Premissa bizarra não se salva nem com interpretação espetacular de Bashir
Sinopse
Data estelar: Desconhecida
Bashir está almoçando com Garak no Replimat, resmungando sobre a chegada do seu aniversário de 30 anos. Quark se aproxima com Altovar, um Letheano. O Alienígena quer obter uma remessa de gel biomimético, uma substância rigidamente controlada pelas leis da Federação e extremamente perigosa. Bashir obviamente nega tal pedido, para desapontamento do alienígena. Mais tarde, Bashir surpreende Altovar revirando a sua enfermaria, mas quando tenta detê-lo é imobilizado e cai inconsciente, vítima do que parece ser uma descarga elétrica dirigida para sua cabeça.
Bashir acorda, para encontrar uma estação aparentemente deserta, escura e com poucos sistemas ainda funcionando. Ele também observa o seu cabelo ficando grisalho progressivamente. O médico encontra Quark petrificado, atrás do balcão do seu estabelecimento, morrendo de medo, encolhido nas sombras, enquanto alguma criatura escondida e ainda não identificada destrói o seu bar. Quark acaba por fugir assustado. Bashir encontra Garak no escritório de Odo, que diz que não parece haver viva alma na estação e que nada funciona além das mais básicas funções de suporte de vida e locomoção (como turboelevadores e portas automáticas).
Eles decidem se separar para tentar chegar mais rápido ao cerne do problema que assola DS9. Bashir é perseguido por Altovar em um corredor do anel de habitação e tem sorte em escapar pelo turbo-elevador. Ao sair do elevador, ele encontra Kira, Odo, Dax e O’Brien discutindo a situação na sala de conferências. Os seus quatro colegas agem estranhamente e Bashir, agora aparentando ter uns 55 anos, não consegue obter respostas que façam sentido de nenhum deles. Eles apenas insistem que Altovar quer destruir a estação, mas nada conseguem esclarecer sobre o ocorrido até então.
O’Brien faz um reparo parcial do receptor subespacial. Podemos ouvir sussurros, iguais aos que vêm acompanhando Bashir desde que ele acordou. Agora ele consegue compreender as vozes. Elas são dos reais tripulantes de DS9, que dizem que Bashir está em coma devido ao ataque telepático de Altovar e que ele está à beira da morte. Depois de examinar os outros quatro e a si próprio com um tricorder, Bashir conclui que de fato ele está em coma, que eles são apenas representações de diferentes facetas de sua personalidade, a “estação” é uma representação de sua mente e “Altovar” é uma representação do dano telepático que o real Letheano causou ao seu cérebro.
Mas, antes que possa arquitetar um plano para reparar a “estação” e se salvar, “Altovar” leva “Dax” e Bashir se vê jogando tênis com “Garak” no meio do “Promenade”. Bashir se dirige ao “OPS” para tentar reparar o dano. Ele tenta levar “Sisko” com ele, mas o “comandante” também desaparece pelas mãos de “Altovar”. Ele não para de envelhecer e encontra “Kira” morta e “Odo” morrendo. Ele encontra “O’Brien” pelo caminho, mas surpreendentemente vai parar de novo no “Quark’s”, onde apostas são feitas para ver quanto tempo ele ainda vai resistir. “O’Brien” morre subitamente e “Altovar” também acaba com a vida de “Quark”.
Bashir foge e acaba encontrando novamente Garak, que o aconselha insistentemente a desistir, mas o doutor acaba o convencendo a ajudá-lo a chegar ao “OPS”. Ele assim o consegue, já com aparentemente 100 anos, e tem uma festa surpresa de aniversário a sua espera. Com direito a uma garota Dabo para cantar “Parabéns”. Bashir não desiste e acaba descobrindo que “Garak” na realidade era “Altovar” o tempo todo. Bashir volta a “enfermaria”, que ele considera o centro de sua vida (e não o “OPS”) e começa a fazer reparos, que agora surtem efeito, para a surpresa de “Altovar”. Bashir o prende em um campo de quarentena e o esteriliza completamente. Bashir acorda na enfermaria, para alívio de Sisko e cia.
Bashir e Garak têm novamente um almoço juntos. O real Altovar foi preso por Odo, pouco depois de atacar Bashir, e o doutor diz que, após a experiência que teve, fazer 30 anos não é nada de mais. Garak ficou fascinado que a mente do doutor o tenha escolhido como o vilão da história. O Cardassiano observa que, apesar de tudo pelo qual eles já passaram juntos, Bashir ainda não confia nele. Ele diz que ainda existe esperança para o jovem doutor.
Comentários
Aqui temos um claro caso em que um roteiro cheio de defeitos não pôde ser salvo nem mesmo pelos maiores esforços dos principais envolvidos em sua execução, notadamente o ator Siddig El Fadil e o maquiador-chefe Michael Westmore. O roteiro tem pouca orientação ou urgência, sem falar em um excesso de exposição, com uma total falta de sutileza. E uma irônica falta de imaginação (devido à premissa da história). Bashir merecia mais do que isso. Mais detalhes, sem precisar entrar em coma e acabar lutando pela vida dentro da sua própria mente no processo, nas linhas abaixo.
Falemos inicialmente sobre os poucos bons momentos desta semana. As melhores coisas do episódio são as duas cenas de Bashir e Garak, que iniciam e terminam o segmento respectivamente. A cena inicial continua a nos mostrar as particularidades da literatura Cardassiana (ver “The Wire” sobre isso) e apresenta o fato de que Bashir tem medo de envelhecer. Este foi o único simbolismo que realmente funcionou. Se ele estava tão impressionado com a chegada dos seus 30 anos pouco antes do ataque de Altovar, faz sentido que sua mente utilizasse tal medo na forma de representar a sua iminente morte. A cena final mantém aceso o relacionamento entre o médico e o “alfaiate”. Tirando os extremos do segmento, o miolo é largamente podre e fruto de um roteiro incerto, que não deveria ter entrado em produção.
Felizmente o episódio não tentou carregar o seu mistério até o final, o que seria largamente insustentável. De fato ele demorou até demais em revelar um segredo que já era largamente reconhecível naquele momento. O mais inteligente em tal situação é chegar o mais rápido possível na posição de fazer uma análise do personagem. Você está na mente de um personagem, um fascinante lugar para oferecer simultaneamente uma envolvente aura surreal e um profundo estudo do personagem. Infelizmente nada disso aconteceu.
O ângulo simbólico do episódio foi bastante tímido e pouco inspirado e, pior que tudo, largamente explicado com doses maciças de exposição e falta de sutileza. Simbolismo explicado não é simbolismo nenhum. O fato de Bashir utilizar a estação para o cenário de suas alucinações e projetar as diferentes facetas de sua personalidade nas versões dos personagens regulares em sua mente é uma grande conveniência da produção da série. E mesmo esse cenário restrito foi mal aproveitado.
É verdade que tivemos alguns lampejos de inventividade. O súbito jogo de tênis com “Garak”, improvisado no meio do “Promenade”, e a inesperada festa de aniversário no “OPS”, com direito a uma garota Dabo cantando “parabéns para você” (sem falar nas bolas de tênis caindo de onde deveriam estar as componentes do computador central) foram boas idéias. Porém foram poucas e ainda assim muito conservadoras e pouco coesas. Nós deveríamos ter tido uma metralhadora incessante de tais reviravoltas, com pouca exposição e um forte simbolismo. Infelizmente ficamos longe de tal ideal.
Chegando ao personagem, a escolhida distribuição das diferentes facetas da personalidade de Bashir pelos outros personagens faz pouco sentido (talvez as únicas exceções tenham sido “Sisko” e “Garak” diante das circunstâncias) em termos do que conhecemos sobre os reais personagens. E tal cenário como um todo falha completamente em oferecer algum tipo de visão ou pensamento relevante de Bashir a respeito dos seus colegas de estação. Isso sem falar na falta de consistência. “Quark” inicialmente parece representar o medo de Bashir, para pouco depois, recolher apostas sobre quando o doutor vai morrer. Foi outra má e pouco sutil idéia usar a imagem de Altovar como um vilão a ser vencido dentro da mente de Bashir, isso não era necessário.
O episódio faz a escolha em simplesmente envelhecer Bashir, aproximando-o da morte à medida que suas facetas vão sendo eliminadas, sem se preocupar em produzir alguma mudança perceptível em Bashir com tais “mortes”. Isso já é um problema, mas o problema maior vem do fato de que o roteiro nunca explica “o que sobrou”. Que parte de Bashir fez a diferença no final? O que fez o seu quadril sarar na volta à enfermaria? O que possibilitou a sua “vitória” final sobre “Altovar”? O roteiro parece não dar a mínima. Além da manufatura da “vitória” em si.
O roteiro lembra do chá Tarkeliano (característica de Bashir desde sempre) e mesmo dos cursos de extensão em engenharia do doutor, citados em “Armageddon Game”, mas acabam esquecendo a interessante história da “bailarina de Bashir”, do mesmo episódio. O que seria uma escolha do doutor que faria todo sentido ser trazida para cima da mesa de discussão do episódio. Mais uma chance desperdiçada.
A direção de Singer foi excelente. O esforço dele para coreografar a longa cena de discussão na sala de conferências e manter a câmera em movimento e fluida por toda a tomada é largamente apreciado. Trabalhou bastante para trazer uma aura surreal que tanto o episódio precisava e que era mal construída pelo roteiro. West também tirou “água de pedra” com um apertado orçamento e poucas referências ou suporte do roteiro. Westmore também esteve em plena forma, nos estágios finais da maquiagem de Bashir e também na de Altovar.
O destaque da semana vai obviamente para El Fadil. Talvez a mais perfeita representação de uma pessoa envelhecida em Jornada. A riqueza e a consistência do gestual foram de uma competência e de uma naturalidade admiráveis. O ator realmente se entregou ao papel. Quando Bashir acorda na enfermaria, o choque produzido pela diferença nas feições e no gestual é notável. Os demais atores regulares se esforçaram e fizeram muito, dentro da bizarra situação em que foram inseridos. Shimerman fazendo um sotaque britânico foi um outro óbvio e absurdo destaque.
Rivers interpretou um “Vilão de história em quadrinhos” (TM) à perfeição (o que não é um elogio). Muito pobre. Gillespie e Forester fizeram o pouco que foi pedido delas. O destaque fica com o sempre irrepreensível Robinson. Excelente mesmo sem ser muito exigido.
O episódio tem a marca de seu criador, Joe Menoski. Ele participou da criação dos seguintes episódios de DS9: “Dramatis Personae”, “Rivals”, “Distant Voices” e “Time’s Orphan”. Todos com premissas bizarras e todos se tornando fracassos para a série.
O gel biomimético voltaria ser citado, como capaz de ser utilizado na fabricação de armas biogênicas, em “In the Pale Moonlight”, clássico absoluto da sexta temporada da série.
“Distant Voices” é mais um péssimo episódio de DS9, que toma um tortuoso e errático caminho para chegar à condição de poder fazer um estudo profundo na personalidade de Bashir. A triste constatação é que, apesar de estarmos na mente do personagem por quase todo o episódio, tal “estudo” se prova um extremo desapontamento, em que descobrimos surpreendentemente pouco (se algo) sobre o jovem doutor. O confronto final entre Bashir e “Altovar” é completamente simplório e artificial, um verdadeiro arremedo de resolução.
Avaliação
Citações
“I’ve had enough of this. I am not some figment of your imagination!”
(Pra mim já basta. Eu não sou uma faísca da sua imaginação!)
Kira
“The challenge [of Cardassian mysteries] is determining exactly who is guilty of what.”
(O desafio [das obras de mistério Cardassianas] é determinar exatamente quem é culpado do quê.)
Garak
“I’m part of you, remember? I know what you know. Well, maybe a little more, hm?”
(Eu sou parte de você, lembra? Eu sei o que você sabe. Bem, talvez um pouco mais, hm?)
Garak
“Just doing my job.”
“No, you’re not –you’re doing my job.”
(Só estou fazendo meu trabalho.)
(Não, não está –você está fazendo o meu trabalho.)
Sisko e Bashir
“And what I find interesting is how your mind ended up casting me in the role of the villain! […] To think, after all this time, all our lunches together, you still don’t trust me. There’s hope for you yet, doctor.”
(E o que acho interessante é como sua mente acabou me escalando no papel do vilão! […] Pensar, depois de tudo, de nossos almoços juntos, que você ainda não confia em mim. Ainda há esperança para você, doutor.)
Garak
Trivia
- A história do episódio foi chamada originalmente de “Too Many Rooms” e foi criada por Joe Menoski, ainda vivendo na Europa na época. O conceito original não utilizava os demais personagens regulares na representação da mente de Bashir e o ângulo do simbolismo era muito mais extremo. Foi Ron Moore que sugeriu as modificações que possibilitaram o aproveitamento da história, especialmente levando em conta o orçamento da série. Então Wolfe e Behr escreveram o roteiro. Aliás, Bashir é o personagem com quem Wolfe mais se identifica.
- El Fadil esteve em praticamente cada cena e teve um imenso trabalho de maquiagem (a “pior experiência da minha vida”, segundo o ator), que durava três horas por aplicação. Anos mais tarde ele declarou que ganhou um pagamento extra por não ter tido o descanso regular entre duas jornadas de trabalho consecutivas. E também pelo estouro de tempo de uma típica jornada de trabalho.
- René Auberjonois usou o seu treinamento em mímica (sentando em uma almofada) na cena em que Odo aparece “se derretendo”. Na cena em que Bashir encontra Odo, Kira, O’Brien e Dax na sala de conferências, o diretor Alexander Singer teve grande cuidado em manter a cena interessante visualmente, utilizando a “câmera na mão” (uma steadycam não conseguiria fazer o serviço), manejada pelo próprio Jonathan West. Singer queria uma tomada única de toda a cena, mesmo que fosse editar um eventual close de Bashir na versão final. Ele conseguiu lá pela quinta tentativa. O diretor ficou tão orgulhoso com o resultado final que passou a usar a tomada em suas aulas de edição e direção.
- West também fez coisas que nunca tinha feito antes, apagando todo o cenário (só deixando aceso os campos de estrelas que normalmente enfeitam as janelas voltadas para o espaço da estação) e acendendo elementos específicos para necessidade cada cena. Um procedimento extremamente demorado.
- O episódio recebeu um prêmio Emmy de melhor maquiagem. O maquiador Michael Westmore acredita que a maquiagem final (envelhecida) de Bashir foi o que valeu o prêmio. Mas diz também que Altovar foi um alienígena bastante diferente do que ele já havia feito para qualquer série de Jornada. Outro milagre da maquiagem foi o cadáver de O’Brien, composto por uma máscara de Colm Meaney e aplicada em um manequim. Dennis McCarthy também tentou inovar na trilha sonora adicionando elementos de Ligeti (famoso compositor minimalista húngaro).
- Considerando acontecimentos posteriores da série (o fato de Bashir ser geneticamente aperfeiçoado e ter lutado com este fato por toda a sua vida), Altovar estava realmente certo quando disse que Bashir errou de propósito a questão de seu exame final, para não ser o primeiro da sua turma. Ver “Doctor Bashir, I Presume”, da quinta temporada da série, para mais detalhes desta questão.
Ficha Técnica
História de Joe Menosky
Roteiro de Ira Steven Behr & Robert Hewitt Wolfe
Dirigido por Alexander Singer
Exibido em 10 de abril de 1995
Título em português: “Vozes Distantes”
Elenco
Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O’Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko
Elenco convidado
Andrew Robinson como Garak
Victor Rivers como Altovar
Ann Gillespie como a enfermeira Jabara
Nicole Forester como uma garota Dabo
Balde do Odo
Enquete
Edição de Mariana Gamberger