Para Bob Justman, Abrams tem de ser audacioso

O TrekMovie Report publicou uma longa entrevista com o veterano produtor Bob Justman, considerado um dos pais de Jornada nas Estrelas, na qual o ex-colega de Roddenberry na Série Clássica fez comentários sobre seu trabalho na franquia, o processo de remasterização dos episódios originais e o próximo filme sob o comando de J.J. Abrams.

Justman já trabalhou em vários filmes e seriados, entre eles ‘Lassie’, ‘The Outer Limits’ e ‘Missão Impossível’. Foi também produtor da Série Clássica, ao lado de Gene Roddenberry, desde seu primeiro piloto “The Cage” e depois no primeiro ano de A Nova Geração. Confira como foi o papo:

Por que você decidiu continuar com Jornada, ao invés de “Missão Impossível”?

Justman: “Ambos, Gene (Roddenberry) e Bruce Geller (produtor de Missão Impossível), me queriam trabalhando em suas produções. Nós nunca previmos que o executivo do estúdio Desilu, Herb Solow, viria de Nova York com os pilotos de ambas as séries vendidas. Herb tomou a decisão de que como Gene trabalhou comigo em dois pilotos e Bruce em um, então Gene tinha mais estrada. Mas, claro, que Bruce ficou irritado.”

Quais eram as suas responsabilidades como produtor de Jornada?

Justman: “Você sabe que hoje em dia existem de 20 a 30 produtores de séries. Em Jornada, Gene era o produtor executivo e havia mais dois produtores assistentes, John D.F. Black e eu, que fazíamos de tudo. Se algo necessitasse de retoque e não havia ninguém para fazer isso, eu fazia esse trabalho. Isso quer dizer que tinha de contribuir com a história, roteiro, elenco, set de filmagens, orçamento, vestiário, e outros. Toda função que tivesse de ser cuidada por alguém, essa pessoa seria eu. Não havia outros executivos disponíveis. Todo o executivo teve de sujar suas mãos. Quando Gene começou a perder forças, por causa da tremenda tensão sofrida durante a série, ele trouxe Gene Coon, que foi uma dádiva de Deus.”

Você acha que a Série Clássica teria sobrevivido sem Gene Coon?

Justman: “Ela não teria ido bem. Coon nos salvou. Mas Gene Roddenberry foi o melhor editor de roteiros que já vi. Eu convivi com ele por um longo tempo. Ele era fantástico. O único problema era que ele ficava muito ocupado, e você tinha de arrastá-lo com unhas e dentes para fora de sua sala, para que pudesse reescrever os vários episódios. Coon poderia escrever, sentado em sua sala, scripts prontos para filmagem, num curto espaço de tempo. Ele poderia escrever um episódio em uma hora e entregá-lo pronto ao longo do fim de semana. Não somente ficavam ótimos, como também longos, de modo que tínhamos de cortar algumas partes. Ele captou a essência de Jornada.”

Quando você trabalhou no segundo piloto (“Where No Man Has Gone Before”), Jeffery Hunter (capitão Pike) decidiu não mais retornar e então veio William Shatner (Kirk). Por que Hunter não continuou em Jornada e o que achou de Shatner?

Justman: “Jeffery Hunter teria feito a série, se o primeiro piloto (“The Cage”) tivesse sido comprado por alguma emissora, mas os termos do contrato dele nunca permitiram um segundo piloto e, além disso, ele queria ser um astro do cinema. Eu trabalhei antes no seriado ‘The Outer Limits’ e o Bill (Shatner) foi convidado em um episódio. Eu me admirei de seu trabalho. Ele estava cheio de entusiasmo. Eu senti que após trabalhar no segundo piloto, ele possuía o que necessitávamos. Alguns do elenco não gostavam do Shatner. Mas isso não significava nada para ele. Ele estava apenas sendo o Bill e estava vivendo um bom momento em sua vida. Deus sabe que ele realmente deu aquilo que nós precisávamos. Senso de aventura, muita energia e humor, ele tinha demais.”

Qual foi a sua maior dificuldade no início da série?

Justman: “Eu realmente não sabia como fazer os episódios. O estúdio Desilu estava com quase todo o seu pessoal direcionado a meia hora de comédias e não havia gente com bom talento técnico. Uma vez vendida à série, eu comecei a preparar o elenco que precisávamos e trazia as pessoas para a série. Jornada foi, na verdade, um monstro. Nós tivemos de indicar novos caminhos para trabalhar nas situações. Por exemplo, após fazer o piloto, tivemos de filmar um planeta com um céu na mesma tonalidade verde escuro de nosso primeiro episódio. Eu imaginava que não dava para fazer isso de novo. Então, percebi que tínhamos de criar um céu neutro e projetar uma luz colorida que cobria os três lados do cenário para retratar esse céu. Com isso eu tentei fazer o ambiente se ajustar a cada episódio.”

E como foi produzir os efeitos especiais no espaço?

Justman: “Se você quiser ver uma cena da nave Enterprise entrando e saindo de órbita do planeta, verá que existem vários elementos que tiveram de ser filmados separadamente para depois serem reunidos. Então você tem uma cena do globo ou planeta, e depois uma cena da Enterprise virando e um fundo de estrelas. Cada vez que a gente fazia isso, perdíamos uma certa quantidade de imagem. Ela ficava mais e mais granulada. Eu poderia sempre identificar quando um desbotamento estava ocorrendo, porque o último corte de cena parecia diferente, em razão dela se apresentar mais mexida. Quando fomos para A Nova Geração, nós não mais tivemos que ficar preocupados com isso. Tínhamos a habilidade de combinar diferentes elementos em um pedaço final de filme. Isso foi estimulante e fantástico. Nos dias de hoje, eles geram tudo o que querem através de programas de computador.”

Como foi seu trabalho em A Nova Geração?

Justman: “Foi uma série maravilhosa. Na época, eu disse ao Gene que devíamos ter um Klingon no elenco, mas a postura dele era de não incluir coisas que já foram inseridas antes. Ele já estava cansado dos velhos vilões. Então eu repliquei que poderia haver uma maneira de co-existirem (humanos e Klingons), terem um futuro melhor. E um Klingon entre humanos seria uma prova disso. Então ele aprovou a idéia, e foi como o Worf surgiu.”

Qual sua opinião a respeito do processo de remasterização da série original?

Justman: “Eu fiquei entusiasmado, porque, pela primeira vez, desde o lançamento da série, outros grupos olham o caminho que nós antevemos. Isso é o mais próximo das versões originais, porque elas são novas e puras. Eu tive essa conversa, uma vez com Jerry Finnerman (diretor de fotografia), onde eu queria um forte key ligth (foco principal de iluminação). Eu disse ao Jerry que não sabíamos com que os planetas se pareciam. Eu não queria que fossem como uma sala, queria ver a cor onde esperasse que houvesse.”

E sobre as novas cenas em CGI criadas pela remasterização, você desaprova essas mudanças?

Justman: “Não. Desde que elas façam o episódio melhor, eu fico feliz. É como ocorreu em A Nova Geração. Nós fomos capazes de fazer coisas que não podíamos fazer antes. Se não estiver causando prejuízo a série, tudo bem. Qualquer coisa que faça a série melhor é melhor para a série e para o telespectador”.

A respeito do próximo filme de Jornada, como você sente sobre J.J. Abrams querer refazer a Série Clássica?

Justman: “Estou animado com isso. Eu quero estar lá como parte da audiência quando o primeiro encontro (entre Kirk e Spock) ocorrer. Você não pode imaginar Kirk em algum planeta, dando de cara com alguém que poderia ser Spock ou o pai de Spock. Seria muito excitante.”

Você acha importante o novo filme manter o visual da velha série, em termos de naves, uniformes, e outros acessórios?

Justman: “Eu creio que seja muito importante, porque isso dá a audiência algo para se interessar. Se tudo for mudado, então ficará uma coisa estranha. Mas essa é a questão. Abrams deve fazer as escolhas certas e que são escolhas difíceis, porque você está realizando tudo isso com um enorme esforço. Você tem de ser cuidadoso em não fazer as pessoas olharem com desconfiança. Elas devem ser capazes de se sentirem confortáveis com o filme. Isso é tudo o que importa, e não sobre que tipo de roupas você deverá usar. Jornada é uma aventura e é excitante. O pessoal que está na tela deve surpreender a audiência. Isso será difícil para alguns fãs, mas terá de ser feito.”

Qual seria essa dificuldade?

Justman: “Seria para o originalistas, o pessoal que pede para não mexer com a série original. No entanto, se você vai mexer na franquia, então que faça direito. Eu me lembro de quando estávamos preparando A Nova Geração, havia uma convenção de Jornada na Universal City, onde estive presente. Então, antes da nova série entrar no ar, alguns já estavam reclamando. Todos os tipos de rumores surgiram. Durante palestra eu disse ao público para que, pelo menos, aguardasse o filme e que não nos condenasse antes do tempo, porque isso era também importante para nós.”

Então você acha que o retorno à série original foi um movimento inteligente de Abrams?

Justman:
“Eu direi a você o que vai acontecer. Ele (Abrams) é garantia de um tremendo sucesso de audiência. Ele está roubando todos esses slogans. Ele está fazendo algo que é audacioso e que é uma grande aventura. Talvez não satisfaça aos puristas… provavelmente não satisfará, mas eu não me preocupo com isso. Eu sou um produtor de filmes. Eu quero fazer algo que as pessoas lembrem e conversem pelo resto de suas vidas. Fazer isso a velha maneira, não vai funcionar. Mas eles (Abrams e sua equipe) fazem esse trabalho bem, escrevem e dirigem bem. Jornada está enfraquecida e eu espero que J.J. Abrams seja audacioso, que faça algo novo, que me surpreenda. Se eles me convidassem para ser consultor, eu ficaria honrado.”