Em busca da outra Fronteira Final
Parece que setembro de 1966 se tornou uma data mágica para a ficção científica televisiva. Por alguma razão misteriosa, os deuses da FC se reuniram e decidiram que os dias 8 e 9 de setembro de 1966 marcariam para sempre a história do gênero na telinha. Depois da estréia de Jornada nas Estrelas no dia 8, logo no dia seguinte entrava no ar, pela rede ABC, a série “O Túnel do Tempo” (The Time Tunnel), criada pelo produtor Irwin Allen, que já tinha dois grandes hits televisivos no ar: “Viagem ao Fundo do Mar” e “Perdidos no Espaço”.
Foi uma grata e feliz coincidência (ou uma conspiração dos deuses da sci-fi, como eu disse!!!) pois, se Jornada nas Estrelas de Gene Roddenberry indicava o espaço como a “fronteira final”, por outro lado “O Túnel do Tempo” mostrava que havia outra fronteira a ser explorada: o tempo.
Viajar pelo tempo é um sonho antigo da FC que, junto com as distopias e utopias sobre o futuro e a vida extraterrestre inteligente, formam a “trilogia” básica do gênero. Mas em “O Túnel do Tempo”, Allen resolveu apostar em um toque diferente sobre o tema. A série era baseada em um livro homônimo do escritor de FC Murray Leinster, um dos mais prolíficos do gênero. Esse livro de Leinster chegou a ter uma edição em português pela coleção lusitana Argonauta, especializada em FC, e que talvez ainda seja encontrável nos sebos por aí.
Allen manteve a estrutura básica do livro, mostrando dois cientistas do projeto secreto americano Tic Tac, que criaram e desenvolveram o Túnel do Tempo e vivem aventuras viajando pelas mais diversas épocas. Na série, o complexo científico do Túnel do Tempo se encontra oculto em algum lugar do deserto do Arizona. No episódio de estréia,”Rendezvous With Yesterday”, o projeto Tic Tac está sendo ameaçado de ter suas atividades suspensas por um senador americano que duvida do sucesso do projeto. Os dois jovens cientistas, Tony Newman (James Darren) e Douglas Phillips (Robert Colbert), tentam convencer o senador da eficácia e a viabilidade das viagens no tempo. Diante da postura intransigente do senador, Tony decide testar ele mesmo o Túnel do Tempo, para provar sua eficiência e acaba sendo transportado para bordo do navio Titanic, que afundou no começo do século XX. Quando o pessoal do Túnel descobre o que houve, Doug Phillips decide ir atrás do amigo. Uma vez juntos, Tony e Doug tentam fazer alguma coisa para evitar a tragédia do Titanic, mas sabem que é impossível reverter o passado. A partir daí começam suas aventuras pelo tempo, que se seguiriam por mais 30 episódios. Nessa saga, Tony e Doug sempre contavam com a ajuda dos outros membros chave do projeto Tic Tac, o general Heywood Kirk (Whit Bissel), o doutor Raymond Swain (John Zaremba) e a doutora Ann MacGregor (Lee Meriwether), que acompanhavam os feitos de Tony e Doug pelo tempo no laboratório do Túnel.
Esses personagens secundários também estão presentes no livro de Leinster, mas na série ganharam uma conotação maior, em especial a doutora Ann MacGregor, que chegou até mesmo a encontrar com os dois viajantes do tempo… mas em outro planeta, no episódio “The Kidnappers”. Ann era a personagem mais “emocional” da série e a que deixava claro para o público o empenho da equipe do Túnel em tentar trazer Tony e Doug de volta para sua época, em 1968.
O primeiro episódio do “Túnel do Tempo” custou meio milhão de dólares, uma quantia absurda para a TV dos anos 60. As imagens mostrando o acidente do Titanic foram retiradas dos arquivos da Fox que, aliás, foram amplamente usados na série. Irwin Allen se encarregou de dirigir o episódio a partir de um roteiro seu. Muitos anos depois alguns de seus colaboradores mais próximos disseram em entrevistas que Allen vivia perambulando pelo set de filmagens quase sempre de cara amarrada. Um desses colaboradores chegou a dizer que Allen, após o término das filmagens, lhe disse, emburrado, que nunca mais faria filmes com atores na sua vida!
Até hoje não se sabe o que irritou tanto Allen, mas o episódio de estréia de “O Túnel do Tempo” foi bem na audiência e ganhou um Emmy por efeitos especiais. O que também chamava a atenção era a boa cenografia da série na hora de criar cenários sobre diversas épocas, e o visual do próprio Túnel do Tempo e seu complexo científico.
Todo esse cuidado com uma produção esmerada tornou “O Túnel do Tempo” a série mais cara da TV de sua época.
A série também tinha uma visão um pouco diferente sobre viagens no tempo. Se parecia inverossímil Tony e Doug sempre caírem em uma zona do tempo onde algum acontecimento histórico importante estava acontecendo, também é verdade que a série mostrou boas histórias sobre viagens temporais. Em pelo menos três delas, por exemplo, a série explora a idéia que a Terra já teria sido invadida por alienígenas, fazendo valer as teorias do escritor Erik Von Daniken (“Eram os Deuses Astronautas?”). Mas o episódio favorito deste humilde escriba é “Chase Throught Time” (Perseguição Pelo Tempo), que mostra Tony e Doug tentando capturar o sabotador Nimon (Robert Duvall), que havia instalado uma bomba no laboratório do Túnel do Tempo e virou um fugitivo do tempo. Tony e Doug vão encontrá-lo um milhão de anos futuro, onde a Terra agora é dominada por uma civilização high-tech organizada como uma grande “colméia”, onde os humanos vivem como abelhas.
Este episódio, escrito por Carey Wilber, é uma boa aula de FC sobre viagens no tempo e certamente uma das melhores nessa linha já mostradas na telinha.
“O Túnel do Tempo” acabou cancelado justamente por seus altos custos, que Allen não conseguiu persuadir a Fox e a NBC a continuarem bancando, apesar da boa audiência que a série tinha. Alguns anos atrás, correu um boato que a série ganharia um remake da própria Fox, com algumas modificações como Tony Newman, dessa vez, ser uma mulher, a exemplo do que aconteceu com Starbuck no remake de “Battlestar Galactica”. Mas o projeto nunca saiu do papel.
Além do fato de terem estreado praticamente no mesmo mês, ano e QUASE no mesmo dia ,”O Túnel do Tempo” e Jornada nas Estrelas têm no ator James Darren um elo em comum. Darren interpretou o cantor holográfico Vic Fontaine em Deep Space Nine. Além disso, com Jornada e “O Túnel do Tempo”,a FC televisiva dos anos 60 explorava as duas fronteiras finais de uma maneira totalmente inédita até então.
Que 1968, que nada. O ano que realmente “nunca terminou” foi 1966!
Obs.: Na minha coluna anterior, sobre o filme “Gênesis II” de Gene Roddenberry, faltou mencionar que, na verdade, esse filme teve duas versões: a que eu comentei e outra estrelada por John Saxon!
Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB