Coluna do Alf: “Das telinhas para as Estrelas”

Das telinhas para as Estrelas

Quando, no mês passado, se comemorou os quarenta anos da estréia de Jornada nas Estrelas na TV americana, provavelmente muitos fãs da série e de ficção científica em geral se perguntaram se a “fórmula” inaugurada por Jornada não estaria desgastada. Esses fãs, é claro, estavam levando em conta o desempenho frustrante de Enterprise, a única série “trek”, após a produção da série clássica, que não conseguiu completar sete temporadas no ar na telinha.

Essa discussão começou ainda no início de Enterprise, quando muitos fãs já percebiam que a série tinha poucas chances de decolar e apontaram várias razões para isso. Uma dessas razões seria o desgaste da visão que a cultura “trek” tinha das viagens espaciais, excessivamente otimista para os padrões da FC atual. Para esses fãs a idéia idílica de Gene Roddenberry de uma humanidade unificada viajando pelas estrelas tinha sofrido sérios abalos ao longo dos últimos vinte anos, com o desinteresse cada vez maior do público sobre os programas espaciais em atividade nos EUA e no mundo, que têm pouco ou nada a ver com turismo em Marte ou estações espaciais habitadas por gente comum, como era freqüentemente mostrado na FC dos anos 50/60.

Essa discussão, no que diz respeito sobre a FC produzida para a telinha, é um pouco mais complicada pois a FC espacial gerou, mais recentemente, um novo fenômeno de popularidade, a série “Stargate SG1”, que já tem dez temporadas, é a série de ficção científica mais longa já produzida na TV e já tem uma spin off bem sucedida, “Stargate Atlantis” . Vale lembrar que “Stargate SG1” surgiu no auge do sucesso de “Arquivo X”, uma série que colocou em xeque a FC espacial já que a criação de Chris Carter trazia, nas suas características principais, a idéia de “eles estão entre nós”. A idéia não era nova, é claro. Ela já havia sido mostrada antes em séries como “UFO” e “Os Invasores”. Mas a diferença é que em “Arquivo X” essa idéia veio com tanta força que parece ter colocado contra a parede o velho e bom lema de Jornada… ”audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”. Esse velho lema “trek” parecia cada vez mais fora de sintonia com um público que cresceu vendo a corrida espacial se tornar cada vez mais aborrecida a medida em que a Guerra Fria foi rumando para seu lance final. Mas, se é assim, como explicar o sucesso de “Stargate SG1”? A série oferecia uma visão diferente da FC espacial mais tradicional? Nem tanto… na sua essência, “Stargate SG1” tem uma visão quase tão utópica sobre as viagens espaciais quanto Jornada, no sentido tecnológico, pelo menos.

Talvez a resposta esteja no remake de “Battlestar Galáctica”, o mais recente sucesso do SCI FI Channel, já rumando para sua terceira temporada. Nessa nova versão da famosa série dos anos 70, o produtor Ronald D. Moore resolveu jogar sombras sobre o velho sonho da humanidade de viajar pelas estrelas.

Em “Battlestar Galactica” os humanos vão para o espaço não motivados pelo desejo de abrir novas fronteiras e encontrar novas civilizações, mas para fugir de um inimigo criado por eles mesmos. Essa visão nada lisonjeira da viagem espacial fez de “Battlestar Galáctica” uma série com um diferencial já que, ao invés do “audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve” de Jornada ou a idéia de “eles estão entre nós”de “Arquivo X”, o que a nova versão de “Battlestar Galáctica” parece querer dizer é: “Dane-se… mesmo entre as estrelas, seremos sempre os mesmos”. Foi um soco no estômago na visão normalmente otimista que a FC espacial “treker” faz de uma humanidade que encontrou nas viagens interestelares uma maneira de melhorar sua visão das coisas e de si mesma. Mesmo levando em consideração que os humanos vistos em “Battlestar Galactica” não são terrestres, a série mostra que, a despeito de diferenças culturais e históricas que possam existir, a natureza humana é a mesma, seja em que parte do universo for. Curiosamente, o clima sombrio de “Battlestar Galáctica” a aproxima de “Arquivo X”, já que está última também em muitos momentos não via com bons olhos os rumos que os humanos tomavam mas com a diferença que, em “Arquvio X”, o inimigo era basicamente o governo americano e suas maquinações.

Mas “Battlestar Galáctica” sofreu influência de duas outras séries dos anos noventa, “Babylon 5” e “Comando Espacial” que, apesar do sucesso apenas relativo, já mostravam, cada uma a sua maneira, certo desencanto com a capacidade de mudar o ser humano que as viagens espaciais poderiam ter no futuro

Nos próximos anos é provável que a FC espacial produzida pela telinha encontre um ponto de equilíbrio entre a visão “trekker” e o tom sombrio e amargo de “Battlestar Galáctica”, passando pela fórmula um tanto mais “solta e desencucada” de “Stargate SG1”. Quem ganha com isso é o público, que pode ter a sua disposição uma safra mais ousada de séries de FC espacial que compense a frustração deixada pelo desfecho melancólico de Enterprise. Brincando com o título de um romance do escritor de FC Paul Anderson, “não se preocupem… essas estrelas AINDA serão nossas”.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB