Bom tema sobre a natureza da vida se esvai em episódio arrastado
Sinopse
Data estelar: 46307.2
Geordi é designado para avaliar uma estação que está desenvolvendo um novo sistema de mineração em Tyrus VIIA, sob a coordenação da dra. Farallon, a cientista que inventou a tecnologia. Quando um súbito problema ocorre na grade de força, Farallon escolhe o momento de introduzir ao engenheiro da Enterprise outro de seus inventos – o exocomp. Trata-se de um aparelho que ela construiu que é capaz de realizar reparos de forma inteligente. Contrariando as possibilidades, o engenho consegue conter a falha na grade de força, salvando o projeto.
Farallon vai a bordo da Enterprise para esclarecer a situação. Ela tem a chance de explicar os detalhes do funcionamento do exocomp para Data, enfatizando que seu invento não só cria as ferramentas adequadas aos reparos, como pode resolver uma série de problemas. Isso convence Picard a permitir que Farallon use o exocomp para reparar o sistema de mineração em dois dias, para uma demonstração. Ela pede a assistência de Data, que concorda imediatamente.
O engenho inicialmente conduz as tarefas sem falhas, mas, de uma hora para outra, começa a não responder aos comandos da cientista, momentos antes de uma explosão em um conduíte de plasma acontecer na estação.
De volta à Enterprise, Farallon explica que o exocomp passou por um mau funcionamento, tornando-se inútil. Ela e Geordi resolvem continuar o trabalho com os dois exocomps restantes, enquanto Data, intrigado por uma máquina que, ao menos nos princípios básicos, é similar a ele, leva o aparelho defeituoso para seus aposentos. Ele fica surpreso quando, pouco tempo depois, o exocomp conserta a si mesmo. Quando Geordi e Farallon estão para sair e retornar ao trabalho na estação, ele pede que interrompam as atividades. Os exocomps estão vivos, segundo o androide.
Em uma reunião com a tripulação sênior, Data explica que o exocomp se desligou instantes antes da explosão no conduíte de plasma, indicando que as máquinas seriam capazes de autoproteção. A equipe testa a hipótese do androide colocando a máquina em uma simulação de perigo, e a tese de Data parece ser contestada quando o exocomp não foge do perigo e completa a tarefa a que tinha sido designado. Mas Data segue irredutível, e, depois de repetir o experimento diversas vezes, descobre que o exocomp sabia que o teste era só uma simulação inofensiva e agiu de acordo.
Picard, Geordi e Farallon voltam a trabalhar na estação, mas logo descobrem que o complexo perdeu confinamento interno e que eles estão arriscados a serem varridos por perigosa radiação. Farallon e diversos funcionários conseguem se transportar de volta à Enterprise, mas Geordi e Picard ficam para trás. Sem outra solução, Riker pede a Farallon que transporte os exocomps à estação para salvar os homens. Ela concorda, mas Data se recusa a permitir que ela o faça, travando os controles do transporte.
Dizendo não poder justificar o sacrifício de uma vida pela outra, Data permanece firme. Riker consegue convencê-lo a ceder permitindo que os exocomps “escolham” se querem ou não arriscar suas vidas. Para a surpresa de todos, os exocomps surgem com seu próprio plano, que salva Picard e Geordi, exigindo o sacrifício de só uma das três máquinas. À tripulação resta apenas ponderar sobre o que testemunhou, enquanto Data fica feliz em descobrir que pôde agir como um protetor dessas exóticas “formas de vida”.
Comentários
“The Quality of Life” tem um tema fascinante, mas que acabou sendo trabalhado de forma mundana e previsível. Resultado: um dos segmentos mais esquecíveis do sexto ano.
A ideia original da qual partiram os roteiristas era boa, no estilo inconfundível dos high-concepts de A Nova Geração: e se uma máquina projetada para exibir inteligência e aprendizado acabar se tornando algo que poderia ser definido como “vivo”? Qual é o verdadeiro limite da definição, qual é a qualidade que caracteriza a vida, qual a essência da vida? Essas são as perguntas que o episódio tenta levantar.
Não é uma tentativa sem precedentes. “Evolution”, do terceiro ano, e “The Measure of a Man”, do segundo ano, em diferentes abordagens e com diferentes graus de sucesso, tocaram o mesmo tema. Mas de fato não o haviam esgotado – o fracasso aqui não é pela repetição, mas pela inabilidade ao lidar com a premissa.
Assim como nas histórias predecessoras, Data é o veículo natural para o desenrolar dos eventos. Mas sua atuação em “The Quality of Life” deixa a desejar. Sim, ele faz tudo o que esperamos dele com relação ao questionamento sobre o fato de o exocomp estar ou não vivo, mas é justamente isso que mata o episódio – tudo acontece exatamente como deveria. E suas atitudes subsequentes beiram o absurdo.
Seria muito mais interessante se Data mantivesse o ceticismo com relação ao caráter “vivo” do exocomp e entrasse em crise de consciência, questionando a partir disso até mesmo sua própria natureza enquanto forma de vida. A discussão poderia realmente passar pela questão do que é vida – algo que ninguém consegue definir com precisão – e terminar de forma ambígua, como a discussão exige.
Em vez disso, Data não só abandona seu ceticismo científico e abraça a causa de “salvador da pátria dos exocomps”, como chega a ter atos de rebeldia e motim, quase provocando indiretamente a morte de Picard e de seu melhor amigo, Geordi, em nome de uma suposição. Um absurdo.
Para completar, no final, nossos brilhantes heróis decidem dar a uma máquina que pode ou não estar viva o direito de decidir se quer se sacrificar. Se o fato de o organismo estar vivo já era questionável, o fato de ser “consciente”, ou seja, capaz de pensar e tomar decisões racionais, equilibrando-as com seu “instinto”, é um salto de imaginação ainda maior.
E se o roteiro, em si, não foi feliz no tratamento do tema, a execução, então, beirou o ridículo. Jonathan Frakes não foi particularmente feliz na direção e é neste segmento que surge um dos objetos de cena menos convincentes de toda a história de Star Trek: esse exocomp, sacolejando a cada decolagem e aterrissagem, deixa muito a desejar. Já fica difícil levar a sério o episódio desde o momento em que vemos a “brilhante” invenção da dra. Farallon, independentemente do que virá a seguir.
Normalmente, quando um episódio de A Nova Geração é ruim, a salvação vem do intenso carisma dos personagens. Infelizmente, nem isso serve para amenizar os problemas aqui. Quando Data, o personagem com a voz em geral mais nítida, se apresenta fora de foco, o negócio é apagar tudo e começar de novo.
Como a produção de A Nova Geração não podia se dar ao luxo de repensar tudo, acabou nascendo este que é um dos piores segmentos da temporada, ainda que, em algum lugar, houvesse ali os elementos para um bom episódio.
Avaliação
Citações
“The Exocomp didn’t fail the test, it saw right through it.”
(O exocomp não falhou no teste, ele viu que era só um teste.)
Beverly Crusher
Trivia
- O escritor freelancer LJ Scott escreveu um roteiro chamado “The Underground Circuit”, que seria a base para o episódio. Na premissa original, as formas de vida artificiais eram painéis de parede e eletrodomésticos falantes. O roteiro dizia que as formas de vida artificiais tinham “todo o carisma de unidades centrais de aquecimento”.
- Coube a Naren Shankar, então trabalhando como consultor científico da série, a tarefa de retrabalhar o roteiro. Depois de contribuir com muitos episódios em A Nova Geração e Deep Space Nine, Shankar teria uma carreira longeva e de sucesso. Entre os fãs de ficção científica, ele ficu mais conhecido como o showrunner da série The Expanse, lançada em 2015.
- Shankar lembra que a premissa levou a conversas na equipe de roteiristas sobre “inteligência artificial e o que realmente definia algo como um ser vivo, mesmo que fosse um organismo cibernético”. Ele comentou: “Em que ponto a inteligência de máquina deve ser descrita como ‘viva’? O que no fim chegamos foi que é quando algo desenvolve um instinto de sobrevivência, mostrando que tem medo de morrer. E esse é o ponto quando Data decide que esses dispositivos são uma forma de vida que merece ser salva.”
- Sobre a decisão de Data, Shankar disse: “Era uma conclusão lógica. São bons momentos com Data, quando você pode acomodar algo emocional dentro do quadro de uma dedução lógica – torna-se muito mais tocante para um androide tomar esse tipo de decisão.”
- A despeito disso, Shankar sofreu para escrever os argumentos sobre vida e inteligência e achou que algumas das posições de Data pareciam fracas. “Você pode aplicar ideias muito similares a bactérias ou a formas de vida unicelular de vários tipos. De acordo com esse argumento, essas devem ser formas de vida inteligentes também, mas são mesmo? Eu não acho. Quem deve dizer onde traçamos a linha?”
- O roteirista também se incomodou com parte do discurso que lembrava muito o de movimentos antiaborto. Ele comentou: “Eu sou fortemente pró-escolha e escrever um episódio como esse é de alguns modos difícil porque eu não necessariamente concordava com ele o tempo todo, mas você ainda tem de fazer uma defesa forte. Acho que de muitos modos isso foi realizado, e de outros, não.”
- A doutora Farallon ganhou seu nome das ilhas Farallon, na costa de São Francisco.
- Inicialmente os exocomps eram chamados de metacomps, uma contração de metamorphic computer, ou “computador metamórfico”. Tiveram de mudar depois que o departamento legal descobriu que havia uma companhia com esse nome.
- A cena do pôquer que abre o episódio foi adicionada ao roteiro porque o episódio estava curto demais.
- Naren Shankar queria que os exocomps fossem dispositivos modulares que seriam encaixados a ferramentas existentes, “como um brinquedo Transformer de alta tecnologia”. Eles deveriam ser alienígenas em aparência e era um objetivo que não tivesse um “tipo R2-D2 bonitinho”, para fugir do clichê de Star Wars.
- O desenho dos exocomps coube ao ilustrador e consultor técnico Rick Sternbach, que passou por muitos rascunhos antes de ter um aprovado pelos produtores. O design final era vagamente baseado na personagem Nanmo, da série animada The Dirty Pair.
- A produção só tinha dinheiro para construir dois exocomps. Em cenas em que três apareciam, o terceiro foi introduzido digitalmente em pós-produção.
- LeVar Burton aparece de barba aqui com autorização dos produtores, para manter o visual em seu casamento.
- Jonathan Frakes dirige seu quinto episódio de A Nova Geração. Ele terminaria a série com oito.
- Frakes elogiou a atuação de Ellen Bry: “Diferentemente da maioria das atrizes que leram, ela parecia lidar com a linguagem que na boca das outras atrizes parecia tediosa. Ela de algum modo tinha paixão ao falar e era capaz de fazer os diálogos com a mesma vivacidade que Brent [Spiner] e LeVar [Burton] tinham diariamente.”
- A atriz Ellen Bry, que interpreta a dra. Farallon, já fez papéis em diversas séries de TV, como Chicago Hope, Baywatch, Dallas, CHiPs e Party of Five. No cinema, ela esteve em Impacto Profundo, que também contava com Denise Crosby, a Tasha Yar de A Nova Geração.
- Jonathan Frakes avaliou favoravelmente este segmento. “Foi meio pesado em tecnobaboseira, mas, levando tudo em consideração, acho que o episódio saiu-se bem.” Ele admite, contudo, frustração com a cena do pôquer, em que a aposta fica no ar e não chega a ser resolvida ou mencionada.
- Voltamos a ver um exocomp na série animada Lower Decks, que revela que eles já são reconhecidos como formas de vida sencientes em 2380 (11 anos depois de “A Quality of Life”, ambientado em 2369). Uma oficial exocomp chamada Cesta de Amendoim se torna parte da tripulação da USS Cerritos em “No Small Parts”, da primeira temporada, e depois vira personagem recorrente da série, chegando a ter um episódio focado nela no terceiro ano (“A Mathematically Perfect Redemption”).
Ficha Técnica
Escrito por Naren Shankar
Dirigido por Jonathan Frakes
Exibido em 14 de novembro de 1992
Título em português: “Qualidade de Vida”
Elenco
Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher
Elenco convidado
Ellen Bry como Farallon
J. Downing como Kelso
Majel Barrett como voz do computador
Enquete
Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria