“Bem…eles pareciam não se interessar muito por isso. Eles queriam falar sobre as roupas que iríamos usar porque o figurino havia sido feito para parecer planejado por dondocas da moda.”
O comentário acima é do ator inglês Barry Morse, sobre sua participação na série “Espaço 1999”. Falando para a revista Starlog, anos atrás, Morse soltou esse desabafo, em um tom bem humorado, é claro, sobre as primeiras discussões entre a equipe criativa e o elenco da série. Enquanto Morse queria discutir com mais cuidado os roteiros e a construção dos personagens, a conversa era dominada pela preocupação com o visual e as roupas do elenco.
No caso específico de “Espaço 1999”, a preocupação com as roupas dos personagens foi tamanha que acabou fazendo a série ser mais uma vítima da “calça boca de sino” (não riam…é verdade!!!). No entanto, isso demonstra que, ao contrário do que possa parecer, o visual dos personagens em uma série sci-fi é uma das peças chave para seu sucesso ou fracasso… ou, no mínimo, funciona como farto material para as ironias de críticos com um pendor para comentários mais ácidos.
Uma das coisas que mais irrita os fãs de ficção científica mais exigentes (ou mais rabugentos…) é a quase total falta de realismo dos uniformes usados pelos personagens em séries que narram aventuras espaciais. Normalmente o que acontece é que, como uma série nesse estilo de FC geralmente é ambientada em um futuro muito distante, a “desculpa” perfeita é dizer que todos os problemas relacionados com o conforto de uma viagem espacial já foram resolvidos. O problema é que os personagens, em uma série assim, tendem a usar sempre o mesmo vestuário para ocasiões tão diversas quanto serviços de rotina a bordo de uma espaçonave, ou então, quando são designados para uma exploração qualquer na superfície de um planeta.
Geralmente produtores de cinema e TV não se importam tanto com essas questões e muitas vezes acabam expondo ao ridículo certas idéias que, com um cuidado maior, poderiam ser bem melhor aproveitadas. No caso de Jornada nas Estrelas, porém, os uniformes “pijamas” já fazem parte do show, como já ouvi um colega meu comentar. Mas, em se tratando das séries “trek”, não dá para entender por que não se encontrou uma solução melhor para os uniformes usados pelos personagens. OK…numa série com ambientação futurista é natural que naves como a Enterprise sejam realmente confortáveis e os humanos já tenham uma facilidade maior para viver no espaço. Mas sempre aparece alguém (geralmente um “não trek”) com a pergunta quase inevitável: “mas cadê os bolsos???”. Claro que essa não é a única pergunta que fazem…
Antes de Jornada nas Estrelas surgir nos anos 60, a ficção científica do cinema e da TV, na hora de elaborar a concepção visual de suas criações e personagens, tinha como base somente as HQs e os seriados dos anos 30 e 40 com Buck Rogers e Flash Gordon. Nas histórias desses heróis era normal os personagens adotarem um estilo “idade média espacial”, que foi bastante influente em quase todas as space operas criadas até então. Esse padrão começou a ser quebrado com as séries modernas de sci-fi feitas por Irwin Allen e Gene Roddenberry, em que seus personagens podiam adotar um visual um pouco mais solto, mas ainda muito preso aos cortes no orçamento promovidos pelos estúdios, é claro.
Por outro lado, quando uma série sci-fi não é ambientada no espaço, existe a possibilidade de aproximar o visual de seus personagens com algo mais usual e próximo da realidade da maioria das pessoas. Foi o que aconteceu com “Arquivo X”. É engraçado lembrar que, nas duas primeiras temporadas da série, a atriz Gillian Anderson (intérprete de Dana Scully) parecia usar roupas fora de seu tamanho. O orçamento da série era tão modesto que o produtor Chris Carter se viu obrigado a não dar tanta atenção a certos aspectos. Mas, no final das contas, foi uma sorte grande pois o visual meio “desalinhado” de Mulder e Scully acabou se tornando uma das marcas registradas dos primórdios de “Arquivo X”.
Por incrível que pareça, apesar do enorme sucesso de “Arquivo X”, o estilo militar voltou com toda a força na FC televisiva. Esse retorno se deu principalmente com duas séries: “Babylon 5” e “Stargate SG1”. Cada uma a sua maneira, essas séries voltavam a centrar o foco de suas histórias em torno de personagens militares, com o devido acompanhamento visual. Mas há diferenças. “Babylon 5” adotou um estilo bem mais aproximado ao de Jornada em termos de uniformes militares, mas sem cometer os erros dessa última. Nessa série o velho estilo do “militarismo espacial” ganhou formas bem mais incisivas do que na criação de Roddenberry, refletindo muito mais precisamente a personalidade de seus personagens.
Mas é em “Stargate SG1” que se encontrou um equilíbrio melhor no visual preponderantemente militar. Vale lembrar que “Stargate SG1” não se passa no futuro. Assim, é óbvio que Jack O’Neil e seu pessoal adotem o padrão visual atual das forças armadas americanas. Até o momento, é a série de ficção científica que melhor aproveita essa característica pois há sempre o traje certo para a ocasião certa. Nada de pijamas “full time” (não riam…).
E não podemos esquecer “Firefly”, a série de curta duração criada por Joss Wheadon, onde o western serve como elemento para se criar um ambiente sci-fi totalmente incomum. Provavelmente nunca o western e a FC tiveram uma simbiose tão radical. E é claro que o visual dos personagens acompanha esse espírito paradoxalmente “retrô futurista”. Teremos a chance de conferir como esse mix vai funcionar na telona, com o lançamento de Serenity.
É verdade que os “pijamas” foram momentaneamente abandonados em Jornada com o advento de Enterprise mas, quer façam parte do show ou não, na opinião desse articulista o tempo deles já passou. Mas espero sinceramente que, se outra série trek for criada, as preocupações dos produtores não girem somente em torno das roupas dos personagens, como aconteceu em “Espaço 1999”.
Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB