Premissa ousada de viagem no tempo gera um dos melhores episódios da série
Sinopse
Data estelar: 45652.1
Enquanto jogava pôquer com Riker, Data e Worf, uma estranha sensação de déjà vu ajuda Beverly a pagar o blefe de Will. Ela então é chamada à enfermaria para examinar Geordi, que está sofrendo de tonturas. Quando ela vai para a cama, naquela noite, é assombrada por estranhas vozes em seus aposentos. A nave continua a mapear a Expansão Typhon, uma região do espaço previamente inexplorada, até que um campo de distorção subitamente flutua, os sistemas principais de propulsão entram em colapso, e a Enterprise é atirada em um alerta vermelho, em curso de colisão com uma velha nave, que apareceu do nada. Riker recomenda a descompressão do hangar de naves auxiliares, mas Picard segue o conselho de Data e usa o raio trator para alterar a trajetória da outra nave. Infelizmente, essa opção fracassa, a nave colide, explode e é totalmente destruída.
Mais tarde, Riker, Data, Worf e Beverly estão jogando cartas novamente, e tanto Riker quanto Beverly percebem que sabem o que vai acontecer depois. Beverly é novamente chamada à enfermaria, quando ela e Geordi experimentam sensação de déjà vu. Quando ouve as vozes em seu quarto, ela imediatamente vai até Picard e conta que algo estranho está acontecendo. Ele decide ordenar a execução de um diagnóstico. Na manhã seguinte, enquanto discutem os resultados da pesquisa, a nave antiga novamente aparece, e mais uma vez a Enterprise é destruída.
O jogo de cartas está novamente acontecendo, mas desta vez todos os jogadores percebem que sabem as cartas que virão. Beverly antecipa que será chamada à enfermaria e, quando Geordi novamente se diz com tonturas, ela vai a Picard e repete sua exposição de que algo estranho está ocorrendo. Ela ouve as vozes em seu quarto, mas dessa vez as registra em seu tricorder. A gravação é estudada, e Data conclui que as estranhas vozes são as de toda a tripulação.
Beverly e Geordi percebem que estão presos em um laço de causalidade – uma dobra temporal que faz com que eles repitam indefinidamente o mesmo fragmento de tempo. Esse fenômeno está causando as tonturas de Geordi, e Data descobre que ele também explica as vozes gravadas, “ecos” de um laço anterior. Ele separa certos diálogos na gravação que indicam que a Enterprise sofreu um colisão com outra nave, explodiu e ficou presa na dobra temporal. Percebendo que o que quer que façam para evitar a colisão será provavelmente o mesmo que já fizeram antes, Data decide que a única esperança é enviar uma mensagem deliberada ao próximo laço. Eles se preparam para enviar a mensagem, o alerta vermelho soa novamente, e a nave é destruída.
Outro jogo de cartas se inicia, mas desta vez as cartas são diferentes, com várias aparições do número três. Coisas continuam a acontecer apontando o três, e o número é visto em todo lugar sem razão aparente. Além dessa diferença, todo o resto acontece como antes. Quando o alerta vermelho começa, Picard escolhe o conselho de Data sobre o de Riker. No último minuto, entretanto, Data nota os três pinos no uniforme do primeiro oficial e, percebendo que “três” foi a mensagem que teria enviado a si mesmo do laço anterior, ele põe em curso a ideia de Riker, o que evita a colisão.
A tripulação é contatada pela outra nave, a USS Bozeman, que acredita ainda estar em 2278. A Enterprise contata o Comando da Frota Estelar, que avisa que Picard e sua tripulação passaram 17 dias no laço temporal. A Bozeman ficou presa por 90 anos.
Comentários
“Cause and Effect” é um episódio de simplicidade ímpar. Uma sequência de eventos que se repete vez após vez, após uma conclusão catastrófica. O objetivo da tripulação tem de ser escapar do laço temporal. Simples assim, trama e roteiro beirando o experimental.
O elementar da história, entretanto, se paga nos detalhes. Quanto mais modesto é um enredo, mais importante se torna o modo pelo qual é executado. Aqui, a execução é tudo. O mérito, portanto, pelo grande sucesso do segmento vai para o diretor, no caso Jonathan Frakes, e para os atores, que souberam interpretar realisticamente a infindável sequência de eventos, sempre muito similares, mas sutilmente diferentes.
A variação das câmeras é tudo. Frakes busca alguns ângulos pouco usuais para causar a sensação de repetição, mas ainda assim diferenciando a cena de sua análoga de laços anteriores. Além de transmitir melhor a sensação de que os eventos acontecem várias vezes (e não uma vez só reprisada ad eternum), a troca de ângulos ajuda a não cansar o telespectador com as reprises.
A despeito das sutis diferenças entre cada uma das repetições, é inevitável alguma sensação de exaustão – muitas vezes intencional, plantada para reforçar a ideia de inevitabilidade. O exemplo mais consistente e marcante é o de Beverly derrubando seu copo (embora Gates McFadden faça uma força sobre-humana para levá-lo ao chão em uma das vezes, no que é provavelmente o lance mais fraco do episódio, em razão da falta de realismo).
Também é muito bem feito o clímax da história. Embora o “três” já se pronuncie claramente desde o início como a mensagem vinda do laço anterior, seu conteúdo é tão cifrado que consegue manter o telespectador no escuro até o último momento. Melhor ainda, a cena que revela a significação da mensagem é executada de maneira perfeita. Além de dar a impressão de que será novamente inevitável a colisão, ela permite que o telespectador faça a descoberta que irá salvar a Enterprise junto com Data. Em vez de uma explicação patética do androide, o que tiraria totalmente o clímax da cena, temos apenas um zoom na gola de Riker. Brilhante.
Do ponto de vista lógico, os saltos temporais transcorrem com razoável tranquilidade, sem nenhum paradoxo insolúvel pela frente. A única coisa que incomoda em qualquer episódio envolvendo viagem no tempo é a falta de critério para o processo. É difícil de entender como a Enterprise pode ficar repetindo o mesmo trecho do tempo infinitas vezes enquanto o resto do universo segue em frente, embora tenhamos visto fenômenos similares em episódios como “We’ll Always Have Paris”. Mas o bonito de segmentos desse tipo é justamente isso: a coisa é tão especulativa que nem é preciso ficar pensando muito sobre potenciais explicações ou qualquer falta de coerência.
Ou seja, um prato cheio para Brannon Braga, que acertou em cheio desta vez. Além de possuir diálogos interessantes e bem escritos, o roteirista conseguiu fazer excepcional uso de uma premissa de ficção científica arrojada, mas potencialmente tediosa. Coube a ele o mérito da ideia, mas a qualidade do produto final dependia totalmente do resto da produção. Vale destacar que “Cause and Effect” antecede em um ano o mais famoso filme a explorar uma premissa similar, o clássico Feitiço do Tempo (1993), com Bill Murray.
Os efeitos visuais cumprem bem o seu papel, especialmente no momento da colisão das naves. Somente a explosão da Enterprise-D deixa a desejar, transparecendo que se trata ali de um modelo, e não uma espaçonave de verdade. Difícil realizar a contento um evento tão grandioso quanto essa destruição, ainda por cima múltiplas vezes, em um orçamento de episódio regular de TV.
Avaliação
Citações
“All hands abandon ship! Repeat: all hands abandon…”
(Todo o pessoal, abandonar a nave! Repito: todo o pessoal, abandonar…)
Jean-Luc Picard, pouco antes de cada destruição da Enterprise-D
Trivia
- Brannon Braga pensou nessa história ao tentar encontrar um meio de evitar clichês de viagens no tempo. “Eu adoro histórias de viagem no tempo e não conheço quem não goste. Eu queria fazer uma história de viagem no tempo que nunca havia sido feita antes. Estar preso em um laço temporal é uma que eu nunca havia visto antes.”
- O roteirista aponta que o mecanismo ficou conhecido por meio do filme Feitiço do Tempo, mas o episódio foi escrito e exibido antes do filme.
- Alguns elementos foram incluídos posteriormente, como o uso do jogo de pôquer. Esta tradição da tripulação já estava virando recurso manjado entre os roteiristas quando era preciso esticar um episódio, o que os fez abandoná-lo por um tempo, segundo Ronald D. Moore. Aqui, contudo, ele vinha com função, intrinsecamente atrelado à história.”
- Inicialmente, Riker iria vencer a mão do laço final com três ases, como um indicador adicional de que a sugestão dele era a correta. Rick Berman derrubou a ideia, argumentando que Data podia programar o “três”, mas não dar três ases a Riker.
- Braga se sentiu confortável reescrevendo as mesmas cenas de novo e de novo, com pequenas mudanças e nuances diferentes em cada uma delas. Quem não gostou muito foi Jonathan Frakes, o diretor. “Quando recebi o roteiro de ‘Cause and Effect’, achei que era uma piada de Brannon Braga. Eu li o primeiro ato. Li o segundo. Li o terceiro. Li o quarto. Li o quinto. E disse: ‘Vocês só podem estar me sacaneando! Qual é!’.”
- Uma das coisas que mais animaram Braga na história foi poder abrir o episódio com a destruição da Enterprise-D, o que ele chamou de “o teaser definitivo”. Herb Wright considerou a inclusão essencial: “É um baita desafio, porque quando a audiência já viu uma vez e você mostra a elas uma segunda, a tentação para elas é mudar de canal. O desafio é como mantê-la empolgada, motivada e envolvida, se perguntando que diabo está acontecendo. E no teaser você está começando e você destruiu a nave, então se isso não fizer você ficar no episódio, não sei o que fará.”
- Para evitar que o episódio parecesse um clip show, Frakes foi instruído por Rick Berman a não reutilizar nenhuma tomada e se certificar de que cada laço fosse filmado de um modo diferente. Por conta disso, algumas das cenas neste episódio foram filmadas com múltiplas câmeras para evitar ter de filmar a mesma tomada duas vezes de ângulos diferentes. Foi um grande desafio para Frakes, sobretudo em cenas na ponte. “Eu já havia visto muitos diretores até ali, e dirigido alguns episódios, então conhecia todos os ângulos possíveis na ponte – e acho que usei todos eles.”
- O ator Kelsey Grammer é fã de Star Trek e pediu por um papel na série. Ele era conhecido por estrelar as séries Cheers e Frasier.
- A equipe de A Nova Geração queria Kirstie Alley, que fez dupla com Kelsey Grammer em Cheers, reprisando seu papel como Saavik ao lado do capitão Bateson na Bozeman, mas conflitos de agenda impediram que isso acontecesse.
- “Cause and Effect” foi filmado entre os dias 15 e 23 de janeiro, nos galpões 8 e 9 da Paramount.
- Originalmente a USS Bozeman seria uma nave da classe Constitution da época da Série Clássica, e Ronald D. Moore chegou a sugerir que a ponte fosse reconstruída. O custo se mostrou proibitivo, e a Bozeman se tornou uma nave da classe Soyuz, na verdade uma versão alterada da USS Reliant, de Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, adaptada por Greg Jein e Mike Okuda. Cenários da Série Clássica acabariam sendo recriados mais tarde para “Relics”, da sexta temporada (além, é claro, dos episódios “Trials and Tribble-ations”, de Deep Space Nine, e “In a Mirror, Darkly”, de Enterprise).
- A destruição da Enterprise-D foi filmada com a detonação de um modelo pendurado ao teto do estúdio, filmado de baixo com câmera de alta velocidade. Os detritos mais tarde foram reutilizados para retratar a destruição de outra nave da classe Galaxy, a USS Odyssey, em “The Jem’Hadar”, de Deep Space Nine.
- Este é o único episódio que mostra o hangar principal de uma nave da classe Galaxy. A maquete foi construída pela Science Fiction Modelmaking Associates.
Ficha Técnica
Escrito por Brannon Braga
Dirigido por Jonathan Frakes
Exibido em 23 de março de 1992
Título em português: “Causa e Efeito”
Elenco
Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher
Elenco convidado
Michelle Forbes como Ro Laren
Patti Yasutake como Alyssa Ogawa
Kelsey Grammer como Bateson
Enquete
Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria