Coluna do Alf: “Um Bond no Tempo das Diligências”

Nos anos 60, duas ondas passaram a tomar conta do mundo: a beatlemania e os filmes de James Bond para o cinema. Naquela época, com a Guerra Fria entre os EUA e a URSS a todo vapor, a cultura pop ocidental procurava passar sua visão sobre esse conflito. E, nesse caso específico, os ingleses passaram a perna nos americanos, oferecendo ao distinto público um herói que juntava o fascínio pelas novas tecnologias e o vigor e a disposição necessárias para defender os valores do ocidente frente ao perigo vermelho representado pelos soviéticos. Assim nasceu James Bond, criado originalmente pelo escritor Ian Fleming, e que foi acrescido, na sua versão para o cinema, com um belo aparato high tech e um estilo de vida glamoroso que contrastava violentamente com a vida levada pela maioria dos agentes secretos da vida real.

É claro que os americanos não iriam aceitar ficar para trás nessa história. Foi exatamente com a idéia na cabeça de dar uma resposta americana a onda da bondmania que o produtor Michael Garrison pensou em criar para a TV uma nova série que misturasse histórias de espionagem com o ambiente do western, mas que também procurasse mostrar um certo apego pelo avanço tecnológico do século XIX, como uma espécie de contraponto histórico aos filmes de James Bond, cujo fetichismo tecnológico parecia querer enterrar o passado. Foi assim que nasceu “Wild Wild West”, que no Brasil chamou-se simplesmente “James West”, onde era mostradas as aventuras de Jim West e seu parceiro Artemus Gordon, agentes do serviço secreto americano durante a presidência de Ulysses Grant, sempre as voltas com vilões um tanto atípicos para o velho oeste, que se valiam muito mais da parafernália tecnológica que usavam do que um colt na mão para tentar cumprir seus objetivos obscuros.

Bem…a essa altura vocês já devem estar se perguntando que diabos uma série western aparentemente estranha está fazendo numa coluna como essa, que discute ficção científica na TV? As pistas já foram dadas…James West não foi apenas uma resposta made in USA ao sucesso de James Bond, mas também um representante genuíno daquilo que ficaria posteriormente conhecido como “steampunk”, aquele movimento da FC que, ao contrário do cyberpunk, procura incorporar em suas histórias a tecnologia do passado, em certos casos tendo até uma visão heterodoxa dessa tecnologia. Claro que os romances de Julio Verne e H.G. Wells podem ser considerados a principal inspiração “steampunk”, mas é das histórias do gênero western e dos antigos romances de capa e espada que surgem as idéias para séries como “James West”.

Outro ponto importante é que “James West” é uma série contemporânea de Jornada nas Estrelas que, de certa maneira, também teve certa influência do western, pois a idéia da “fronteira final” do velho oeste também estava presente na concepção de Gene Roddenberry, que teve a idéia de Jornada nas Estrelas vendo, entre outras coisas, séries western como “Caravana”. Esse desejo de desbravar uma nova fronteira, procurando construir e defender um novo modo de vida, sempre foi algo muito forte no imaginário americano, que séries como “James West” e Jornada nas Estrelas refletiam cada uma a sua maneira.

“James West” estreou na TV americana em 17 de setembro de 1965, pela rede CBS . Durante os preparativos para sua produção a emissora tentou convencer Garrison a chamar Paul Newman para o papel principal. Mas o ator escolhido foi Robert Conrad, então pouco conhecido. A CBS não queria Conrad por causa de sua baixa estatura (!!!) mas, após testar outros atores, a CBS concordou com Garrison que Conrad era o mais adequado para encarnar James West. Já o papel do parceiro de West, Artemus Gordon, ficou a cargo de Ross Martin.

Para deixar claro ao público que James West não era um herói convencional do velho oeste, a produção da série tratou de dar ao personagem toda uma parafernália que o tornaria conhecido como o “James Bond a cavalo”. Assim como Bond tinha um sofisticado Aston Martin, West usava um trem como sua base de operações e lar ao mesmo tempo. O trem era composto pela locomotiva e quatro vagões: estábulo, cozinha, sala de armas e laboratório. As armas estavam espalhadas em lugares estratégicos por todo o trem e eram as mais sofisticadas de seu tempo. West também não abria mão de usar armas mais tradicionais, mas procurava usa-las de uma maneira pouco usual. Para completar o parceiro de West, Artemus Gordon, era um especialista em disfarces.

Uma galeria bizarra de vilões povoava a série em vários de seus episódios. Mas um desses vilões se destacou em especial: o Dr. Miguelitto Loveless, interpretado pelo ator anão Michael Dunn. Loveless se tornou o principal inimigo de West e um dos elementos da série que a aproximavam da FC. Loveless era um cientista que pretendia destruir o mundo e as pessoas de estatura normal, que ele tanto odiava…e o único obstáculo que encontrava para atingir seu objetivo era justamente James West. Para se livrar de West o excêntrico Lovless se valia de todo tipo de invento esquisito que seu gênio científico fosse capaz de criar.

Apesar de seu estilo atípico, “James West” fez sucesso e ajudou a dar sobrevida ao gênero western, que já dava sinais de cansaço, além de incorporar a linguagem da FC nesse tipo de seriado. Mas, ao longo de sua produção, a série invariavelmente teve seus problemas. Como era uma série que exigia muito dos dublês, acidentes durante as filmagens não eram raros. O próprio Robert Conrad, que preferia fazer suas próprias cenas de ação, acabou mudando de idéia depois de sofrer um acidente grave ao cair de cabeça no chão de concreto que, na ocasião, estava pintado para parecer madeira. O ator passou uma semana no hospital.

Em 17 de agosto de 1966, Michael Garrison morreu ao sofrer uma queda em sua casa. Com a morte de seu criador, “James West” corria o risco de ser cancelado pela CBS. Na verdade o relacionamento de Garrison com a emissora nunca tinha sido bom, com a CBS tentando constantemente se livrar de Garrison e substituí-lo por outros produtores. Durante suas desavenças com a CBS, Garrison chegou a contratar Gene Coon para produzir a série. Mas Coon ficou pouco tempo pois, pouco depois, acabou indo trabalhar em Jornada nas Estrelas. Garrison então chamou Bruce Lamsbury, que ficou até a série ser cancelada.

Outro fato que ameaçou prejudicar a série foi o enfarte que Ross Martin sofreu em agosto de 1968. Martin acabou sendo temporariamente afastado do elenco da série para se recuperar. Em seu lugar foi chamado o ator Charles Aidman, interpretando o agente Jeremy Pike, que atuaria com West em suas missões por quatro episódios até a volta de Artemus/ Martin, em dezembro daquele mesmo ano.

Mas o pior mesmo estava por vir quando uma onda anti-violência tomou conta do Congresso americano, forçando as emissoras de TV a evitarem cenas consideradas mais fortes ou que supostamente fizessem apologia do uso de armas. Essa onda pseudo moralista durou pouco, mas foi o suficiente para atrapalhar o desenvolvimento dos roteiros da série, já bastante difícieis por causa da mistura de elementos de espionagem, western e FC, o que exigia muito dos escritores. Isso sem falar que os acidentes durante as cenas perigosas continuavam a contecer, a ponto de se manter uma ambulância no set de filmagens para qualquer emergência.

Com todos esses problemas e mais a constante pressão que a CBS sofria do Congresso americano para conter a “violência “ em suas séries, “James West” foi cancelada no começo de 1969, com 104 episódios produzidos.

Nos anos 90, foi feita uma tentativa de reviver o espírito de James West com a série “As Aventuras de Brisco Conty”. A idéia era basicamente a mesma, um personagem do velho oeste que vive aventuras onde testemunha o progresso científico e tecnológico de sua época. Mas a série, estrelada por Willam Campbel, não conseguiu ter uma boa audiência e foi rapidamente cancelada.

“James West” também chegou ao cinema no final dos anos 90 pelas mãos de Barry Sonnefeld, o mesmo de Homens de Preto”. Mas o filme , estrelado por Will Smith, foi um fracasso de crítica e público…e merecidamente.

James West mostra a importância enorme que o western teve na formação da FC moderna, influenciando-a até hoje. Como a série está sendo lançada em DVD nos EUA, está criada a oportunidade para que as novas gerações saibam que as séries atuais de FC podem muito bem ir além da aventura espacial, experimentando até mesmo outros formatos que interagem com suas principais características e mostrando que,na realidade, o futuro e o passado são duas faces da mesma moeda da grande aventura humana.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB