, e de fato o sabor que a produção traz é esse, mas com recursos mais compatíveis com um típico telefilme, produzido para o streaming. A escala, portanto, é bem menor do que o de uma superprodução da Marvel.
É verdade que a franquia nunca dependeu de altíssimo orçamento para contar uma boa história. Seção 31 faz isso? Infelizmente não. E nem se trata de julgar o filme como um segmento de Star Trek. Mesmo julgado em seus próprios termos, como uma trama de espionagem com personagens anti-heróicos, o filme deixa a desejar. Os primeiros 40 minutos até que seguram a onda e oferecem algum entretenimento. Mas, da metade para o final, a coisa vai degringolando em tramas pouco envolventes e muitos atalhos tomados para que o longa faça sentido. Ao final, lembra boa parte das produções televisivas desta terceira era, em que temos uma largada promissora de temporada com um desfecho muitas vezes decepcionante, que peca pelos clichês e exageros.
Por sinal, Seção 31 não esconde que é o conceito de uma série transformado em filme. Os três atos do longa, por sinal, funcionam como episódios individuais, com um certo começo, meio e fim para cada um. Nesse sentido, não será estranho se o espectador perceber qualidade variada entre os segmentos.
O filme se passa na chamada “era perdida”, os anos entre os filmes da Série Clássica e o início de A Nova Geração, no começo do século 24. Mas, sinceramente, poderia se encaixar em qualquer época. O roteiro é recheado de referências ao cânone e, ao mesmo tempo, traz impacto zero para ele. Se um fã menos aberto ao conceito da Seção 31 como uma sinistra divisão de operações secretas da Frota Estelar preferir simplesmente não ver o longa, dificilmente alguma informação que ele traz fará falta mais adiante.
Em compensação, se o espectador é um entusiasta da imperatriz Philippa Georgiou, interpretada ao longo de três temporadas de Star Trek: Discovery por Michelle Yeoh, Seção 31 pode trazer alguma diversão. Ajuda se você também for fã do universo Espelho — por sinal, o filme agrega mais à história dessa realidade alternativa introduzida em “Mirror, Mirror”, da Série Clássica, do que propriamente ao universo primário da franquia (embora o longa seja de fato ambientado nele, com os trechos do Espelho sendo apenas flashbacks do passado de Georgiou).
Yeoh, elevada a um outro nível de estrelato após a conquista de um Oscar, pode muito bem ser razão suficiente para ver o filme. O elenco de apoio traz alguns personagens interessantes, mais pela variedade que trazem do que pelo papel que têm na história — dá a impressão de que poderiam ser bem explorados em uma série, mas com apenas 1h35 de tela acabam bastante limitados. É uma equipe de desajustados que representa o que mais há de trekker no filme, recuperando alguns alienígenas clássicos pouco ou nada conhecidos, como os deltanos e os camaleoides. Servem como suporte para Georgiou, claramente a protagonista da trama.
No mais, os fãs verão poucos elementos de Star Trek de fato reconhecíveis, o que pode irritar os mais puristas. Até o visual é propositalmente disruptivo, com poucos elementos familiares (pisque e você perde um tricorder com interface de tela similar à vista em painéis da Enterprise-D em A Nova Geração). Se o espectador entrar com a expectativa de um filme modesto e pouco inspirado de super-heróis (ou, melhor dizendo, de anti-heróis), até tem chance de se entreter por uma hora e meia. Mas se for procurando algo que remeta a filmes anteriores da franquia, a decepção será grande.
No fim das contas, trata-se de mais um experimento peculiar dessa terceira era televisiva da franquia. Em tese, ele pode abrir caminho para mais telefilmes, explorando os mais variados cantos do universo ficcional de Star Trek. Na prática, seu baixo nível de inspiração (e excesso de transpiração) ameaça o futuro imaginado por seus criadores, tanto para novos longas produzidos para streaming quanto para o próprio conceito de Seção 31 — a despeito do estrelato de Yeoh. A conferir.
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