Ei, você! É, você mesmo! Que tal falar um pouco do novo seriado de ficção científica baseado na obra de Gene Roddenberry? Ei, volte aqui, seu covarde! Eu não estou falando de Enterprise, mas sim de “Gene Roddenberry’s Andromeda”.
Eu admito. Quando ouvi falar que a produtora canadense Tribune estava anunciando mais uma série baseada em uma idéia de Roddenberry, meu lado cético logo veio à tona. Depois da tentativa da Tribune em produzir algo de qualidade com “Terra: Conflito Final” (uma série que começou com o pé direito, mas logo se perdeu, graças a conflitos entre produtores, roteiristas e atores), uma nova série baseada em parte em “Genesis II” e “Planet Earth“, dois filmes-piloto produzidos por Roddenberry em 1973 e 1974, não me seduziu em nada. Mais uma tentativa de Majel Barrett-Roddenberry vender mais material supostamente criado por seu falecido marido pássaro da galáxia, pensei eu.
Aí uma coisa estranha aconteceu. Eu cansei de Jornada nas Estrelas (ou melhor, da pseudo-Jornada nas Estrelas assinada por Rick Berman e Brannon Braga) que o pobre canal UPN não cansa em promover como a melhor Jornada de todos os tempos. Yeah, right. Para começar, Voyager estava encerrando sua jornada televisiva com episódios bizarros e tão ruins que faziam o terceiro ano da Série Clássica parecer uma obra-prima. E Enterprise… bom, Enterprise para mim vem sendo apenas mais da mesma pobreza de sempre. Um buraco negro de cronologia e falta de imaginação, com seus reciclados aparecimentos de Ferengis, holodecks, transmorfos, gatas em roupa colante e o eterno fetiche de Braga por viagens no tempo e anomalias, fez com que Jornada nas Estrelas fosse onde nenhuma de suas séries jamais foi. Se tornou puro clichê, uma paródia de si mesma. Foi-se a época em que gênios como Piller e Behr criavam o melhor de A Nova Geração e Deep Space Nine para Berman. Bom, não se pode ter tudo. Pelo menos Braga não está envolvido com “Nemesis”…
Mas estamos aqui para falar de “Andromeda” e não dos minhas decepções com Berman e Braga. Então, onde eu estava mesmo? Ah, sim… bom, de qualquer forma, ao mesmo tempo em que isso tudo acontecia nos estúdios da Paramount, e eu escrevia meus artigos para o TrekWeb, duas notícias sobre “Andromeda” me deixaram curioso sobre a série. A primeira era que Robert Hewitt Wolfe, um dos melhores roteristas que DS9 jamais teve, tinha sido contratado pela Tribune como roteristas-chefe e produtor- executivo. A segunda notícia é que a Tribune anunciava “Andromeda” como o novo veículo para o ator Kevin Sorbo, o eterno Hércules. Sorbo pode ser um canastrão assumido, mas seu bom humor e carisma em “Hércules” (adoro aquela série… e “Xena“!) até que dariam um capitão de nave estelar mais humano e heróico, mais na linha de Bill Shatner e seu James T. Kirk. Com isso tudo, “Andromeda” de repente começou a parecer uma boa idéia para mim. Pedi a um amigo dos EUA que me enviasse os episódios. O que eu tinha a perder?
E então que veio a grande decepção. Os primeiros episódios (com exceção do piloto) não faziam jus à premissa da série. Após ser sido traído pelo seu primeiro-oficial, o capitão Dylan Hunt e sua enorme nave estelar, a Andromeda Ascendant, são congelados no tempo por 300 anos dentro de um buraco negro. Ao serem resgatados pela nave Eureka Maru, Hunt descobre que sua amada System Commonheath e sua nobre High Guard (ou melhor, sua “Federação Unida de Planetas” e sua “Frota Estelar”) deixaram de existir, depois de uma terrível guerra. Junto a Andromeda, cuja inteligência artificial agora habita um corpo andróide (vivido pela sexy e excelente atriz Lexa Doig) e ao recém-recrutado grupo de tripulantes do Eureka Maru, Hunt parte na cruzada de reconstruir a Commonheath e restaurar a paz e a ordem na galáxia. Legal, hein?
Bom, depois de um episódio-piloto interessante, mas com péssimos efeitos especiais e produção capenga, parecia que “Andromeda” fazia o Star Trash de Brannon Braga uma obra prima da dramaticidade. Mas o meu desânimo com a atual Jornada nas Estrelas e a Akiraprise (ok, é a última vez que eu digo isso) fez com que eu desse a “Andromeda” uma segunda (e terceira e quarta) chance.
E, para a minha surpresa, não é que “Andromeda” foi ficando melhor com cada episódio? No melhor estilo de A Nova Geração e Deep Space Nine, a série foi se definindo como um sucesso extraordinário no syndication americano e passou a mostrar roteiros mais bem construídos e originais. A produção também foi melhorada, com efeitos especiais de melhor qualidade (mas mesmo assim, longe dos sensacionais efeitos produzidos pela Foundation Imaging para Voyager e Enterprise). Sorbo e os outros atores se aproveitaram dos bons roteiros para dar a seus personagens uma boa dose de humanismo e caracterização, algo que cai de bom tom com o legado de Roddenberry (e dos trekkies).
O capitão Dylan Hunt está longe de ser um clone futurista de Hércules, e grande parte de sua ótima caracterização vem do carisma de Sorbo, que realmente investiu seu tempo e suor para construir um personagem ao mesmo tempo heróico e humano (ouviu isso, Bakula?).
Mas nem tudo vai bem no universo de “Andromeda”. Parece que, afinal de contas, se mexe em time que está ganhando. No meio de uma ótima segunda temporada, Sorbo resolveu mexer seus músculos (que não são poucos, em todos os sentidos) e assumir de vez seu papel como produtor. Ele forçou a Tribune a despedir Hewitt Wolfe e dar um conteúdo de mais ação e aventura a série, eliminando o arco de episódios sobre a “volta da Commonhealth”, ou seja, toda a premissa que Wolfe vinha desenvolvendo para a série.
A personagem Trance Gemini sofreu uma mudança radical e o personagem Rev Bem foi cortado da série, tudo numa tentativa de transformar o universo dark de “Andromeda” em algo mais sedutor para o público.
Se a série vai manter sua qualidade na terceira temporada ou simplesmente se tornar “Hércules no espaço”, não se pode dizer ainda. Ainda assim, é bom saber que ainda existem séries como “Andromeda”, “Stargate SG-1” e “Farscape”, onde a magia da fronteira final permanece acesa.
Parabéns, Mr. Roddenberry.
Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 2002.