OPINIÃO: Cancelamento foi morte anunciada

Uma Morte Anunciada

Por Carlos Santos, colaborador do Trek Brasilis

O cancelamento de Enterprise é uma morte mais do que anunciada, e resultado final de uma serie de fatores que culminaram com o falecimento prematuro das aventuras de Archer e Cia, e não é um fenômeno isolado, ou que tenha se iniciado recentemente. É um processo que teve seu marco zero muito antes mesmo da concepção da premissa de Enterprise vir a publico. Embora muita gente tenha esquecido, ou ignorado, desde que Voyager terminou, ou bem antes disto, já se discutia se a franquia poderia sobreviver a mais uma empreitada.

Os otimistas diziam que sim, os pessimistas diziam que não e os realistas achavam que era necessário mais tempo (leia-se anos) para que a franquia pudesse retomar fôlego e retornar com alguma chance de sucesso. Para tentarmos concluir quem tinha razão, uma analise de mais longo prazo é necessária para se compreender os motivos do fim da serie, e talvez da franquia na TV. Olhando para o passado, é fácil observar alguns fatores importantes relativos ao sucesso (ou não) de outras edições da franquia, e que muitas pessoas insistiram em ignorar.

Primeiro todos concordam que a Nova Geração foi o maior sucesso da franquia em toda a sua existência. Sorte, competência ou estava no lugar certo, na hora certa ? Um pouco de cada, seria a melhor resposta. Muito do sucesso da Nova Geração e da paciência dos fãs com a primeira temporada pífia da TNG devia-se ao vácuo deixado pela Serie Clássica desde seu cancelamento, em 03 de junho de 1969. Diversos fatores conspiraram para que a tripulação de Picard pudesse chegar, ver e vencer, em 1987. A ausência de quase dezoito anos de aventuras semanais, que apenas aumentavam o apetite dos fãs antigos e criavam uma nova geração de admiradores ávidos por aventuras, ausência esta que as duas temporadas da Serie Animada, exibida entre 73 e 74 não puderam suprir, pelo contrario, deixaram ainda mais um gosto de quero mais entre a comunidade trekker, que ia ganhando adeptos.

Neste meio tempo, George Lucas levava para o cinema Star Wars, sucesso que chamou a atenção dos grandes estúdios para o filão que a ficção cientifica podia representar. Tal sucesso influenciaria a mudança de eixo do então claudicante projeto Star Trek Fase II, levando para a tela grande o que seria a nova missão da USS Enterprise na TV. Star Trek – O Filme foi um filme discutível, mas mostrou que a serie ainda tinha potencial, e quatro filmes depois, nascia a Nova Geração.

Todo este processo ao longo de dezoito anos, permitindo aos fãs doses homeopáticas de Jornada nas Estrelas, criou um cenário fértil de fãs interessados que permitiu a nova edição da franquia nascer e amadurecer. Tal ambiente, aliado a uma equipe criativa competente (com destaque para Michael Piller) e roteiros interessantes, principalmente durante com as temporadas 3, 4 , 5 tornou possível alçar a Nova Geração a condição de maior sucesso comercial da franquia.

A Nova Geração seguiu seu rumo e alcançou um status tal que permitia uma nova aposta, e esta aposta veio a vida em 1993, atendendo pelo nome de Deep Space Nine. Mas se havia espaço para mais aventuras em território da Federação, por outro lado as duas ultimas temporadas deixavam claro que algo de novo devia ser feito, e DS9 o fez, utilizando novos conceitos tanto em forma quanto em conteúdo, que permitiram a serie buscar seu espaço e se firmar como (talvez) a melhor edição da franquia em termos de qualidade.

Mas ao longo de Deep Space Nine já se mostravam sinais de que havia algum desgaste na franquia, com índices de audiência um pouco abaixo dos melhores dias de Jornada nas Estrelas. Também no cinema as coisas já não iam tão bem, apontando para a necessidade de mudanças, ou simplesmente, de que Jornada precisava de fôlego.

Porem, antes mesmo que DS9 terminasse, os executivos apostaram tudo em mais uma série de TV, e em 1995 ia ao ar Voyager. Pelo menos os produtores pareciam ter aprendido a lição deixada por DS9, de que era necessária uma nova abordagem para que e serie tivesse ao menos uma chance. A premissa de Voyager era estimulante: Uma nave com recursos mínimos, lançada a uma distancia absurda de casa, tendo que fazer um longo caminho de volta, lutando não só contra o desconhecido, mas com problemas de relacionamento entre seus membros. Mas tudo isto foi jogado fora logo no inicio da serie e Voyager passou a ser nada mais do que um remake da Serie Clássica e Nova Geração, apostando num formato exaurido e com poucos roteiros de qualidade. Não foi a toa que a serie chegou a seu fim com diversos problemas em maio de 2001.

Mal havíamos voltado a discussão sobre o fôlego da franquia para mais uma nova incursão na TV, sobre quando isto poderia acontecer e sobre qual seria o formato, e já se anunciava a chegada de Enterprise. Na época muito se discutiu dentro da comunidade trekker sobre praticamente tudo o que cercava ao lançamento da série, desde o valor dramático da premissa, que seria um prequel da Série Clássica, até o visual da “nova” nave, passando pela competência de Rick Berman e Branon Braga para dirigir esta nova empreitada. A decisão de trazer uma nova série baseada no universo de Jornada nas Estrelas já nasceu sob o signo da desconfiança, mas mesmo que muitos duvidassem que a serie pudesse resgatar o prestigio de tempos passados, ela foi em frente, e em outubro de 2001 ia ar pela UPN o piloto “Broken Bow”.

Sendo um prequel da Serie Clássica, esperava-se que Enterprise aborda-se as primeiras viagens da humanidade em espaço profundo, os encontros com nossos velhos conhecidos, Vulcanos, Klingons e Romulanos, Telaritas, Andorianos etc,etc. Deveria narrar os eventos que levaram ao inicio da Federação, com passagem quase obrigatória pela Guerra Romulana. Nada disso aconteceu. A historia que se seguiu todo mundo conhece. Enterprise navegou incerta desde seu lançamento por baixos índices de audiência e criticas dos fãs tanto por causa dos roteiros fracos, da insistência dos criadores da serie em se desviar do que muitos acreditavam ser a principal responsabilidade da serie, optando por uma reciclagem da formula já utilizada e exaurida pela Serie Clássica e Nova Geração,
Resultado: Enterprise chegou a um ponto sem retorno.
O mais triste é que este fim chega exatamente quando a serie, pelas mãos de Many Cotto parecia finalmente encontrar seu rumo e começar a cumprir sua missão. A quarta temporada de Enterprise teve aos menos mérito de mostrar que talvez a premissa fosse viável, e que poderia ser significativa. Mas embora alguns fãs (mais de Enterprise do que da franquia) chorem o cancelamento, este é bem vindo. Era obvio a muito tempo que havia um ar de fastio em Jornada nas Estrelas, e era necessário dar um tempo. Se este tempo será eterno, só o futuro dirá, mas é pouco provável que não exista em algum momento outra Jornada. Afinal esta é uma marca, apesar de desgastada, profunda no imaginário de milhões de pessoas em todo o mundo.

Se for dado o tempo necessário, é possível que esta ausência de jornadas inéditas restaure todo o processo que aconteceu no passado e que a franquia possa renascer com sucesso, caso as lições tenham sido aprendidas. O atraso da exibição de jornada no Brasil pode até causar um efeito interessante: Temos três temporadas de DS9 e Voyager e ainda a sétima temporada da Nova Geração, além da quarta e ultima temporada de Enterprise, todas inéditas aqui, logo, não é impossível que quando Jornada estiver deixando mesmo de ser inédita para o fã brasileiro, que já estejamos ouvindo da falar em novidades, embora eu ache que mais tempo seria bem vindo.

Mas se nada disto acontecer, e Jornada nas Estrelas não voltar a TV ou mesmo ao cinema, mesmo assim não há motivos para melancolia, pois após cinco series de TV e dez filmes, sem falar em todo o universo expandido que existe a respeito, é impossível não concluir que, apesar de seus eventuais desvios de rota, Jornada nas Estrelas cumpriu seu papel de forma insuperável.