Em entrevista ao site Star Trek.com, o ator Garrett Wang falou do seu trabalho na série Voyager, durante os sete anos de sua apresentação, comentando sobre o desenvolvimento de seu personagem, o alferes Harry Kim, da diversão que teve com o elenco, a frustração por não ter tido mais profundidade, além de críticas contundentes ao direcionamento dos produtores em relação aos sentimentos dos personagens.
Lembrando o tempo na série, Wang disse que gostou de trabalhar com seus co-atores e gostou do humor do grupo. “Quando eu olho para trás, para a experiência, o que mais se destaca são as vezes que nós atores compartilhamos no set quando a câmera não estava rolando”, disse Wang. “Eu sempre disse que se mantivessem as câmeras rolando entre as tomadas, e transmitissem as imagens como um reality show de meia hora, seria a maior audiência na televisão!”
“Cada ator principal de Voyager tinha um sentido único de comédia”, disse Wang, “era uma piada seca do Bob Picardo, pegadinha premeditada do Tim Russ, ou perguntas aleatórias de pesquisa da Kate Mulgrew, o conjunto da Voyager era definitivamente, às vezes, como estar em um clube de comédia. Na minha opinião, para ser engraçado, é preciso primeiro ser inteligente. Assim, creio que os meus colegas atores são algumas das pessoas mais inteligentes com quem eu já trabalhei.”
Wang falou sobre o desenvolvimento de Harry Kim, e sua frustração por nunca ter recebido a insígnia de promoção em sete anos. “Quando vimos pela primeira vez o Harry Kim, ele era um alferes, o oficial mais jovem, atribuído a duas funções: operações e comunicações. Minha história padrão sobre quem é Kim é mais ou menos assim: na série original a oficial de comunicações Uhura era tenente, mas não havia nenhum oficial de operações. Em A Nova Geração, Data serviu como oficial de operações, mas não havia nenhum oficial de comunicações. Portanto, Kim é o filho bastardo de Uhura (Nichelle Nichols) e Data (Brent Spiner). OK, de volta à história real. Ele é recém-saído da Frota Estelar, tendo se formado na Academia da Frota Estelar com honras. Jovem, ingênuo, cheio de novos conhecimentos e pronto para servir a Frota ao máximo de sua capacidade, Harry foi o plebeu de Voyager. Sendo novo na Frota Estelar, ele era instantaneamente o personagem mais relacionável para o público no início da série. Até o final da série encontramos um sábio e definitivamente mais esperto Harry Kim. Apesar de sua falta de promoção ao longo de sete anos, Kim acumulou o suficiente em experiência de trabalho por ter sido capaz de comandar sua própria nave.”
Ainda lamentando a falta de oportunidade para desenvolver mais o personagem acrescentou, “Eu não sinto como se meu personagem desse muitas voltas surpreendentes. Eu acho que uma virada surpreendente seria o fato de que Kim inadvertidamente admitiu a personalidade de Paris (Robert Duncan McNeill) de ser o Casanova da tripulação. Kim era diferente de Paris, ele estava sempre caindo de amores, mas tragicamente incapaz de sustentar um relacionamento, enquanto Paris iníciou romances com senhoras no estilo sem compromisso do Capitão Kirk. Outra vez estranho, na minha opinião, foi a não promoção de Kim. Quero dizer, vamos lá gente! Kim foi investigado, espancado, torturado e sendo o primeiro membro da tripulação da Voyager a morrer e voltar à vida. O que mais um cara tem que fazer para ser promovido a tenente? Para adicionar o insulto à injúria, outros membros da tripulação, como Tuvok (Russ) e Paris, estavam sendo promovidos, removidos e, em seguida, re-promovidos em todo o decorrer dos sete anos de Voyager.”, disse lamentoso.
“Eu não estou tentando ser negativo aqui, apenas dizendo como foi. Durante a quarta temporada, liguei para Brannon Braga e perguntei-lhe por que o meu personagem não tinha recebido uma promoção ainda. Sua resposta? – “Bem, alguém tem que ser o alferes” – Eh, obrigado. Obrigado por nada. Em algum ponto da série, eu mesmo me aproximei de Kate Mulgrew e frustradamente lhe perguntei por que eu não era promovido ainda. Em retrospectiva, essa ação de minha parte foi hilário porque Kate Mulgrew não teve influência na promoção do meu personagem mais do que uma pessoa aleatória na rua. Eu gostaria de aproveitar o momento de dizer que eu não tive influência sobre estes desenvolvimentos de Kim.”
Wang gostaria de ter dirigido um episódio de Voyager, mas acredita que sua franqueza condenou suas chances de fazê-lo. “Berman nos informou que ele esperava que todos os atores que representassem papéis humanos seguissem seu decreto”, disse Wang. “Ele nos disse que estávamos subestimando nossos personagens humanos. Ele queria que a nossa linha de atuação fosse como militar – e, posteriormente, desprovida de emoção – tanto quanto possível, uma vez que, em sua opinião, era a única maneira de fazer os alienígenas parecem reais.”
“Meu primeiro pensamento foi: – Isso não está certo! O que o Berman está falando? Ele está quebrando nossas pernas? Os personagens humanos não devem ser forçados para abafar suas emoções. Nós éramos humanos, não andróides! -Mas, sendo o novato em Hollywood, eu não fazia qualquer objeção … ainda. Durante todo o primeiro ano de filmagens, os atores foram obrigados a refilmar algumas cenas por causa da emoção excessiva. Eu, pessoalmente, tive que refilmar apenas algumas cenas, desde que eu aprendi minha lição cedo que enfrentar o escritor e produtores seria uma decisão imprudente. Kate Mulgrew detinha o recorde de mais refilmagens. É um fato pouco conhecido que durante a primeira temporada, Janeway (Mulgrew) tinha olhos lacrimosos em mais de uma ocasião, mas acabou vetado pelos produtores e coberto com uma refilmagem. Se você pode permitir que o Capitão Picard chore por 10 minutos sobre a morte de seus parentes na abertura do filme Generations, então como você não pode permitir que a capitã Janeway tenha a chance de mostrar alguma emoção genuína?…”
“A única razão possível para Berman ter feito isso foi porque havia várias ameaças de morte e de bombas que foram enviadas para os escritórios de produção de Voyager nos estúdios da Paramount sobre a decisão de ter uma mulher no comando de uma nave estelar. Talvez ele estivesse com medo da reação de uma América dominada pelos homens e Janeway foi moldada em um capitão resistente, desprovido de emoções humanas. Não só não havia nenhuma lágrima para os personagens humanos, como não havia risos, também. Somente o médico holográfico (Picardo) e o alienígena Neelix (Ethan Phillips) foram autorizados a serem engraçados. Se bem me lembro, alguns dos momentos mais cativantes e memoráveis da série original foam as brincadeiras entre Kirk (William Shatner), Magro (DeForest Kelley) e Spock (Leonard Nimoy). Como eu disse em minha resposta a uma pergunta anterior, todos os atores eram adeptos da comédia. Foi um desperdício de talento não permitir que os personagens humanos agissem como humanos. Esta oportunidade perdida foi indiretamente relacionada a outra trágica oportunidade perdida.”
“Anos após a reunião inicial de almoço, eu fiz um comentário em off e registrado por um repórter do TV Guide sobre como eu estava chateado pelo mandato mais ridículo de Berman de menos emoção para os personagens humanos. Meu texto para ele no momento foi: ‘Eu acho que os produtores de Voyager não assumem os riscos de fazer o show tão bom quanto poderia ser -. Mesmo que eu não fosse realmente específico sobre qual era o problema, o comentário a impressa só selou a morte das minhas ambições para dirigir um episódio de Jornada”, criticou o ator.
Wang tem sentimentos mistos sobre o final de Voyager. “Acho que a primeira hora do final foi fantástico, muito emocionante, bem escrito, bom ritmo”, disse ele. “Tudo foi maravilhoso na primeira hora, mas depois da segunda hora apenas pareceu que amarrou todas as pontas soltas muito rapidamente. Assim, a segunda metade para o final eu não fiquei feliz, e particularmente não gostei do fato de que terminou a série em órbita da Terra. Nós nem sequer pisamos na Terra. Após sete anos, eu acho que os fãs queriam ver-nos realmente pisar em terra firme.”
Quanto ao companheiros de série, Wang disse que, após o encerramento, ele ainda mantem contato com alguns do grupo, “Fico feliz em dizer que ainda mantenho contato com todos os homens de Voyager. Estivemos reunidos para jantar no mesmo restaurante cada três a seis meses desde que Voyager parou de filmar. É ótimo, porque nós relembramos os velhos tempos e pegamos notícias atuais. Muitas risadas no jantar. As senhoras da Voyager, por outro lado, não tanto. É geralmente em uma aparição em convenção aleatória que eu encontro com Kate (Mulgrew), Jeri (Ryan) ou Jennifer. Infelizmente, eu só tive correspondência por email com Roxann (Dawson). Além disso, eu costumava encontrar uns rapazes da tripulação para o golfe, mas isso foi deixado de lado agora.”
O ator raramente atua hoje em dia, frustrado com o sistema de Hollywood e pela falta de oportunidade. “Eu realmente parei de fazer testes para papéis em 2005. Essa foi a última vez que eu realmente entrei oficialmente em um teste (para Acts of Violence e Rock Jocks). Eu não tive um agente ou gerente, desde então, e isso é por vontade própria. Eu dei uma pausa em Hollywood e sai da cidade, literalmente. Eu estou vivendo em Las Vegas agora, desde 2008. Parei de atuar principalmente porque eu estou cansado da indústria (de entretenimento)”, disse ele. “Você pensaria que depois de ficar sete anos como ator regular, certas portas estariam abertas para você. Mas, uma vez que você faz o seu show, está muito bem de volta em uma praça, fazendo testes, mais uma vez. Testes foram realmente poucos e distantes entre si principalmente por causa do ataque violento da realidade na programação de TV”, disse o ator que chegou a participar de uma produção independente baseada em Jornada, Star Trek: Of Gods and Men, dirigida por Tim Russ.
Atualmente, Wang é sócio de uma empresa de camisetas chamada Cosmic City Tees. Quando não está jogando golfe, os fãs podem vê-lo em várias convenções, porém, ele está fortemente envolvido na TrekExpo, FedCon e DragonCon, como anfitrião, apresentador e empresário. “Eu amo essas convenções”, revelou Wang. “Eu adoro ir a esses eventos, porque eu já sou um fã de sci-fi, e também porque eu tenho a chance de dar aos fãs por aí, que não me conhecem na vida real, um gostinho de quem eu sou, quem eu sou como Garrett Wang, ao contrário de Harry Kim. A principal diferença é que Garrett Wang é showman, um anfitrião, um moderador, um comediante, tudo em um quando ele está no palco, e o alferes Kim é muito certinho. Então é ótimo que as pessoas possam ver mais de quem eu sou.”