Convenção Capitão Spock: À criança que um dia fui

Eu me lembro do primeiro contato que tive com Jornada nas Estrelas. Era ainda uma criança, com apenas seis anos de idade e já começara a desenvolver minha paixão pelo cinema e, em especial, pela ficção científica. Em um sábado daquele longínquo 1983, o “SuperCine” da Rede Globo ia exibir um filme inédito: “Jornada nas Estrelas – O Filme”. Seria exibido à noite, num horário tardio, quando a maioria das crianças de minha idade já estariam no décimo-oitavo sono.

Meus pais, porém, que de certo modo sempre entenderam o fascínio que o cinema exercia sobre mim e incentivaram meu interesse (afinal, eles também são cinéfilos), permitiram que eu assistisse ao filme. E então, sem entender exatamente a mensagem do filme, mas, ainda assim, fascinado com as imagens na tela, fui apresentado a Kirk, Spock e à Enterprise.

Não virei fã naquele momento – aliás, acho que eu era muito novo para isso. Meus interesses estavam mais voltados para competições de bolinhas de gude no playground do condomínio onde morava. Só viria mesmo a me apaixonar pela série em minha adolescência, acompanhando os episódios da Série Clássica exibidos pela extinta Rede Manchete.

De qualquer modo, por estranho que seja, nunca fui muito propenso a participar de convenções. Havia apenas comparecido a uma organizada em Campinas, minha terra natal, por um grupo de fãs. E, depois, participei da organização de diversos outros eventos similares aqui em Campinas, e até mesmo ajudei, uma vez, na organização de uma convenção da Frota Estelar Brasil.

Esses eventos, para mim, nunca tiveram uma importância assim tão grande. Era ótimo para encontrar amigos… amigos estes que eu encontrava freqüentemente em outras situações. Então, para que gastar dinheiro com isso? Muito melhor comprar um bom filme, um bom livro, uma boa revista (de Jornada ou não).

Não havia ido à convenção com George Takei… e não havia ido à convenção de Walter Koenig. Não havia motivação, simplesmente isso.
Então, eis que a Frota anuncia a vinda de Leonard Nimoy, com ingressos VIP a US$ 100. A vantagem, segundo eles, era participar de um coquetel e ter prioridade para conseguir um autógrafo. Pensei seriamente sobre o assunto. Não me importava com o autógrafo, e como no coquetel não haveria muitos amigos, decidi que o investimento não valia a pena.

Apenas quando todos os meus colegas do Trek Brasilis se organizaram para ir ao evento que decidi acompanhá-los, apenas para desfrutar de sua companhia. E, ainda assim, pagando pelo ingresso normal, a R$ 50.

No dia do evento, muitos abraços e muitos risos na reunião de amigos, não apenas os do Trek Brasilis, mas também da dezena (isso mesmo, dezena) de outros colegas que pude cumprimentar. Fiquei muito pouco tempo dentro do recinto, sem interesse algum em acompanhar a exibição de episódios. O importante, para mim, era conversar.

Eis que Leonard Nimoy sobe ao palco. Aplausos, vivas e insistentes flashes das máquinas fotográficas. Devo admitir que a apresentação em si de Nimoy não provocou em mim emoções maiores… pelo contrário, me decepcionei com a curta duração de sua palestra e pela falta de novas informações ministradas pelo eterno Vulcano… afinal, qualquer um que pôde ler o livro “Eu Sou Spock” sabe de cor e salteado como foi criada a saudação Vulcana…

Na verdade, já se iniciara dentro de mim um conflito interno, poucos instantes antes de Nimoy subir ao palco. A organização do evento anunciara a sessão de autógrafos que se seguiria à palestra, informando a módica quantia de R$ 50 a ser paga pelos interessados. No meu interior, um duelo começara a se travar: tento um autógrafo ou não? Afinal, são R$ 50… e os VIPs terão o primeiro lugar na fila, vale a pena ficar esperando para, de repente, ficar sem o visto em uma foto?

Terminada a palestra, VIPs em polvorosa correram para conseguir um lugar na fila de autógrafos, adquirindo, antes, uma foto do sr. Spock pelos R$ 50 anunciados. Em dúvida, desisti de acompanhar o documentário “Mind Meld” e resolvi comprar um refrigerante. No bar, encontrando com um colega jornalista, meu lado racional começou a se expressar, expondo ao colega o absurdo de apenas na presença do sr. Nimoy ter sido divulgada a cobrança. Uma traição aos fãs, dizia. Um desrespeito àqueles que desembolsaram US$ 100! Propaganda enganosa, dizia!

Sorrateiramente, um pensamento surgiu em minha cabeça, vindo de um tempo distante, de um menino. Ele dizia: “Esse homem foi um dos responsáveis pela sua paixão por cinema e, por conseqüência, por você ter se tornado quem é”.

Mas… eu tinha exatamente R$ 50 no bolso… como faria para pagar os pedágios que me aguardavam no caminho de volta?

Olhei para a fila, e vi que os participantes VIPs já tinham conseguido o seu autógrafo… a fila agora contava apenas os demais participantes do evento. Novamente, aquela voz infantil invadiu meus pensamento: “pegue um autógrafo”. Segui o impulso, comprei a foto e entrei na fila.
Poucos minutos depois, me vi cara-a-cara com ele. Autografou a foto e olhou nos meus olhos, cumprimentando-me: “Hi!”. Eu, nervoso, apenas lhe respondi, “thank you”.

 

Pernas bambas, saio do recinto feliz com o que fizera. Não poderia ter sido melhor, certo? No mesmo instante, dou de cara com um colega do Trek Brasilis, que me criticou por ter gasto dinheiro com aquilo. Olhei no fundo dos seus olhos e lhe disse: “Não acha um valor pequeno a ser pago para poder olhar nos olhos de alguém que te influenciou tanto?”

Não deu outra… no mesmo instante ele foi atrás de seu autógrafo.
Ao lado, ouvi uma amiga comentando que não iria mais lavar a mão. Curioso, perguntei-lhe o motivo.

“Ele apertou minha mão!”

“Como assim? Como ele apertou a sua mão?”

“Eu só a estendi a ele… e ele me cumprimentou!”

É, talvez conseguir um autógrafo pudesse ter sido melhor…
Posso ser criticado, claro. Ser tachado de fanático, de ter participado e incentivado de um processo que extorquiu dinheiro dos fãs, aproveitando de sua boa vontade.

Não me importo.

Digo apenas o seguinte: a criança que um dia fui, e que ainda mora no meu interior, está com um sorriso enorme, de orelha a orelha. E isso vale muito mais do que R$ 50.

Fernando Rodrigues é co-editor e colunista do Trek Brasilis.