King transformou esse estranho caso em um drama com tintas psicológicas só que, ao contrário de “Carrie”, um de seus maiores sucessos, King deixou de lado o universo atormentado de uma adolescente problemática e optou pela vida bucólica de um professor trintão, Johnny Smith, de uma cidadezinha do Maine (estado natal de King) que, por obra do destino, acaba sofrendo um acidente de carro que o deixa em estado de coma por alguns anos. Quando volta a si, descobre que possui poderes paranormais que lhe permitem ter visões sobre fatos pretéritos e futuros apenas tocando objetos ou pessoas. Essa habilidade, é claro, mudará completamente sua vida e terá conseqüências apocaliticas.
O livro de King virou filme em 1983, dirigido por David Cronnenberg, com relativo sucesso e tendo Christopher Walken no papel de Johnny Smith. Apesar do filme de Cronnenberg ser fiel ao livro de King, o resultado desagradou alguns críticos, acusando Cronnenberg de ser um tanto burocrático demais e tentando se tornar mais “acessível” ao público.
Faltava esta história ser aproveitada pela telinha. O produtor e roteirista Michael Piller, muito conhecido por seu trabalho na série Deep Space Nine, rsolveu transformar “Dead Zone” em série de TV.
Piller, falecido no final do ano passado, parece ter percebido que, na realidade, “Dead Zone” é uma ode ao homem comum que, vítima das circunstâncias, vê sua vida simples e certinha mudar drasticamente após descobrir que possui um dom que jamais manifestou o menor interesse em possuir. Para Johnny Smith o mais importante seria ter essa vida simples de volta…mas ele sabe que isso é impossível, principalmente depois de suas visões revelarem os terríveis desdobramentos que a ascensão de um político demagogo ao poder vai provocar.
O piloto da série foi produzido em associação com a UPN, mas a emissora jamais o levou ao ar. Isso foi no final de 2001. Quando a UPN desistiu de produzir a série, o USA Channel passou a se interessar pelo projeto. Para viver Johnny Smith, Piller decidiu chamar Anthony Michael Hall, que havia visto atuar no filme “Pirates of Silicon Valley”. Hall, obviamente, é um ator com recursos dramáticos muito diferentes de Christopher Walken, mas certamente era isso que Piller queria. Para os que acompanham o trabalho de Piller desde a época de Deep Space Nine, a presença de Nicole DeBoer no elenco de “Dead Zone” é um fato marcante para estabelecer uma ponte entre o público para o qual era direcionado esse novo projeto e os fãs do trabalho anterior de Piller em Deep Space Nine. Como sabemos, Nicole DeBoer foi a Erin Dax em DS9.
“Dead Zone” segue uma tendência que vem se firmando desde “Arquivo X” e, mais recentemente, ganhou força com “The 4400”, ou seja, séries com temática sci fi com ambientação de séries dramáticas com as quais o público em geral está mais habituado. Mas, no caso específico de “Dead Zone”, há algumas diferenças sutis.
Creio que muitos aqui acham que o tema mostrado em “Dead Zone” tem pouco a ver com ficção científica simplesmente porque a série não mostra uma explicação razoavelmente plausível para a paranomalidade de Johnny. No episódio piloto da série, assim que volta a consciência, Johnny tem a visão de um incêndio onde uma das vítimas era o filho de uma das enfermeiras do hospital onde estava internado. Com o salvamento da criança o médico que cuida de Johnny tenta uma explicação apressada sobre suas visões. É nessa explicação que aparece o termo “zona morta” que, realmente, a série não aprofundou muito. Mas é injusto dizer que “Dead Zone” nada tem a ver com FC, mesmo porque, o enfoque da série não é o misticismo.
Para deixar claro que não queria uma série mística, Piller introduziu o personagem reverendo Gene Purdy (David Ogden Stiers), que mostra as relações dúbias que a religião e os interesses financeiros acabam tendo atualmente. Purdy dirige a fundação criada por Vera Smith, mãe de Johnny. Essa tática de Piller para evitar polêmicas religiosas na verdade não é casual. Piller foi hábil o suficiente para fazer “Dead Zone” driblando as “armadilhas dramáticas” que ela revelava pois é fácil perceber que a série toca, mesmo que sutilmente, nas atuais “guerras culturais” americanas, que além do mercantilismo religioso representado por Purdy, passam também pelas relações racialmente corretas ( a amizade entre Johnny e Bruce Lewis, seu fisioterapeuta, um afro-americano), a vida catita das pequenas cidades do interior americano, repentinamente quebrada por eventos incomuns ( a paranormalidade de Johnny) ou relações familiares conflituosas (Sarah (Nicole DeBoer)), ex-noiva de Johnny, agora casada com o policial Walt Bennerman (Chris Bruno), tem um filho cujo pai verdadeiro é Johnny) e assim vai.
Outro personagem importante nessa teia dramática é o perigoso Greg Stilson, um político cuja carreira está a todo vapor, e somente Johnny sabe o que o sucesso de Stilson pode trazer para o futuro do mundo. Stilson também aparece no filme de Cronnenberg e foi vivido por Martin Sheen. Na série Sean Patrick Flanery se encarrega de dar vida a esse personagem sinistro, que se tornou o principal motivo para Johnny refletir mais sobre sua paranormalidade e seu desejo natural de retomar a vida que tinha antes do acidente que sofreu e as conseqüências que a eventual perda de seus poderes poderiam ter.
A quinta temporada de “Dead Zone” só estréia em junho nos EUA. Com a morte de Piller a série será continuada por seu filho que também cuida da produtora que tinha com o pai, a “Piller²”. Só então veremos que rumos a história de Johnny Smith irá tomar. A série ainda promete muito apesar de contar uma história com um desfecho já conhecido. Por isso mesmo qualquer coisa pode acontecer já que a série pode não querer ser tão fiel assim a obra de Stephen King que, até onde eu sei, nunca deu sua opinião a respeito da série. Se levarmos em conta as adaptações que algumas histórias de King andam tendo no cinema e na TV, acho que ele anda mais interessado mesmo é em HQs, pois atualmente ele é colaborador da Marvel. Uma de suas séries literárias, “Torre Negra”, com roteiros do próprio King e desenhos de Jae Lee. Quem sabe King não se anima e leva Dead Zone também para os quadrinhos.
Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB