Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.
Poucos questionariam o quanto essa frase representou o ambiente e o espírito da última Reunião Trekker no Rio de Janeiro, realizada no último sábado em homenagem ao quarto aniversário do evento. Mesmo dias antes da grande festa, eu perguntava ao organizador e grande amigo Luiz Castanheira sobre a relação dessa frase com o evento. Para minha surpresa, Luiz contou que ele já pretendia abrir a Reunião com essa citação — e foi o que ele fez.
Ainda assim, é sempre inquietante deixar sua casa e ir dar trabalho a pessoas que você nem conhece, só para aproveitar um punhado de horas ao lado de amigos com quem você tem tanto contato, mas quase nunca vê pessoalmente. Soava um pouco egoísta, para dizer o mínimo. E trabalho nós demos, de fato. O pobre Alfredo precisou buscar os quatro paulistas errantes (este que vos escreve, minha namorada Rosimeire Anne, o editor do TB Fernando Penteriche e a co-editora Mariana Pedroso) às duas da manhã na rodoviária, para depois nos instalar em sua própria casa. E o amigo Chacal, que mora ao lado do Alfredo, teve de pagar seus pecados apenas algumas horas depois, indo buscar, acompanhado por um insone Fernando, outros dois viajantes vindos de Vitória, no Espírito Santo: Alexandre e sua namorada Karina.
Toda a tropa foi reunida na casa de Alfredo e dali partimos todos rumo à Igreja Presbiteriana de Ramos, onde em algumas horas participaríamos da mais emocionante, empolgante e tocante reunião de fãs de Jornada nas Estrelas na qual já tive a chance de tomar parte. Ali, envolto em tanta amizade, cumplicidade e companheirismo, entendi qual era o significado daquele evento e percebi concretamente do que a frase retirada do “Conto de Duas Cidades”, de Charles Dickens, e citada em “Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan”, estava realmente falando. Descobri que valeu a pena tomar uma chuva descomunal, correndo como louco pelas ruas do centro de São Paulo rumo ao metrô, com destino à rodoviária, para tomar o ônibus. Valeram a pena as horas sofríveis dentro de um ônibus em plena madrugada. Valeu a pena dormir apenas três horas e passar boa parte do dia andando como um zumbi, após uma exaustiva semana de trabalho.
Era, de fato, o melhor dos tempos. E o pior dos tempos.
Numa escala muito maior do que as peripécias urbanas mundanas que cito aqui. Porque a Reunião Trekker no Rio estava longe de ser um “evento”. A melhor definição talvez fosse de “encontro familiar”.
Foi isso que Luiz Castanheira e gente como Cláudio Silveira, Alfredo, Chacal, Fabão e Daniel Cassús construíram mensalmente na Igreja Presbiteriana de Ramos — uma família. Tanto que fiz questão de dizer isso logo que o Luiz me chamou à frente para dizer uma dúzia de palavras ao público. Segundo meus amigos (que poderiam muito bem só estar sendo polidos), me saí bem com o arranjo de improviso. O fato é que — preciso confessar — eu passei por momentos de agonia.
Não que eu não soubesse que deveria me dirigir ao público durante o evento — o próprio Luiz já havia me avisado, por e-mail, para que eu preparasse algo para falar. Na ocasião, eu em tom de brincadeira disse a ele para não se preocupar, “pois eu costumo tocar de ouvido”.
E é assim que eu achava que iria me sair. Até eu ver o Luiz abrir a reunião. Suas primeiras palavras eram quase inaudíveis, dado o volume de conversas paralelas entre os presentes. Mas após não mais que duas ou três frases, cada uma das almas (vivas e, até onde se pôde constatar, penadas) presentes ao evento só tinha ouvidos para o que o organizador do evento tinha a dizer — incluindo eu mesmo.
O tom professoral desse engenheiro, aliado ao conhecimento monstruoso que ele possui de Jornada nas Estrelas e ao calor humano com que recebeu cada um dos recém-chegados à reunião, cativou quem estivesse lá para ouvi-lo. Luiz começou falando da importância daquela data, da comemoração do quarto aniversário do evento e da magia que estava para envolver todos os presentes.
E eu comecei a suar frio.
Como não ser patético diante do público, depois de testemunhar Luiz impondo ordem ao caos de forma tão elegante, com tamanha propriedade? Ainda mais “de ouvido”? E com três horas de sono? A missão parecia impossível. (Aliás, até agora segue sendo, apesar de meus amigos polidamente dizerem o contrário.)
O fato é que logo o temor se dissipou. Quem tem medo de parecer bobo diante de tamanha amizade e compreensão? E como reagir ao ser agraciado com um dos mais especiais presentes que já recebi em minha vida, um pôster assinado por Leonard “Spock” Nimoy em pessoa? Restou então a chance de aproveitar esse grande encontro — certamente não o maior na logística, mas o maior no coração.
Eu frequento eventos de Jornada nas Estrelas desde 1996. Já fui a inúmeras convenções realizadas pela Frota Estelar Brasil em São Paulo. Já estive no Trek Dia Feliz, da IFT, inclusive como palestrante. Já fui a convenções de “Arquivo-X” e de ficção científica em geral. Já tive a chance de estar numa coletiva com Walter Koenig, Pavel Chekov em pessoa. Mas nunca havia visto nada como a Reunião Trekker no Rio.
Basta contar como as coisas funcionam para entender do que se trata. Em que evento, pago ou não, te serviram refrigerante e bolo, mas num clima de total informalidade, em que você ia lá e pegava, como numa visita à cozinha da sua casa? Em que evento você teve a chance de simplesmente passar numa mesa e escolher os brindes que queria levar para casa? Em que evento o organizador recebeu você pessoalmente, interessado em saber o que o trouxe lá e dando as boas-vindas da forma mais calorosa possível? Eu nunca tinha participado de algo assim. Sem falso discurso apologético, é como um sonho.
Um sonho realizado por pessoas. Pessoas bem intencionadas, motivadas a trabalhar de graça, somente pela chance de estabelecer um elo social, só para “fazer a diferença”. Isso é tão bonito que nem importa muito o que será exibido, qual episódio, qual filme, com legendas, sem legendas (a propósito, todos os filmes eram muito bons, estavam com uma imagem ótima e legendados, exibidos num telão também excelente).
E é tão a cara do Trek Brasilis que comecei a perceber que não havia coincidência no fato de termos ali reunidos tantos organizadores e visitantes do site, que se deslocaram em média 500 km cada um para poderem estar lá. Se o TB pudesse se materializar fora do ciberespaço, ele seria a Reunião Trekker do Rio.
A reunião começou às 14h e foi até o final da tarde, avançando pelo comecinho da noite. A “família” se separou por volta das 20h. Foram 55 pessoas que tiveram a chance de estar reunidas naquele sábado para assistir a alguns dos melhores episódios de Jornada nas Estrelas (“The Inner Light”, de A Nova Geração, “The Visitor” e “Far Beyond the Stars”, de Deep Space Nine, e “Living Witness”, de Voyager), além de alguns clipes imperdíveis de outros episódios, uma hilária paródia dublada da Série Clássica enviada por César Lima, da Base Estelar Campinas, e Fernando Rodrigues, do TB, um interessante segmento com nosso futuro entrevistado, o roteirista Andre Bormanis, e uma emocionante (para os fãs de Jornada mais do que para os fãs do músico) apresentação de Phil Collins, que ainda vai acalentar o coração de alguns dos presentes muitos anos depois da última Reunião Trekker…
Quem teve a chance de estar na 45ª Reunião Trekker-RJ testemunhou um evento que ficará por muito tempo na memória, se é que vai sumir algum dia. É mais que um encontro de amigos, é mais que uma oportunidade para compartilhar o amor por Jornada nas Estrelas. É um exemplo de como o bem comum pode ser atingido pela força de vontade e por uma visão determinada de fazer o melhor. É uma lição que todos deveriam aprender. É uma lição do que é ser humano. É algo muito na linha do que faz Jornada nas Estrelas por seus espectadores há mais de 36 anos.
E ela termina, em janeiro próximo, com a missão cumprida. Jornada nas Estrelas está hoje muito mais disponível ao fã do que estava quando o projeto foi iniciado. A razão de ser para os eventos mensais já não existe mais. Mas o espírito permanece vivo. E sua manifestação no futuro, como foi no passado, é inevitável.
Aos amigos que fiz, aos amigos que conheci, aos que levei ao Rio, aos que deixei em São Paulo, aos amigos que reencontrei e aos que ainda estou por encontrar, só tenho uma coisa a dizer.
Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.