VOY 3×22: Real Life

Doutor descobre as dores de ter uma família

Sinopse

Data estelar: 50863.2

Quando a Voyager se depara com um vasto campo de destroços, a tripulação conclui que isso é tudo o que resta de uma estação espacial alienígena para a qual estavam indo. Ao encontrar uma estranha trilha de partículas de plasma no local, a nave altera seu curso para solucionar o mistério acerca do que aconteceu com a estação.

Enquanto isso, em um esforço para expandir os horizontes de seu programa, o Doutor cria uma família holográfica “perfeita”: uma esposa chamada Charlene, o filho adolescente Jeffrey, e uma filha de dez anos de idade chamada Belle. Depois que o médico convida Kes e Torres para jantar com seus “familiares”, a tenente o avisa que aquilo não é uma visão precisa da vida familiar e oferece ajuda para tornar o cenário mais realístico.

À medida que a Voyager segue a trilha de partículas, um fenômeno semelhante a um tornado emerge do subespaço e a atinge. A nave consegue escapar da anomalia relativamente intacta e Chakotay sugere que da próxima vez que aquilo acontecer, eles tentem capturar algumas das partículas altamente carregadas. No holodeck, as alterações de Torres não agradam o Doutor; sua esposa agora trabalha, sua filha reclama o tempo todo e o filho se envolve com Klingons violentos.

Paris sugere que levar uma nave auxiliar até o centro do fenômeno pode ser a melhor oportunidade de capturar as valiosas partículas de plasma. Quando a anomalia entra em erupção novamente, ele tenta a manobra e acaba sendo pego de surpresa por um segundo tornado. A tripulação assiste assustada Paris desaparecer.

O Doutor tenta resolver a complicada situação com o filho. A conversa se transforma em uma discussão que acaba interrompida pela notícia de que Belle foi seriamente ferida em um acidente. Percebendo que a filha está para morrer, ele abruptamente interrompe o programa do holodeck.

Paris descobre que está preso entre o espaço e o subespaço, e conclui que a única forma de sair de lá é a mesma pela qual entrou: dentro de um tornado. Quando uma enorme tempestade surge no espaço normal, a Voyager consegue transportá-lo a bordo. Na Enfermaria, Paris convence o Doutor a retornar ao holodeck e encarar a dor que a vida inevitavelmente traz. O médico então reativa seu programa e permite-se experimentar o sofrimento da perda e o consolo que vem da união que a tragédia trouxe ao resto da família.

Comentários

Como é de praxe em Voyager, a história da semana se sustenta em duas tramas paralelas, uma delas trabalhando o lado psicológico de um personagem, e a outra, o fenômeno espacial da semana.

Apesar da fórmula batida, “Real Life” é, sem dúvida nenhuma, um dos pontos altos do terceiro ano, e o sucesso do roteiro pode ser atribuído à atuação sempre impecável de Robert Picardo, no papel do complexo médico holográfico da nave.

É irônico que durante os primeiros episódios da série o Doutor fosse o personagem menos explorado e mais subestimado pelos roteiristas, constantemente deixado de lado sem nada para fazer, e agora passe a ser o centro das atenções e um dos tripulantes mais amados da nave. Parece que os produtores resolveram assumir alguns riscos, atitude surpreendente, diga-se de passagem, e tentaram inserir o telespectador no universo particular do Doutor. Aqui, o EMH não se parece em nada com Data, de A Nova Geração, a inteligência artificial perfeita em suas ações (em quem os criadores de Voyager se basearam para desenvolvê-lo). Pelo contrário, o personagem de Picardo é conflitante, irregular, às vezes contraditório; é humano. Novamente, o fã atento não deixa de perceber a ironia da situação: o médico-chefe, mero exemplar de tecnologia do século 24, é o personagem mais humano e carismático da série!

A princípio, o que mais chama a atenção na história é o fato de o Doc ter finalmente adotado um nome para si. No holodeck, sua família holográfica o trata por Kenneth. Mas, “como alegria de pobre dura pouco”, ele volta ao velho EHM ao final do episódio, e pelo mesmo motivo que o fez em “Heroes and Demons”, da primeira temporada. A dor da perda de alguém com quem se importava o dissuadiu de usar um nome definitivo.

A família irritantemente funcional é outro ponto que chama a atenção. Apesar de dramático, o roteiro abre espaço para o humor, que é a grande característica de Picardo. Só que a comicidade da situação é às vezes superada pela abordagem muito ingênua do tema. Sendo uma enciclopédia ambulante, programada com mais de 5 milhões de referências médicas (incluindo conteúdo sobre psicologia), e convivendo há 3 anos entre 150 pessoas de raças diferentes, como é que o Doutor poderia acreditar que a família que ele criou era um retrato fiel da realidade? Será que era mesmo necessário que a explosiva B’Elanna Torres lhe desse uma indicação do que é verossimilhança? É em momentos como esse que o Doc mais se assemelha a uma criança do que a um médico experiente.

Em todo caso, a participação de Torres na história foi interessante. Por experiência própria de vida, a engenheira sente-se quase insultada quando conhece a sra. Kenneth e cia., após um convite do Doc. E deveria sentir-se mesmo. Abandonada pelo pai aos 5 anos e com contas a acertar com a mãe, uma Klingon de temperamento difícil, certamente não era tarefa fácil engolir o “bando de pirulitos perfeitos”. A parte interessante aparece nas escolhas de Torres na hora de reprogramar a família do Doutor. Ela leva a situação de um extremo ao outro. A esposa se transforma numa mãe ausente e neurótica, a filha não passa de uma garotinha mimada e irritante, e o filho, um adolescente revoltado e cercado por más companhias.

Curioso também é o modo como o médico tenta resolver as novas crises domésticas que vieram com a família modificada. Ele é técnico e teórico até a última gota. Tenta ingenuamente acertar os problemas estabelecendo regras e rotinas para cada um dos familiares. Só que ele não antecipa as respostas que decorrem disso e tem dificuldade em compreender as reações à sua volta. A esposa o repreende na frente das crianças e o filho o deixa falando sozinho. A resposta inesperada vem da filha, a garotinha mimada. Ela é a única que compreende as intenções de Kenneth.

Enquanto o drama familiar se agrava no holodeck, o resto da tripulação se mantém ocupado com uma anomalia sem nome ou classificação. A USS Voyager deve ter quebrado todos os recordes da Frota, no que diz respeito a fenômenos espaciais. Aparentemente, o quadrante Delta tem mais atividade cósmica do que qualquer outra região da galáxia.

Tom Paris se aventura em um tipo de universo paralelo e apresenta ao telespectador o “melhor” tipo de tecnobaboseira que existe. O que fica mal explicado nessa história é como a sonda continua enviando dados à Voyager depois de sumir dos sensores e, da mesma forma, como Tom Paris consegue estabelecer contato daquela outra dimensão. Mas como fica muito claro que essa trama secundária serve apenas para ambientar a problemática em torno do Doc, ela não merece tanto espaço nos comentários.

O clímax do episódio é com certeza a cena em que a filha do Doutor se acidenta no holodeck, e ele perde o controle e desativa o programa. Esse momento é um dos mais profundos da série. Merece destaque a cena que se segue, com o médico e Tom Paris na Enfermaria. Os papéis se invertem. Paris, o incorrigível, depois de levar um hilário sermão do Doc, transmite a sabedoria, a sensatez e a moral da história. Mas ele não o faz de uma forma piegas. Ele é muito convincente e acaba convencendo o EMH a testemunhar a morte de sua filha, como parte da experiência familiar. Só um parênteses: é lindo quando Paris fala que as circunstâncias que aprisionaram a Voyager no quadrante Delta aproximaram todos a bordo e os transformaram numa família, e que os tripulantes se apóiam uns nos outros para contornar a dor do isolamento. É isso que os fãs sempre quiseram, mas sabe-se que, de fato, não foi o que aconteceu.

Com pontos altos e baixos, como em todo episódio. “Real Life” é um vencedor e só vem para reafirmar o potencial do EMH e o talento de Picardo.

Avaliação

Citações

“You’re not going to learn anything from being with these lollipops.”
(Você não vai aprender nada estando com esses pirulitos.)
B’Elanna

“You’re in fine physical shape, Lieutenant. You may go ahead and engage in this reckless activity.”
(Você está em boa forma física, tenente. Pode ir em frente e se meter nessa atividade imprudende.)
Doutor

Trivia

  • Kate Mulgrew protestou junto aos produtores sobre este episódio. Ela achava que havia mais a explorar no relacionamento de Janeway com sua tripulação. “Eu gostaria de vê-la em suas relações com sua tripulação. Pessoas reais. É por isso que fui tão enfática ao protestar contra o episódio do Doutor, ‘Real Life’, porque o Doutor, que era um holograma, deveria ser o único a explorar relacionamentos?”
  • Este é mais um episódio de mal-funcionamento no holodeck. O Doutor cria para si uma esposa e dois filhos, mas quando os problemas começam a aparecer, adivinha de quem é a culpa?
  • Linsdey Haun já havia aparecido em Voyager, como a personagem holográfica Beatrice Burleigh de “Learning Curve” e “Persistence of Vision”, da primeira e segunda temporadas, respectivamente.

Ficha Técnica

História de Harry Doc Kloor
Roteiro de Jeri Taylor
Dirigido por Anson Williams

Exibido em 23 de abril de 1997

Título em português: “Vida Real”

Elenco

Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B’Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Jennifer Lien como Kes
Ethan Phillips como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Garret Wang como Harry Kim

Elenco convidado

Wendy Schaal como Charlene
Glenn Walker Harris, Jr. como Jeffrey
Linsdey Haun como Belle
Stephen Ralston como Larg
Chad Haywood como K’Kath

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Edição de Ricardo Delfin

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