Coluna do Alf: “Os Estranhos somos Nós”

 

Quem assistir, pela primeira vez, a série “The 4400”, pode se sentir tentado a achar que ela é uma espécie de “X-Men” sem super-heróis vestindo uniformes “fashion”. É uma impressão enganosa. Na realidade, “The 4400” é um drama de ficção-científica cuja a única semelhança com o grupo de super-heróis mutantes da Marvel é o desejo de retratar nosso desconforto diante da diferença e daqueles que são diferentes de nós. Mas, a partir daí,”X Men” e “The 4400” levantam essa questão de maneiras completamente distintas.

Os 4400 não contam com um professor Xavier motivado por um idealismo humanista para orientá-los. Pelo contrário… acabam encontrando alguém que é (ou parece ser) a antítese de Xavier. Também há o fato que os 4400 não nasceram com seus poderes, mas sim, foram impostos a eles por seres desconhecidos. A clara intenção da série é fisgar o público adulto que não quer ver gente em uniformes espalhafatosos enfrentando vilões esquisitos. Os 4400 são como eu e você… mas também são diferentes ou, falando francamente, estão aí para provar que estranhos somos nós todos.

Nas palavras do escritor e produtor Scott Peters, “The 4400” é muito menos sobre abdução alienígena e dons sobrenaturais e mais sobre a idéia de pessoas procurando de todas as formas se manterem unidas para enfrentar suas dificuldades. Peters criou a série ao lado de Rene Echevarria, um roteirista muito conhecido pelos seus trabalhos em “A Nova Geração” e “Deep Space Nine”. Em “The 4400”, os dois criadores procuraram ambientar essa nova história em um cenário mais despojado dos aspectos mais comuns das séries sci-fi a fim de que o público pouco habituado com o gênero pudesse se identificar com a série.

Parece estar dando certo e a série, depois de estrear como um espécie de “mini-série piloto” com quatro episódios, vem agradando tanto o público mais ligado em dramas mais tradicionais quanto os fãs saudosos de uma sci-fi ao estilo de “Arquivo X” que, aliás, parece ser outra influência mais ou menos óbvia em “The 4400”, que já está em sua segunda temporada como série regular.

Os 4400 são um grupo de pessoas desaparecidas de várias partes do mundo ao longo do século XX que reaparecem repentina e publicamente nos EUA após um evento espetacular que, em um primeiro momento, parecia ser a queda de um cometa. Dois agentes da NTAC, uma espécie de divisão da Homeland Security Agency americana, são designados para investigar o que ficou conhecido como “o grupo 4400”. Mas um dos 4400 é filho do agente Tom Baldwin (Joel Gretsch) que, junto com um sobrinho de Baldwin, também havia desaparecido dois anos antes. Obviamente, também motivado pelo seu envolvimento pessoal no caso, Baldwin, ao lado de sua parceira Diana Skouris (Jacqueline McKenzie),procuram solucionar os mistérios que envolvem os 4400 e por que quase todos eles parecem ter desenvolvido habilidades e poderes estranhos. É o caso da menina Maia, uma dos 4400 que acaba sendo adotada por Diana, e tem poderes premonitórios.

Apesar do aparente estilo “Mulder & Scully” que parece seguir a parceria de Baldwin e Skouris , os produtores da série foram espertos o suficiente para não fazer a trama central girar unicamente em torno deles e procuraram criar uma estrutura dramática que evitasse os episódios “monstro da semana”, algo que era bastante corriqueiro em “Arquivo X” que, em alguns casos, funcionou bem na célebre série de Chris Carter, mas seria fatal em “The 4400”. É claro que alguns clichês são inevitáveis mas, pelo menos até o momento, a série soube lidar bem com a maioria deles.

Apesar da gama variada de personagens que a série demonstra ter, Peters e Echevarria procuram focar o drama dos 4400 através de dois deles, o veterano da Guerra da Coréia Richard Lofton (Mahershalalhashrz Ali) e Lily Moore (Laura Allan). Os dois formam o casal que acaba resumindo a sensação de estranheza, rejeição e deslocamento que os 4400 sentem não apenas por causa dos poderes que agora possuem, mas também, por serem de períodos diversos do século XX, acabam confrontando situações e realidades sociais diferentes das que conheciam. No caso de Lofton, um afro americano dos anos 50, e Lily Moore, uma jovem branca dos anos 90, esses choques de realidades tão diversas são evidentes. Mas, mais do que isso, Lofton e Moore têm uma filha que parece ser a chave para entender todo o mistério em torno dos 4400.

Esse segredo é ambicionado por Jordan Collier, um milionário que sofre de uma doença incurável e acredita que a filha de Richard e Lily pode ser a resposta para a sua cura…e também para várias outras coisas que Collier aparentemente planeja colocar em prática tentando atrair os 4400 para seus objetivos, como fez com o proprio sobrinho de Baldwin. Collier é o que poderíamos chamar de “o lado negro da força” e a imagem invertida do professor Xavier de “X-Men” que eu citei anteriormente.

“The 4400” parece querer alçar vôos mais ambiciosos. Resta conferir se sua evolução vai mesmo fazer com que se torne um novo hit sci-fi com chances reais de fazer uma carreira duradoura na telinha. Por enquanto, o que dá para dizer é que a série promete ser um drama de FC mais coeso, muito mais apegado aos personagens e histórias que tem para mostrar e menos interessado em desfilar um arsenal de efeitos especiais de última geração. A dupla Petters e Echevarria, contando ainda com a colaboração do produtor Ira Steven Behr, parecem dispostos a não deixar a peteca cair. Talento é o que não falta.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB