Coluna do Alf: “O Rei do Mundo na telinha”

 

Quando um cineasta famoso resolve fazer uma investida na TV, as expectativas são relativamente grandes. Afinal não é todo dia que alguém de prestígio na telona vai para a telinha tentar fazer algo que ao menos desperte a curiosidade do público. Foi o que aconteceu com Steven Spielberg quando produziu a série “Seaquest”, nos anos 90. Mas o resultado foi um tanto desigual.

Com James Cameron a história não foi muito diferente. Ele resolveu embarcar na aventura de produzir uma série de TV justo quando seu megasucesso na telona, “Titanic”, ainda estava fresquinho na memória do público. Cameron, com sua megalomania incontrolável, juntou forças com o produtor Charles Eglee, e ambos começaram a trabalhar nos esboços do que seria futuramente a série “Dark Angel”.

Na verdade a série traria alguns elementos daquilo que, na ficção científica, ficou conhecido como cyberpunk, ou seja, uma visão um tanto pessimista e cínica do futuro, embalado pelo terrorismo high tech e o progresso da engenharia genética, em um futuro muito próximo onde a decadência sócio-econômica se tornou global e onipresente. É nesse futuro desanimador que vive Max Guevara, uma garota de seus vinte e poucos anos, fruto das experiências genéticas promovidas pelo Manticore,onde outros jovens como Max são mantidos pelos militares que têm planos de torná-los soldados perfeitos.

Enquanto Max crescia no Manticore, um grupo terrorista dispara um pulso eletromagnético que praticamente anula todos os computadores do planeta, arruinando a economia global. Já adulta, Max decide fugir do Manticore para descobrir a realidade sobre sua origem e encarar a vida como ela realmente é no mundo exterior. Ela acaba se tornando empregada de uma empresa de serviço de entregas e, durante a noite, atua como uma ladra de objetos de arte, se valendo de suas habilidades criadas pelo Manticore. Max acaba encontrando apoio em Logan Cale, um ativista político que combate o governo sob a alcunha de “Eyes Only”, veiculando propaganda anti-governamental pela web.

Para encarnar Max Guevara, Cameron e Eglee testaram quase duas mil atrizes, mas acabaram encontrando na então desconhecida Jessica Alba o perfil ideal para Max. Com uma beleza e uma sensualidade diferentes, Alba deixava claro sua origem latina. Mas sua experiência como atriz incluía apenas alguns filmes de horror B e o remake da série “Flipper”. Não era lá muito animador, é verdade, mas Cameron e Eglee apostaram na futura nova estrela.

Depois de aprovada para o papel, Jessica teve que encarar longos oito meses de treinamento em artes marciais, ginástica intensiva e se tornar uma motoqueira habilidosa. Todo esse esforço para mostrar as habilidades físicas fora do comum de Max não era apenas um recurso a mais da série. Tratá-se também de compensar um orçamento que não era lá muito generoso, o que obrigava os produtores a serem mais comedidos na hora de tratar dos efeitos especiais.

A premissa de “Dark Angel” não era exatamente um primor em termos de originalidade. Mas o carisma da personagem vivida por Jessica Alba ajudou bastante a fazer a série caminhar e trabalhar bem com os elementos da cultura cyberpunk. Quando o longa metragem piloto da série finalmente estreou, os fãs que já conheciam a visão que Cameron tinha de ficção científica desde a época de “O Exterminador do Futuro” ficaram entusiasmados. Mas a crítica ficou com um pé atrás. Muitos comentaristas acharam que a série não tinha fôlego suficiente para muitas temporadas. Além disso, Jessica Alba era vista como uma atriz de poucos recursos dramáticos e seu sucesso se deveria apenas a sua beleza exótica .

Porém, apesar dessas críticas negativas, o fato é que a série teve um forte apelo entre o público mais jovem. O que no início parecia ser um trunfo acabou se tornando um fardo para a série de Cameron. “Dark Angel” começou a ser vista como uma série dirigida para adolescentes e que não teria como agradar um público fã de sci fi mais elaborada. Para afastar essa impressão os roteiristas começaram a trabalhar mais nos aspectos que envolviam a trama em torno do Manticore e as maquinações políticas que o alimentavam. Porém, o relacionamento entre Max e Logan foi tomando maior espaço. De certa maneira “Dark Angel” estava sempre correndo o risco de se tornar uma série “teen” com ambientação futurista. Mas Cameron e Eglee conseguiram completar a primeira temporada com um resultado positivo, apesar de todos os problemas.

Quando a segunda temporada teve início, “Dark Angel” estava com ótimos índices de audiência, um futuro aparentemente promissor e havia conseguido tornar Jessica Alba a nova estrela do momento.

Mas, a medida que a segunda temporada foi avançando, a série voltou a mostrar o seu velho problema inicial: não conseguia se livrar de sua faceta “teen”. Uma parte considerável do público queria ver a série se concentrar mais em Max e Logan, o que acabava prejudicando os episódios, com roteiros cada vez mais irregulares.

Isso forçou Cameron e Eglee a introduzir novos personagens na série. Eis que surge então Nana Visitor, atriz conhecida dos trekkers por seu papel como Kira Nerys em Deep Space Nine. Nana entrou para o cast de “Dark Angel” com cabelo loiro e vivendo uma vilã do Manticore interessada em utilizar os poderes de Max para seus objetivos nada amistosos. Outros personagens foram surgindo e a série parecia tomar um rumo, senão criativo, pelo menos um pouco mais seguro. Mas surge mais uma pedra no caminho.

No meio da segunda temporada, James Cameron começou a se desentender com a Fox, produtora de “Dark Angel”. As velhas manias de Cameron e seu ego gigantesco tornaram o relacionamento entre ele e o pessoal da Fox cada vez mais difícil. Mas ele e Eglee resolveram dar um direcionamento mais firme para a trama em torno de Max Guevara e o Manticore. Quando a segunda temporada se aproximava do fim, Cameron anunciou que deixaria a produção da série. Mas “Dark Angel” encerrou sua segunda temporada dando a impressão que talvez a história de Max Guevara, após a destruição do Manticore, seria retomada no futuro por seu criador. Mas Cameron nunca mais deu sinais de que se envolveria com TV novamente.

Com o fim da série, Jessica Alba seguiu sua carreira e se tornou a estrela que é hoje. O ator Michael Weatherly, que interpretava Logan Cale, hoje está no elenco da série “NCIS”. E Cameron, o Rei do Mundo, anda meio sumido, provavelmente tramando sua próxima obra para a telona.

Talvez “Dark Angel” seja lembrada apenas como trampolim para o estrelato de Jessica Alba, hoje mais conhecida pela sua atuação na telona em “Quarteto Fantástico” e “Sin City”. Mas seria injusto não reconhecer as qualidades que “Dark Angel” tinha como série de ficção cientifica. ” Dark Angel” mostrou que era possível adaptar para a TV a complexa visão que o movimento cyberpunk tinha da sociedade que os avanços da informática e da engenharia genética estão ajudando a construir e as conseqüências sociais e econômicas que esse progresso pode gerar, para o bem ou para o mal. É verdade que Cameron acabou jogando a toalha, mas conseguiu marcar alguns pontos na telinha e abriu as portas para que outros figurões do cinema arrisquem suas fichas no universo rico de possibilidades das séries de TV.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB