DESABAFO: À Procura de Spock

Passei o dia de hoje pensando que iria ter de escrever esse texto. Meus sentimentos com relação a isso eram conflituosos, para dizer o mínimo. De algum modo, gostaria de evitar contar a história que estou prestes a revelar. Afinal de contas, ela já faz parte do passado, e sei que tem muita gente aí fora que não gosta de mim. Algumas dessas pessoas são protagonistas dos eventos que vou narrar, e tudo que eu não quero a essa altura é despertar ainda mais a ira desses indivíduos.

Espero que todos, amigos e inimigos, entendam esse texto como um “desabafo”, mais do que uma denúncia ou uma reclamação. E uma lição. Como uma boa história, ela tem mais de uma leitura, e cada um pode tirar dali o que achar mais proveitoso. Para mim, a conclusão desse episódio é a de que vale a pena ser incorruptível, ser inflexível com relação a seus próprios princípios e manter uma postura eticamente correta e coerente –mesmo que isso gere inimizades e tensão. No final, a vida recompensa o trabalho bem realizado. É no que gosto de acreditar (seja verdade ou não) e foi o que aconteceu aqui.

Essa história começa para mim na segunda-feira retrasada, 20 de outubro de 2003. Todo mundo já sabe o quanto esse dia foi especial para mim –foi o dia em que conversei com Leonard Nimoy.

A idéia de fazer essa entrevista era não só algo natural (o TB já entrevistou várias celebridades do universo de Jornada, inclusive os outros dois atores clássicos que já vieram ao Brasil), como antecipado. Apesar disso, confesso não ter me mobilizado para consegui-la até a semana anterior –e quase não houve tempo para que ela ocorresse! “O sr. Nimoy gostaria de conceder a entrevista, mas estamos numa agenda muito apertada até a data em que vamos partir”, me informou Simone Rodman, assistente de Leonard, na sexta-feira, 17. “Você estaria disponível hoje às 15h, nosso horário (acredito que seja 19h, seu horário), ou 10h de segunda-feira, nosso horário?”

Claro que sim, quanto antes melhor, foi o que respondi. A idéia era realizar uma entrevista para o jornal onde trabalho, a Folha de S.Paulo, com publicação on-line pelo Trek Brasilis. Apesar da pressa, sexta-feira acabou não rolando. Mas tudo bem, segunda parecia ótimo.

Parecia.

No sábado, 18, sai a “Veja”, com uma entrevista exclusiva feita pela competente jornalista Isabela Boscov. Fiquei ligeiramente desconcertado, afinal, com um pouco mais de sorte e agilidade, a minha teria sido a primeira entrevista — um “furo”, como se diz na gíria jornalística. Um jornalista tem por princípio dois objetivos: informar primeiro e informar melhor. No primeiro quesito, eu já havia perdido. Restou apenas me concentrar na segunda meta, com o alívio de poder considerar encerrada a incômoda e tensa competição entre veículos.

Sentei-me portanto com plena paz de espírito para conversar com Leonard, na segunda-feira. Logo que nos apresentamos, comentei: “Vi sua entrevista para a ‘Veja’. Não sei o que isso vai mudar por aqui, mas creio que poderemos publicar algo.”

A conversa que se seguiu está transcrita praticamente na íntegra no material que foi publicado pelo TB (aqui). O final foi omitido, pois era apenas um diálogo pessoal. Assim que fiz a pergunta final (que mereceu elogios e citação de Leonard durante a convenção em São Paulo, no sábado) e ele respondeu, disse a ele: “Eu concordo com você. Mas era algo que eu queria te perguntar e estou feliz por tê-lo feito. Bem, foi um prazer falar com você, muito obrigado pela atenção e eu fiquei sabendo que vai haver uma coletiva para a imprensa na quinta-feira. Eu provavelmente vou estar lá, então poderemos nos conhecer pessoalmente.”

Leonard, com seu incrível charme e simpatia, retribuiu a gentileza. “Sim, estou ansioso por poder cumprimentá-lo.”

E foi esse o final da entrevista. E o começo de um drama.

Como todo mundo está careca de saber, o Trek Brasilis fez a melhor cobertura da vinda de Leonard Nimoy antes, durante e depois. Mas o que as pessoas não sabem é com quais forças tivemos de duelar, insistente e ininterruptamente, para fazermos o nosso trabalho.

Fiquei sabendo da coletiva por intermédio do grande amigo e jornalista Paulo Maffia. Ele havia recebido o comunicado das assessorias da Paramount e do fã-clube Frota Estelar Brasil no dia 16 de outubro, mesmo dia em que me repassou. Curiosamente, nem eu, nem Fernando Penteriche havíamos recebido o comunicado, embora estivéssemos há tempos cadastrados na lista de e-mails da assessoria da Paramount.

Um pequeno engano, pensei eu, ingenuamente. Na quarta-feira, 22, eu iria ligar para confirmar minha presença na coletiva — estava ansioso por realmente poder cumprimentar Leonard Nimoy. Eu iria representando a Folha. Meu irmão, Paulo Cesar, pediu para cobrir pelo TB. Como ninguém da equipe do site estava disponível para fazer a cobertura (embora eu tenha insistido muito com o Fernando Penteriche, por semanas a fio, para que ele fosse, sua agenda era inconciliável), pensei que seria bom ter um “frila” por lá.

Acabou que Paulo foi o primeiro a ligar para a assessora de imprensa da Paramount, Anadege Freitas, para confirmar sua presença, por volta das 14h. O que se seguiu, nas palavras dele, foi um escandaloso “pito”, que acusava o site de ignorar a Paramount do Brasil e contatar diretamente o ator, responsabilizando toda a equipe, como se isso fosse alguma espécie de crime. Para eles, era; a Paramount já havia negociado exclusividade com a “Veja”, e menos de dois dias após a revista ir às bancas já havia uma segunda entrevista exclusiva circulando. Faltou só eles contarem a Leonard sobre essa “exclusividade” –claramente ele não impôs nenhuma barreira à condução de nosso bate-papo.

O resultado foi que o TB não poderia participar da coletiva, me informou Paulo Cesar, reproduzindo o “escândalo”. Parei imediatamente o que estava fazendo e liguei para Anadege –esse pequeno engano estava crescendo rapidamente.

“Oi Ana, eu queria saber o que está acontecendo?”

Bem, na meia hora seguinte, ouvi de novo a história da exclusividade da “Veja”, que eu os havia prejudicado, que havia passado por cima deles, que eu já havia tido problemas com outros envolvidos na organização do evento, patati-patatá. Com paciência e diplomacia apropriadamente Vulcanas, expliquei que o TB tem já por velho costume entrevistar produtores, escritores e atores de Jornada nas Estrelas, e que normalmente não contamos com nenhum contato no Brasil para intermediar o acesso aos entrevistados. Como Leonard Nimoy não tinha contrato com a Paramount americana, e seu contrato com a Paramount do Brasil só passava a vigorar quando o ator desembarcasse no país, não ocorreu que seria preciso procurar a filial nacional da companhia. Mas que o site lamentava muito o incidente e que procuraria se lembrar do caso em futuras oportunidades.

Complementei dizendo que eu pretendia ir à coletiva pela Folha, acompanhado por um fotógrafo, e que o TB iria mandar seu representante próprio, Paulo Cesar. Terminamos a conversa cordialmente, ela me passou seu celular e pediu que eu ligasse depois das 19h, para confirmar a posição final da Paramount, uma vez que o cadastramento de jornalistas estava sendo feito em conjunto por ela e por Clóvis Furlanetto, assessor de imprensa da Frota Estelar Brasil. Infelizmente, minha relação com Clóvis se deteriorou após ele ter dito o que não devia e a última coisa que eu poderia esperar nele era um aliado. Não pretendo levantar defuntos, mas caso você tenha interesse em saber o porquê, pode ler aqui e aqui (a propósito, eu tenho a fita).

Muito bem. Voltei a ligar para Anadege às 19h. Nada. Às 19h30. Nada. Às 19h45. Nada. Às 20h. Nada. Às 20h15. Ela atende. “Oi Ana, é o Salvador. E então? Como ficamos?”. A resposta dela? “Olha, Salvador, por mim tudo bem. O problema é que eu não decido isso sozinha. Tem outra pessoa que não houve meio de convencer. Ela está decidida.”

Confesso que perdi as estribeiras. Fiquei realmente enfurecido. Não conseguia entender como parte da imprensa poderia ser excluída de uma coletiva de imprensa. Fossem quais fossem os problemas, não fazia sentido deixar de fora o maior jornal do país e o maior site nacional de divulgação de Jornada nas Estrelas. Mas esse era o veredito dos responsáveis pela assessoria de imprensa na Frota Estelar Brasil e na Paramount: tanto a Folha quanto o TB não teriam acesso à coletiva.

Quem me conhece sabe que eu não acredito em Kobayashi Maru — situações em que não há chance de vitória. Foi com esse espírito que comecei a lidar com a presente crise. Algumas vozes começaram a ecoar em minha cabeça, e eu sabia de onde elas vinham. Eu estava revivendo, literalmente, minha própria versão de “À Procura de Spock”.

The word is no. I am therefore going anyway.
–James T. Kirk

Já passava das 21h, e a coletiva iria acontecer no dia seguinte, às 10h30. Era como precisar virar um jogo quando o adversário vence por três a zero, faltando cinco minutos para terminar. Mas eu não estava disposto a desistir. Conversando com Paulo Cesar, ele me sugeriu uma última cartada: ligar para Luiz Navarro, presidente da Frota Estelar Brasil. Se a “outra pessoa” fosse alguém do fã-clube (e há razões fortes para crer que um certo “alguém” teve tanto oportunidade quanto motivação para mais uma vez deixar de lado o profissionalismo e abusar de seu poder para prejudicar o TB), certamente ele poderia interceder –se assim quisesse.

Quando liguei no celular dele, Navarro me atendeu com cordialidade. Perguntei se ele estava com tempo e ele disse que estava dirigindo, mas que se fosse rapidinho poderia falar. Expliquei a ele a situação e minhas suspeitas. Ele prometeu que iria verificar, mas duvidava que a iniciativa de barrar o TB tivesse partido da Frota. Na opinião dele, Anadege Freitas estava apenas atribuindo a culpa a “outra pessoa” para se esquivar da responsabilidade.

A situação ainda não estava revertida, mas ao menos agora havia uma esperança. Depois de gastar mais uma hora conversando com Susana Lopes de Alexandria, uma amiga comum que tenho com Navarro, eu tinha a sensação de que talvez as coisas ainda pudessem se resolver. Com isso, só me restava voltar para casa e torcer pelo melhor, no dia seguinte.

Infelizmente, não foi tão simples assim. Aprendi que dormir pode se tornar um tremendo desafio quando você está prestes a conhecer (ou a deixar de conhecer) um de seus principais ídolos. Resultado, dei início à campanha Sono Zero. Por volta das 9h da manhã, voltei a ligar para Luiz Navarro, para saber do resultado.

– Oi, Luiz. É o Salvador, tudo bom?

Nem parecia a mesma pessoa do dia anterior. O diálogo foi algo mais ou menos assim.

– Olha, Salvador, eu não tenho tempo, não posso falar agora.
– É rápido, só queria saber como é que ficou a situação.
– O seu nome não está lá. Eu falei com a Eliane Munhoz [diretora-geral da Paramount] e ela disse que vai outra equipe da Folha. Quanto a você, não vai poder ir.
– Luiz, honestamente, estou me sentindo prejudicado.
– É, agora você vem falar isso. Tá colhendo o que plantou.
– Então é isso?
– É isso.
– O que você me recomenda? Recomenda que eu não vá?
– Eu não recomendo nada. Se você for, vai ser barrado pelos seguranças. Olha, não posso falar mais. Nos vemos na convenção.
– …Tá bem. Até.
– Até.

As opções estavam se esgotando, mas eu decidi que cumpriria meu dever de repórter (e de fã) até o fim. Parti rumo ao Hotel Emiliano, nos Jardins, em São Paulo, na esperança de conseguir persuadir ou mesmo me infiltrar na coletiva, se fosse possível. Quando Walter Koenig veio ao Brasil, no ano passado, a segurança estava bem relaxada. Eu contava com isso para fazer minha tentativa.

Doce ilusão. Cheguei lá e tentei me desvencilhar das duas moças que estavam confirmando os nomes dos jornalistas que chegavam e quando fui passar de lado, um gorila da Frota Estelar (curiosamente sem uniforme) me barrou. Peço desculpas por chamar essa pessoa deste modo, mas foi só para que o leitor tenha uma noção da minha sensação na hora. Ele estendeu a mão, num sinal de “pare”, e eu estendi a minha, para cumprimentá-lo. Não tive sucesso.

Klingon bastard, killed my son
–James T. Kirk

Em seguida, veio uma mulher. Pouco antes, tive a chance de cumprimentar Anadege Freitas pessoalmente. Ela disse, “por favor, me acompanhe, vamos conversar ali adiante”. Estava na esperança de que fosse alguém que tivesse influência ali dentro, e perguntei: “Você é a Eliane?” “Não, sou Lizbeth”, ela me respondeu. Não ajudou muito.

Ela disse: “Olha, você parece ser uma pessoa educada, eu espero que seja mesmo, infelizmente não será possível que você entre para a coletiva. Os veículos foram selecionados, e você não estava na lista. Todos eles têm acordo com míster Nimoy e o seu pedido para vir à coletiva não teve tempo de ser processado.”

– Por uma falha de vocês, pois faz dois dias que estou tentando me inscrever.
– Sinto muito, não posso fazer nada. Você vai embora e outra hora nós conversamos.
– Tudo bem, eu não quero mais entrar. Só preciso passar um recado a uma pessoa que está lá dentro. Você poderia chamá-la?
– Infelizmente, não. A sala já está fechada e a coletiva já vai começar. O máximo que posso fazer é passar um recado à pessoa, depois da coletiva. Com quem você quer falar?
– Paulo Maffia. Com dois efes.
– De onde?
– Da Editora Abril.
– E seu nome é…?

Eu olhei para o papel em que ela estava anotando, e meu nome já estava escrito lá, em letras de forma e a lápis: SALVADOR NOGUEIRA. Eu disse:

– Meu nome é esse que está escrito aí no seu papel.

Ela insistiu.

– Qual o seu nome?
– Salvador.
– Você é da Folha?
– Sim.
– Seu telefone?
– 3224.3701.
– Se você não estiver, tem alguém que pode anotar recado para você?
– Reinaldo José Lopes.
– Ele é editor?
– Não, é repórter.
– E você iria cobrir a coletiva para a “Ilustrada”?
– Sim.
– Quem é seu contato lá?
– Lúcia Valentim Rodrigues.
– Você tem a sua credencial da Folha aí?
– Sim, claro, tá aqui.
– Nossa, é velha, hein? Essa não é a antiga?
– Não é velha. Uso-a para ir para o trabalho todos os dias.
– Tá bem, obrigado. Eu passo o seu recado assim que acabar a coletiva.
– OK, agora me diga uma coisa: com quem eu estou falando?
– É Lizbeth.
– Lizbeth do quê?
– Lizbeth Não-sei-o-quê. [Confesso ao leitor que não me lembro do sobrenome]
– E você trabalha para quem? É do hotel?
– Não, não trabalho para o hotel.
– Para a Paramount?
– Eu trabalho para pessoas.
– Olha aqui, você me fez oitocentas perguntas e pegou todos os meus dados! Eu acho que tenho no mínimo o direito de saber com quem estou falando!
– Lizbeth Não-sei-o-quê!
– E trabalha para quem?
– Para a Paramount.
– Ah, muito melhor. Obrigado.

Fui expulso do Hotel Emiliano. Mas com a sensação do dever cumprido — fiz o possível e o impossível para ir à coletiva. Apesar disso, não consegui evitar a sensação de ter “dado um bolo no sr. Spock”. Nimoy me esperava lá, e eu não estava, e não pude dizer o quanto era importante para mim conhecê-lo pessoalmente.

Não tenho vergonha de dizer: fiquei arrasado. Chorei. E questionei o mundo por não recompensar as pessoas que exercem seu trabalho honestamente, sem fazer média e defender interesses alheios e excusos, sem usar o esquema nojento de troca de favores que impera por aí afora. Mas o drama durou apenas alguns instantes.

Voltei para casa e, por volta de meio-dia, me ligaram do jornal. Da “Ilustrada”, mais especificamente falando. Achei que eram mais problemas, mas se tratava de boa notícia: “Oi Salvador, aqui é o Rogério. Vamos dar a sua entrevista amanhã, e eu estou editando o material aqui. O nome do personagem é ‘sr. Spock’ mesmo?”

Ufa. A Folha não iria passar em branco na cobertura da coletiva. Muito ao contrário, teria uma entrevista própria com Nimoy, algo que nenhum outro jornal tinha. De repente, ficou claro para mim que o meu trabalho já havia superado todo esse drama da coletiva. A grande perda foi meramente ilustrativa, uma vez que a Folha teve de usar uma foto de arquivo de Spock em Jornada I, por falta de fotógrafo na coletiva.

Quanto ao TB, pôde contar com a ajuda inestimável de Paulo Maffia, que não só passou meia hora me contando o que de mais legal rolou na coletiva como fez questão de se identificar como fonte da informação e efetivo “repórter” do site in loco. A batalha profissional estava 100% vencida. Faltava eu consertar o “cano” que dei em Leonard Nimoy.

Chegando à Redação da Folha, abro meu e-mail e descubro lá uma mensagem inesperada. Era de Richard Arnold, um dos convidados da convenção de sábado e ponte importante na vinda de Nimoy ao Brasil. “Acabamos de participar da coletiva, foi ótima.”

Respondi: “Richard, será que pode transmitir uma mensagem ao Leonard?”

– Eu o verei nesta noite… qual é a mensagem?

– Diga a ele que eu fiz todo e qualquer esforço para ir à coletiva hoje, como havia prometido no telefone, mas fui proibido de comparecer pela Paramount do Brasil, que achou que eu desafiei sua autoridade ao pedir uma entrevista com ele diretamente. A entrevista será publicada em meu jornal, Folha de S.Paulo, amanhã, e eu ficaria feliz e honrado de entregar uma cópia do jornal a ele no sábado, durante a convenção. E espero ter a chance de cumprimentá-lo, como ele sugeriu pelo telefone, antes que ele volte a LA. De todo modo, gostaria de dizer que apreciei muito a entrevista e que seu trabalho foi muito, muito importante para me ajudar a estar onde estou hoje.

My God, Bones, what have I done?
–James T. Kirk
What you had to do, what you always do — turn death into a fighting chance to live.
–Leonard H. McCoy

No dia seguinte, Arnold me enviou uma resposta:

– Apenas um curto e-mail para te dizer que Leonard riu e balançou a cabeça quando eu disse a ele que a Paramount não havia permitido que você fosse à coletiva. Ele está ansioso para cumprimentá-lo na convenção amanhã (ele também não morre de amores pela Paramount!).

Isso me deu novo ânimo para prosseguir na cobertura desse evento histórico e memorável, a despeito de todas as barreiras que foram colocadas no caminho. De sexta para sábado, fiz nova edição da campanha Sono Zero, em razão da expectativa.

Na convenção, Arnold havia prometido tentar me levar até Leonard antes que ele entrasse no palco. Quando falei com ele pessoalmente, ele disse que muito provavelmente não seria possível –havia forte segurança lá atrás e seria difícil me levar até lá. De toda maneira, entreguei a ele uma cópia da “Ilustrada” de sexta-feira e pedi que ele mostrasse ao Leonard.

Com isso, já estava perdendo as esperanças de vê-lo de perto –percebi que as mesmas pessoas que me sabotaram na quinta-feira estariam lá para repetir a dose no sábado. Qual não foi a minha surpresa quando Leonard, durante sua apresentação, citou minha entrevista! Sim, e a não ser que ele seja um excelente falante da língua portuguesa, ele se lembrou da conversa que tivemos, no início da semana!

Fiquei num estado de perplexidade, quase paralisia. Pensei que talvez ele tivesse de fato apreciado a meia hora de conversa que tivemos. Cogitei a hipótese de simplesmente erguer a mão e dizer, “Muito obrigado por fazer referência à nossa entrevista”, mas procurei me conter. Enquanto isso, levei tapinhas nas costas do pessoal do TB que estava comigo no auditório.

Terminada a apresentação, fui até Arnold que me disse para entrar na fila dos autógrafos. Quando eu chegasse lá, ele me apresentaria ao Leonard. Mas eu estava hesitante. A coisa dos R$ 50 realmente me pegou desprevenido, e eu me senti mal de pagar só para ganhar um papel assinado do sujeito. Eu já havia conversado com ele por 30 minutos, e de graça! Parecia um retrocesso ir até lá e pegar um autógrafo.

Acompanhei por vários minutos a saída das pessoas, felizes, da sala em que Leonard dava seus autógrafos. Eis que dentre elas sai Fernando Rodrigues, velho de guerra do TB. Surpreso, perguntei: “Você comprou esse troço?” Ele confirmou e se justificou. Eu falei: “Poxa, se você tivesse avisado antes, eu queria transmitir um recado ao Leonard!” Mas era tarde –quem saía não entrava mais. Se eu quisesse falar com ele, teria que ser eu mesmo. Decidi então que tinha negócios a terminar com o sr. Nimoy, e que o custo não seria tão alto, perto da sensação do dever cumprido e do desafio vencido.

Jim… Your name… is Jim…
–Spock

Comprei a foto e entrei na fila –que andava ultra rapidamente, beneficiada pelo grande número de pessoas que simplesmente desistiu do autógrafo, por conta da taxa de R$ 50. Cheguei até Leonard e disse:

– Obrigado por ter citado minha entrevista, Leonard. Eu sou o Salvador.
– Ah, é você? Finalmente! Como vai?
– Bem, e você como vai?

Nisso, Clóvis Furlanetto percebe que eu comecei a conversar com Leonard e decide que é hora de interferir. Ele grita a plenos pulmões, “PRÓXIMO!”, e começa a chamar o seguinte com as mãos, visivelmente tenso. Ele se aproxima para me colocar para fora quando Arnold, ao lado de Leonard, se vira para ele, estende a mão e diz simplesmente: “It’s OK”. Sem ação, Clóvis se afasta.

Eu pego minha foto, Leonard estende a mão e nos cumprimentamos.

– Foi um prazer, Leonard. Muito obrigado.

Deixo a sala, imaginando que não poderia haver um desfecho muito maior do que aquele. Apesar de todos os impedimentos ao longo do caminho, consegui fazer tudo que pretendia fazer. A justiça, neste caso, prevaleceu, foi tudo que eu conseguia pensar.

Saí feliz da vida, contei o episódio aos amigos e todos concordaram que seria difícil planejar algo mais representativo.

Cobrir a vinda de Leonard Nimoy ao Brasil foi uma das tarefas mais recompensadoras que o Trek Brasilis tomou para si. Também foi uma das mais extenuantes.

Além de mim, foram mobilizadas outras nove pessoas que participaram da cobertura. A eles, Rosimeire Anne, Paulo Cesar Ceglia, Fernando Penteriche, Fernando Rodrigues, Paulo Maffia, Luiz Castanheira, Cláudio Silveira, Leandro Pinto e Luiz Felipe Tavares, meus parabéns. Recebi, durante todo esse período, dezenas de e-mails parabenizando-me pela entrevista com Nimoy, e gostaria de transmitir esse mérito a toda a equipe do Trek Brasilis, por ser o time mais maravilhoso com o qual trabalhei, contando todos os projetos em que já me envolvi na vida.

Aos que se deram ao trabalho de escrever a mim ou a outros do site enviando suas congratulações, saibam que seu papel foi muito importante. Durante os momentos mais difíceis dessa jornada, foram vocês que me impeliram adiante, que fizeram com que eu não desistisse.

Acho que podemos nos orgulhar, aqui no TB, de uma cobertura que não deixou que rixas pessoais ofuscassem o verdadeiro objetivo de nosso trabalho: a melhor divulgação possível de um episódio inesquecível na história de Jornada nas Estrelas no país. Foi por essa razão que adiei a revelação dessa história para depois da convenção –eu não gostaria que problemas pessoais e atitudes anti-profissionais e anti-éticas de outrem perturbassem o fã como me perturbaram nos últimos dias. A vinda de Nimoy deveria ser, para cada um de nós, um momento mágico, único, e fiz o possível para preservar isso.

A essa altura, todos os compromissos de Leonard no Brasil estão terminados. Ele agora caminha semi-anonimamente pelas ruas do Rio de Janeiro, de onde partirá até o final da semana para Los Angeles. De sua estada em terras brasileiras, guardo apenas saudades e boas lembranças. Espero que tenha sido tão memorável para ele quanto foi para nós.

Parabenizo a Frota Estelar e a Paramount Pictures do Brasil pela organização bem-sucedida da visita do ator e agradeço a todos os fãs brasileiros, que tornaram viáveis todas essas empreitadas — fossem elas a vinda do ator em si, fossem apenas entrevistas.

O Trek Brasilis fecha sua cobertura especial de Leonard Nimoy no Brasil com a sensação do dever cumprido. E o leitor pode estar certo de que o nosso espírito e a nossa gana de fazer o que é certo, não importando com quem estaremos mexendo, permanecerá pautando diariamente o nosso trabalho. Muito obrigado pela confiança. Nós não o decepcionaremos.

Salvador Nogueira
Editor do Trek Brasilis