Histórias sobre monstros marinhos, como sabemos, existem desde os tempos em que os homens começaram a se aventurar pelos mares. Mas, para a ficção científica moderna, “monstros marinhos” quase sempre ficavam restritos aos filmes B do gênero. Salvo exceções como “20.000 Léguas Submarinas”, de Julio Verne, é difícil abordar esse tema sem cair no ridículo.
Porém os irmãos gêmeos Josh e Jonas Pate, produtores de TV, resolveram arriscar e criaram “Surface”, uma ficção científica marinha como não se via desde o cancelamento de “Seaquest”. Mas a dupla de produtores não parecia disposta a seguir certas regras da FC marinha, um gênero por si só já muito difícil e pouco explorado pelo cinema e a TV.
“Surface” estreou na TV americana pela NBC em setembro de 2005. Logo de imediato se percebeu que a série não era bem o que se esperava de uma FC marinha típica. Acontece que, em Surface, não vemos cientistas enfurnados em submarinos ou sub-labs high tech como é de praxe no gênero. A ambientação da série estava mais para “algo mais normal” e com um elenco meio atípico, que denuncia a intenção dos Pate Brothers de captar a audiência mais jovem. Se, por um lado, isso poderia ser um trunfo, foram justamente essas características que fizeram “Surface” durar apenas uma temporada de 15 episódios.
A história que Surface conta é uma espécie de modernização das velhas histórias de monstros marinhos. Tudo tem início quando a jovem cientista marinha Laura Daugherty (Lake Bell), durante suas pesquisas a bordo de um mini submarino, é atacada por uma criatura desconhecida. A partir daí, Daugherty parte para sua luta para provar a existência da criatura que viu naquele mergulho. Nessa sua busca pela verdade ela encontra Rich Connely, um pescador da Louisiana atormentado pelo desaparecimento do irmão no mar em circunstâncias suspeitas. A busca de Daugherty e Connely vai acabar levando-os a uma trama que mostra que o aparecimento dos monstros marinhos não é mera coincidência.
Mas, paralela à busca de Daugherty e Connely, a série também mostra o encontro inusitado entre Miles Barnnet (Carter Jenkins), um adolescente como tantos outros, e um filhote de uma das estranhas criaturas marinhas. É justamente essa “divisão” da trama de Surface que se encontra sua principal mola mestra… e também seus maiores problemas.
Como comentei acima, “Surface” tinha a intenção de ser uma FC marinha que fugiria dos princípios básicos desse gênero. Por isso os Pate Brothers resolveram dar uma construção diferente para seus personagens. A cientista Laura Daugherty é divorciada e tem um filho pequeno. Apesar de sua disposição para colocar em pratos limpos o caso dos monstros marinhos, Laura não é uma super heroína ou uma “Fox Mulder de saias”. Seu companheiro de luta, Rich Connely, vê seu casamento desmoronar por causa de sua obsessão em esclarecer o desaparecimento de seu irmão e sua decisão de se aliar a Daugherty em sua busca.
Mas o principal ponto de polêmica de “Surface” foi aquilo que eu chamo de “bloco da garotada”. Quando o garoto Miles encontra um filhote de monstro marinho que batiza de Nim, fica claro que os Pate Brothers queriam dar à “Surface”uma ambientação mais próxima possível das séries que o público jovem americano estava habituado a ver nos últimos anos . As peripécias de Miles e a estranha criatura marinha que ele “adotou” acabaram dando à “Surface” um toque juvenil que dividiram as opiniões sobre a série. Para alguns, isso foi “spielberginizar” a história, que acabou sendo apelidada jocosamente por alguns críticos de “ET marinho”. Essa impressão foi reforçada a medida em que a trama de Miles foi crescendo e tendo as conseqüências que vimos no último episódio da série. Justiça seja feita, a série até que conseguiu um equilíbrio razoável nessa “divisão” da história dando-lhe um sentido e um objetivo claros, apesar de não ter evitado alguns clichês.
Seja como for, muitos críticos não perdoaram e acusaram os Pate Brothers de transformarem “Surface” em um típico “family show”, prejudicando muito o potencial da série para se tornar uma sci-fi marinha empolgante.
Infelizmente, ainda não foi dessa vez que a FC marinha encontrou um lugar mais digno na telinha. Mas “Surface” tinha suas qualidades. E seu último episódio deixava claro que a série poderia crescer muito desde que deixasse um pouco de lado o aspecto “spielbergiano” e aproveitasse melhor a força que seus personagens demonstravam ter. Mas pelo menos o cancelamento de “Surface” serviu para uma boa causa: abortou o projeto da série do Aquaman, que também parecia sofrer da síndrome do “bloco da garotada”, ou seja, tudo indica que a série seria uma bomba, sem nenhuma das virtudes que “Surface” demonstrou ter.
Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB