Spock é (literalmente) humanizado e explora triângulo amoroso com Chapel e T’Pring
Sinopse
Data estelar: 1789.3
A caminho de Vulcano, a Enterprise vai estudar uma das luas do planeta Kerkhov, no mesmo sistema, onde uma civilização avançada viveu no passado e agora há uma misteriosa assinatura de energia. Enquanto isso, Chapel se prepara para uma entrevista para uma bolsa em um programa de medicina arqueológica cedida pela Academia Vulcana de Ciências.
Spock, enquanto isso, se reconecta com T’Pring, e a família dela insiste em que eles realizem o jantar de noivado. Pike designa para Spock a missão de investigar o sinal de energia na lua de Kherkov, com uma nave auxiliar, ao lado de Chapel. Os dois estão desconfortáveis um com o outro.
Os sensores detectam a anomalia de energia, uma ruptura no espaço-tempo. Os escudos não são suficientes para proteger a nave auxiliar da turbulência. Spock acorda na enfermaria da Enterprise, sem ferimentos, bem como Chapel. Mas o vulcano, além de ser curado, agora é totalmente humano.
Analisando a nave auxiliar, Una e La’An encontram o que parece ser um cartão de visitas. Uhura decodifica e um canal de comunicações é aberto com Amarelo, um dos kerkhovianos. A criatura diz que os reparos já foram feitos e que eles corrigiram as instruções de um dos tripulantes – Spock. Insistindo que nenhum contato adicional é necessário, os kerkhovianos cortam a comunicação.
Enquanto há o impasse, Spock aponta que não tem condições de participar do jantar de noivado em seu “estado”. Chapel, angustiada e sentindo culpa de sobrevivente, se esforça ao máximo para “curar” o vulcano, restituindo-o a seu estado normal. Ela quase perde a entrevista com um vulcano, que acaba sendo trágica. O “Spock humano” a consola no corredor, e então é chamado por Pike para a sala de transporte – a mãe dele, Amanda Grayson, está vindo a bordo. Spock se apresenta com um gorro para disfarçar sua aparência humana. Amanda diz que, para resolver quaisquer pendências, a família de T’Pring aceitou em realizar o jantar de noivado a bordo da Enterprise. Spock perde a linha e insiste que será impossível. Amanda exige que ele tire o gorro e vê o que aconteceu a seu filho.
Com apoio de Pike e da tripulação, Amanda convence Spock de que vão seguir com os planos e ele fingirá ser vulcano, com orelhas falsas e tudo. Isso envolve servir um chá num pote fervente sem mostrar dor, agir como vulcano e emular um elo mental.
Frustrada com todas as tentativas fracassadas, Chapel decide ir atrás dos kerkhovianos com uma nave auxiliar e convence Ortegas e Uhura a acompanhá-la.
A bordo, Spock e T’Pring (sem saber da situação de seu noivo) recebem T’Pril e seu marido, os pais dela, nos aposentos do capitão. A mãe de T’Pring insiste em que o ritual comece imediatamente. Spock faz tão bem quanto possível o seu papel. Serve o chá, que T’Pril reputa como “aceitável”.
Enquanto isso, uma nave auxiliar voa na direção de Kerkhov. Chapel convence Ortegas a navegar na direção da anomalia. Chapel, Uhura e Ortegas aparecem em um espaço interdimensional e travam contato com os kerkhovianos. Desta vez, eles falam com Azul. Chapel faz um apelo para que corrijam a situação de Spock. Sem sucesso, elas pedem para falar com Amarelo, com quem trataram antes.
Na Enterprise, os noivos são submetidos a uma cerimônia em que os pais apresentam as falhas deles para que tenham ciência. T’Pril destrói Spock, que a duras penas resiste a qualquer reação emocional. Mas pede para usar o banheiro. “Um vulcano deveria ter uma bexiga mais resiliente.”
No espaço interdimensional, Chapel consegue contatar Amarelo, mas ouve que amigos não podem fazer reclamações além do período permitido. Ela acaba obrigada a confessar seus sentimentos por Spock.
Na Enterprise, é o momento do elo mental. Mas Pike interrompe e apresenta uma tradição humana que deveria ser realizada para aprofundar a cerimônia: mímica. Spock reforça que mímica é muito importante. O capitão precisa explicar as regras. Eis que Chapel chega com “as vitaminas” para Spock. Em privado, os dois se mostram confusos, mas ela injeta a cura no vulcano.
Spock realiza o elo mental com a mãe e recupera a memória de um dia normal em que ela o levou à escola. T’Pril critica, mas T’Pring o defende, obrigando a mãe a reconhecer que o ritual foi cumprido, apesar do “defeito” de Spock. O vulcano fica finalmente revoltado e revela que estava emulando, mas “estava” completamente humano – tirando suas orelhas falsas. Ele faz uma declaração de admiração por Amanda e choca os demais presentes.
Em particular, T’Pring demonstra a frustração de que ele não revelou sua situação a ela, a despeito de toda a tripulação saber. Os dois decidem dar um tempo na relação.
Chapel recebe o comunicado dos vulcanos de que sua bolsa de estudos foi recusada. Ela revela sua experiência recente com uma civilização perdida e diz que vai considerar tentar de novo mais adiante – questionando se o programa a merece de fato.
Spock se despede de sua mãe na sala de transporte. Em seus aposentos, ele recebe a visita de Chapel. O vulcano diz que está dando um tempo com T’Pring e os dois, apesar de reconhecerem que seus sentimentos são confusos, decidem dar vazão a eles, em um beijo apaixonado.
Comentários
Se “Tomorrow and Tomorrow and Tomorrow” era a comédia romântica sci-fi que ninguém poderia esperar, “Charades” é a que estava telegrafada desde o final da primeira temporada de Strange New Worlds. Com mais um artifício que só ficção científica ou fantasia pode fornecer, o episódio promove a literal desconstrução de Spock, expondo seu lado humano – com mais uma atuação fantástica de Ethan Peck.
O segmento tem sabor similar a “Spock Amok”, da temporada passada, com traquinagens vulcanas, e apresenta desafio de atuação comparável. Se naquela ocasião Peck teve de interpretar T’Pring fingindo ser Spock (e Gia Sandhu, Spock fingindo ser T’Pring), aqui o vemos interpretando Spock convertido em 100% humano tendo de fingir ainda ser meio vulcano. Mais uma vez, o ator carrega com maestria essa interpretação em camadas, dando muita realidade a uma premissa que desafia a credulidade.
Tiremos, pois, da frente o aspecto de ficção científica deste episódio, porque é realmente a única sombra que paira sobre ele. Não chega a ser absurdo que haja sinais de uma civilização antiga que habitou no passado uma lua do sistema de Vulcano. Seria como se encontrássemos um dia sinais de que, digamos, alienígenas já visitaram Tritão, satélite natural de Netuno. O que realmente abala a credibilidade é supor que essas criaturas estejam ainda lá, em algum tipo de realidade interdimensional, sejam facilmente contactáveis, tenham um portal que produz uma grande anomalia energética, e os vulcanos, com séculos de viagens espaciais, não tivessem mais conhecimento e contato com eles.
Compondo o desafio à suspensão da descrença, temos de pensar no estranho “reparo” que os kerkhovianos fazem a Spock, eliminando metade do seu genoma e substituindo-o por uma cópia humana. O procedimento, claro, leva em conta a premissa de Arthur C. Clarke de que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia para prosseguir o mais rapidamente possível com a trama, que consiste em transformar Spock em um humano – de início para efeito cômico.
Superadas essas circunstâncias, temos um maravilhoso estudo de personagem e uma exploração do irresistível triângulo amoroso entre Spock, Chapel e T’Pring. Para compor o charme e a vibe “comédia romântica”, somos reintroduzidos à mãe de Spock, Amanda Grayson (com Mia Kirshner reprisando mais uma vez com brilhantismo o papel que fizera em Discovery), e conhecemos os pais de T’Pring, T’Pril e Sevet, vividos de forma extremamente charmosa por Ellora Patnaik e Michael Benyaer.
É muito divertido ver o “sogrão” de Spock dominado pela “sogrona”, que não perde chances de desprezar e criticar a herança humana do oficial da Frota Estelar. Tão engraçado quanto é ver toda a tripulação se unir para ajudar Spock a superar essa crise, treinando-o para fingir (ao menos momentaneamente) ser o que não é. Há cenas divertidas para todos, até mesmo para Sam Kirk, que andava meio sumido na Enterprise. O grande destaque, naturalmente, vai para a Christine Chapel de Jess Bush, que enfim é obrigada a confrontar seus sentimentos para com o vulcano – e admitir que, embora fosse mais fácil lidar com o Spock totalmente humano, ela o ama como ele era, com sua parte vulcana sendo um elemento importante desse sentimento (prenunciando de forma inspirada a declaração de amor que ela faria diretamente a ele em “The Naked Time”, da Série Clássica).
Haverá quem questione se os eventos mostrados aqui ornam com a tensão de uma relação não consumada entre Spock e Chapel durante a Série Clássica, e é certo que também há ruído entre a gama de emoções que o vulcano tornado humano experimenta aqui e sua reação à vida com os esporos de Ômicron Ceti III, em “This Side of Paradise”. Mas poucos dirão que as escolhas tomadas aqui para a relação entre Spock e Chapel não são as absolutamente corretas no contexto próprio de Strange New Worlds. Bush e Peck funcionam bem demais juntos em tela para que a audiência não fosse premiada com o desfecho deste episódio.
Também é muito interessante a forma como T’Pring vem sendo trabalhada em todos esses episódios, de modo a inocentar suas escolhas brutais em “Amok Time”, da Série Clássica. Está claro que ela não tinha qualquer problema com o lado humano de Spock – possivelmente tivesse até certa atração por ele. Mas também é óbvio que seu noivo foi cultivando uma série de decepções que levaram ao rompimento temporário aqui e acabariam culminando no proverbial kal-if-fee (casamento por combate) mais adiante. Ao pedir a Spock para dar um tempo, ela também o deixa, de forma conveniente, moralmente livre para “deixar rolar” a situação com Christine – que, por sinal, perdeu a chance de ir estudar medicina arqueológica com o doutor Roger Korby, numa situação que com certeza também irá mudar no futuro (conforme “What Are Little Girls Made Of?”, da Série Clássica).
Sustentado quase inteiramente pela comédia de situação, o episódio ganha pontos ao não terminar em farsa. Quando Spock decide revelar que realizou todo o ritual como um humano, chocando os pais de T’Pring, torna tudo o que aconteceu dramaticamente relevante. É interessante que o disparo para a revelação tenha sido a menção ao “defeito” de Spock, a exemplo do que vimos em uma realidade alternativa no filme Star Trek (2009). Mexeu com a mãe do Spock, mexeu com ele! A cena em que ele declara seu orgulho por Amanda aqui é muito bonita.
O roteiro afiado dispensa grandes gastos com efeitos visuais, que se concentram basicamente em tomadas da nave e na visita aos kerkhovianos, obtida numa mistura de uso do AR Wall com efeitos visuais em pós-produção. Nada que torne essas sequências particularmente memoráveis, num segmento em que, mesmo nessas circunstâncias, são os atores que carregam a história.
A impressão com que terminamos é que a relação entre Spock e Chapel nunca mais será a mesma depois deste episódio. Será?
Avaliação
Citações
“Vulcans can be such jerks.”
(Vulcanos podem ser tão babacas.)
Spock, temporariamente humano
Trivia
- Este segmento foi filmado em abril de 2022. A atriz Gia Sandhu comentou sobre o trabalho: “Para este episódio especialmente, nós estávamos filmando tarde da noite. Não tínhamos tantos dias para fazê-lo e meio que tivemos de resolver porque estávamos filmando durante a [pandemia da] Covid e havia muitas coisas que meio que descarrilaram os planos originais. Então tivemos de usar nossos chapéus de trabalho e fazer o melhor episódio que pudéssemos. Mas também nos divertimos bastante fazendo. Foi bem divertido. Tarde da noite, as coisas tendem a ficar um pouco bobas, então isso certamente aconteceu”, disse, aos risos.
- Por razões logísticas, a sequência do espaço interdimensional foi filmada meses após a fotografia principal deste episódio. Segundo Jess Bush, foi nauseante passar 15 horas com o AR Wall e um piso brilhante que tirava praticamente qualquer referência fixa para os atores em cena.
- Se o roteiro deste episódio parece particularmente engraçado, parte disso deve ter a ver com Kathryn Lyn, escritora que se juntou à série nesta segunda temporada egressa da série animada de comédia Lower Decks (onde começou como consultora do cânone).
- Segundo a diretora Jordan Canning, houve vários improvisos incorporados ao episódio. Exemplos: quando Pike diz que tem um gorro igual ao de Spock e quando Sevet fala “orelha?” quando Pike está explicando mímica e pega na própria orelha.
- Spock faz menção ao fato de que vulcanos precisam usar um inibidor para tolerar o odor de humanos, introduzido em Enterprise.
- Contrariando a tradição vulcana também apresentada em Enterprise, Sevet, o pai de T’Pring, parece não ter problemas em comer com a mão – exceto quando T’Pril o admoesta.
- O Spock vulcano, a exemplo de sua espécie, é estritamente vegetariano. Mas aqui, na versão humana, ele belisca furiosamente um bacon. Spock voltaria a comer carne em outro estado alterado no episódio “All Our Yesterdays”, da Série Clássica.
- O episódio estabelece os três princípios da medicina arqueológica de Roger Korby. São eles: 1) medicina é sempre antiga e nova, conforme o entendimento cultural do que é medicina muda com o tempo; 2) as chaves para soluções muitas vezes são encontradas olhando para trás; 3) como resultado medicina arqueológica é tanto estudo de história quanto de ciência.
- Conforme visto em “What Are Little Girls Made Of?”, Roger Korby se tornaria noivo de Christine Chapel.
- A lua de Kerkhov é mencionada como em órbita de Eridani B, que é uma das três estrelas do sistema 40 Eridani, da qual a principal, 40 Eridani A é a estrela em torno da qual orbita Vulcano.
- Pike volta a vestir sua túnica verde, vista pela primeira vez em “Spock Amok”, da primeira temporada.
- Spock esconde suas orelhas e sobrancelhas humanas com um gorro, algo similar ao que faria com suas equivalentes vulcanas na Terra de 1930, em “The City on the Edge of Forever”, da Série Clássica.
Ficha Técnica
Escrito por Kathryn Lyn & Henry Alonso Myers
Dirigido por Jordan Canning
Exibido em 13 de julho de 2023
Título em português: “Charadas”
Elenco
Anson Mount como Christopher Pike
Ethan Peck como Spock
Jess Bush como Christine Chapel
Christina Chong como La’An Noonien-Singh
Celia Rose Gooding como Nyota Uhura
Melissa Navia como Erica Ortegas
Babs Olusanmokun como Joseph M’Benga
Rebecca Romijn como Una Chin-Riley
Elenco convidado
Mia Kirshner como Amanda Grayson
Michael Benyaer como Sevet
Dan Jeannotte como George Samuel Kirk
Ellora Patnaik como T’Pril
Gia Sandhu como T’Pring
Anjuli Cain como Amarelo/Azul
Alex Kapp como computador da Enterprise
Ryan Taerk como Durik
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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria